22.7.23

Diário de Bordos - Barcelona & Blanes, Catalunha, Espanha, 21 e 22-07-2023

(Aeroporto de Barcelona, 22-07)

Resumo da viagem: não fiz nada do que queria fazer e adquiri uma coisa que não esperava. Essa coisa é: paz de espírito. Encontrei o BP sujo, mal amarrado, com o motor em baixo e uma defensa a menos mas agora está em condições. A marinharia foi avisada de que ninguém tem autorização para ir a bordo. Ninguém sublinhado, em negrito e caixa alta.

Blanes é uma cidadezita que fora do Verão deve ser gira; agora é horrível. Uma coisa tem, porém, notável: o pessoal do Club de Vela de Blanes é uma maravilha de simpatia, cordialidade e eficácia. 

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O restaurante chama-se Cava Nit e é fortemente aconselhável. Toalhas de pano, cadeiras almofadadas, uma carta que sem ser de uma originalidade por aí além é interessante. Encomendo salada e penso em Cioran: «É inacreditável que a perspectiva de ter um biógrafo não tenha feito ninguém renunciar a ter uma vida.»  Estou descansado: já renunciei a pelo menos nove vidas e a probabilidade de um dia ter um biógrafo é nula. Vidas nove, biógrafo zero. Ainda tenho margem para mais uma ou duas saladas antes de ir desta para melhor.

Além de toalhas de pano tem clientes que apesar de serem espanhóis não gritam. Talvez seja o ambiente que não convida, não sei. Não acredito que todos tenham comido o sublime sorvete de limão, que umas gotas de vodka promoveram a coronel. Levou-me directo ao Claudio, imagine-se.

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A parte espanhola da aventura do BP termina aqui, algo ingloriamente. Consolo-me dizendo que antes aqui do que nas Canárias.

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(Blanes, 21-07)

Olho para o atarefadíssimo empregado do bar onde entro para beber uma água (sim. Mais mais tarde) e penso que não deixa de ser curioso que arrastar-me - literalmente, mal consigo andar - por ruas cheias de gente, de barulho e de cheiro a fritos possa ser considerado trabalho. Pode. Os milhares de pessoas com quem me cruzo nas ruas apinhadas pagaram para estar aqui. Eu também, mas não estou de férias. 

Hoje encomendei salada no restaurante. Digo isto para facilitar a vida aos meus futuros biógrafos, por quem tenho desde já a maior consideração. Imagino-os horas e horas a pesquisar a magna questio: o Luís Serpa comia salada? Pois bem, meus caros. Aqui têm a resposta. Sim. E também bebia água (no pretérito imperfeito, não vá alguém pensar que me sinto perfeito só por beber água e comer salada). Pouca gente sabe, mas para aí três ou quatro vezes por ano como salada (não incluo os dias que passo em Genebra porque aí o consumo de verderias é obrigatório e por isso não conta).

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Choques de quem vem de Palma:

- Os preços. Isto é inacreditavelmente barato;
- As línguas ouvidas na rua. O alemão saiu completamente, o inglês quase. Ficam uma réstea de francês e o espanhol, omnipresente.
- A fealdade. As pessoas são feias. Todas, homens e mulheres.
- O serviço nos cafés e restaurantes. Viva o regresso do sorriso, da amabilidade e da eficácia. 

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(Epílogo)
Ou seja, regresso a Palma com a consciência de estar a meias-águas. Agora já só me falta o mais complicado: pôr o BP em Lisboa. Antes de ontem, se possível. E dormir, dormir, dormir.

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