21.5.24

Diário de Bordos - Marigot, Saint-Martin, DOM-TOM França, 20-05-2024

Hoje choveu, finalmente. Comprei bananas e bebi um Mai-Tai. Não é o mesmo com que me embebedei em Oakland, mas que se lixe. Não se pode viver no passado. De qualquer forma é possível que volte a Oakland em breve e vá ao Trader Vic’s, que é aonde eles foram inventados. Vim jantar ao Bistrot de la Mer. É a primeira refeição decente (ou pelo menos num restaurante) desde há quinze dias. Entre as bananas e o jantar estive no Mains à la Pâte com o J., a P. – veio despedir-se, gesto que me toca bastante - e o S., um amigo do J. que conheci anteontem, velho marinheiro. Foi dono do WILLIWAW, o original, o do Peterson e isso chega para definir um homem.

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«O marinheiro é um fingidor.
Ora finge que é rico
Ora finge que é pobre
E chega a fingir que é amor
A dor que agora sente
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Escalope de frango à milanesa, acompanhado por um Malbec e pelo barulho das motas. Estes gajos devem ser a única população do mundo cuja morte me deixaria completamente indiferente. Todos os dias dois, por exemplo. Ou pelo menos que ficassem suficientemente avariados para não poderem voltar a sentar o cu num banco motorizado. O barulho que fazem é infernal, irritante, agressivo e – sobretudo – idiota. O St. chamava-lhes «doadores de órgãos». Desde que não dêem a cabeça, tudo bem. Claro que o mais interessante seria perorar sobre esta necessidade de correr riscos e chatear os outros, tanto maior quanto mais pobre é o país. Não sei. Neste momento não consigo pensar senão no que tenho de fazer amanhã: ir ao estaleiro TOBY (Time Out Boat Yard), pagar a marina, arrumar o bote e zarpar. Com um pouco de sorte antes das onze estarei a largar amarras. O plano é fundear em St. Kitts e depois prosseguir viagem de manhã cedo até à Guadeloupe, fundear de novo e chegar quinta-feira ao Marin. Se não der para fundear, aquartelo e durmo um par de horas. Tenho lugar na marina, hallelujah!. Vou ter uma montanha de trabalho a preparar sozinho o S. D. para o transporte, mas confesso que encaro esses dias com prazer. Tudo é melhor do que esperar. A espera e a sua irmã esperança deviam ser banidas da vida quotidiana e do léxico de uma pessoa normal. São duas formas do mesmo veneno, uma ligeiramente mais letal do que a outra.

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Ontem à noite vomitei, ainda estou para saber porquê. Excesso de álcool não foi de certeza. Ou foi da maionese que está no frigorífico há não sei quanto tempo ou foi da água dos fundos que provei. Tinha qualquer coisa estranha, fez-me arder os dedos arderam quando os meti. Vantagens de andar sempre cheio de pequenas mazelas. Tenho o corpo e a cabeça de um elefante e a pele de uma donzela inglesa da aristocracia, século XIX. A verdade é que não acredito nem na maionese nem na água. Foi a tensão a vingar-se de eu não lhe ligar nenhuma.

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O Til acabou preso nas ilhas Caimão. Agora foi transferido para um centro de detenção. O mais provável é ser deportado para a Etiópia. Quando penso no tempo e no dinheiro que gastou para este fim inglório fico revoltado. O inglês com o qual embarcou é um idiota, para além de ser um explorador. Parou em todo o lado até chegar às Caimão e ali fundeou à frente de uma esquadra da polícia. Está preso também, ao menos isso.

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O frango à milanesa estava excelente. Como sempre, sobrou metade. Vai para bordo, será o almoço de amanhã. Acho que não consigo voltar a comer aquele couscous com a maionese. Deve ter sido isso que me pôs a chamar pelo Gregório a meio da noite.

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Duas notas a terminar o dia: a) só passaram três motas e b) estou exausto. O que mais me faz medo no futuro é o cansaço. Estou assim porque tentei pôr o motor no bote sozinho. Foi uma tourada, cujo resultado agora é o motor  não pegar. Tenho de ir a pé para o estaleiro, que é bastante longe. Pelo menos para as minhas pernas cansadas. 

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