26.5.24

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 26-05-2024

Continua a chover desalmadamente. O dia está feio, nebulado, cinzento, paralisado. Nada nem ninguém se mexe. Sinto-me no norte da Europa mas vejo-me em tronco nu e de calções e afasto imediatamente tão funesta ideia.

Funesta? Não tenho a certeza. Aproveitei para arrumar o saco e apercebo-me de que estou com saudades da roupa de frio, que tão pouco usei durante os últimos badanais. 

Este regresso a casa de avião entristece-me. Preciso muito de umas semanas no mar.

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Também preciso de ir ao aniversário da Ler por Aí, mas ainda não sei se conseguirei. Vai ser suspense até ao último minuto. A razão e a emoção intimam-me a esperar não conseguir; as mesmas razão e emoção dizem-me "Não percas a esperança." Dou mais peso ao primeiro conjunto e deixo o segundo em música de fundo.

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Hoje aqui é dia das Mães. O Marin Mouillage está fechado, como de costume. Apanhar aquilo aberto é ganhar à lotaria; o Liv e o Kokoa também (este por ser domingo, não tem nada a ver com as Mães); o Mango só tem um menu a cinquenta e cinco paus. Acabo no Cayali, que tem música ao vivíssimo - esta malta gosta de ajudar os fabricantes de aparelhos auditivos - e também só tem menu, ao mesmo preço do outro. A foda igual vou ao Mango, a música aos gritos dá-me cabo da paciência. 

Como se a porra da chuva não fosse suficiente para me lixar o dia.

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Resumo: acabo no L'Annexe, que é uma merda como o Mango mas ao menos pode comer-se à la carte. E tem música aos gritos, vinda do lado. Chama-se a isto uma enfiada de triunfos. 

Pelo menos posso comer e retornar à normalidade, depois destas três semanas difíceis. 

Três? Não. Quase quatro.

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Estranhamente, sinto-me a sair reforçado destas provas. Continuo a dar conta do recado, com tripulação ou sozinho. Continuo a gostar do que faço. Continuo a saber que amanhã não é a véspera do dia em que mudarei de vida. Continuo a pensar que um dia bom dos meus vale dez dos maus, meus ou de outros. 

Em suma: continuo a estar grato ao conjunto de deuses e diabos que hoje me trouxe ao L'Annexe, com "frio" (aspas porque estão vinte e oito graus centígrados), céu cinzento e uma multidão a festejar as respectivas mães. 

Enquanto houver mulheres bonitas, rum e vinho tinto há vida. E mar, claro.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.