16.12.22

Eles

Estou no rés-do-chão da Ler Devagar a beber devagar, sonhar devagar, divagar devagar, devanear devagar, passar o tempo devagar. Há treze anos tive um escritório aqui, não no rés-do-chão mas no último piso da máquina. Foi o escritório mais bonito que jamais tive e o melhor também, de certos pontos de vista. Escuso-me a enumerá-los; espero que não se importem. Estou também a memoriar devagar; nada de pressas nem de precisões inúteis. O escritório mais bonito, o projecto mais bonito, um ano bonito. Talvez um dos melhores, sim. Não sei. Foi há tanto tempo. 

Deixo o tempo fluir devagar. Vou buscar um livro, penso que no fundo tenho sorte: a minha solidão é superficial. No fundo (o outro fundo, aquele que conta) não estou sozinho. Nunca tinha pensado nisto: solidão superficial, vogar sozinho por cima da vida verdadeira, parte de um cardume que se manifesta em pirâmide, em cima despovoada, a base sólida. Vou provavelmente passar o Natal sozinho, mas isso pouco me afecta. Não é o primeiro, não será o último. O Natal é um dia como os outros a quem alguém um dia decidiu atribuir qualidades diferentes. Basta um tipo alhear-se dessas qualidades e "Natal sozinho" perde toda a carga emocional que tem à vista desarmada. Basta um tipo alhear-se da superfície para não se preocupar com o fundo. Eles estão lá. Que se vejam no dia a dia ou não,  que se oiçam por vezes gritar ou não se oiçam de todo, eles estão lá. Eles.

(Este texto é dedicado a Eles.)

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