14.6.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 14-06-2024

Chego a Palma e como de costume os primeiros dias são dedicados à logística. Desta vez um pouco mais do que o habitual: problemas na bicicleta, no computador e no telefone (problemas no sentido lato: situações que exigem tempo e atenção). Trato de tudo mais ou menos em paralelo, tentando manter uma corredorzinho estreito para ver os amigos. 

Xisco, Fidel - o melhor vitello tonnato do mundo e arredores, mais cf. infra - a miúda que me vende as tâmaras medjoul (não é bem uma amiga, mas não faz mal), o Ismael e o Alberto da Cantina, o Pepe do Corb Mari, o Hugo da Bottega Bolognese,  o Claudio... Ainda faltam tantos. Amanhã vou ao Joan, ao François, irei visitar a Paloma, que tem uma loja linda e o José Luís, da Babel - uma livraria e um livreiro que me fazem tanto pensar na Caroline e na Galileu, apesar do oceano de diferenças - o Jaume da Bodega Ca'n Rigo, o façanhudo da Bodega Belver que nem a S. C. conseguiria fazer rir e por quem desenvolvi uma ternura mesclada de admiração - e inveja -, a Bodega Morey.

O Es 20 de Bonaire fechou. Agora é uma loja de decoração / mobiliário chic. Volto a Palma, volto a casa e penso na quantidade de sítios que frequentava e fecharam: o Ca na Chinchilla, o Abracadabra, a Sifoneria... Não há melhor prova de que em Palma estou em casa do que esta: também as famílias diminuem de um lado e crescem do outro. 

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Chego a Palma e apanho uma constipação (misturada de episódios de alergia) de caixão à cova. Acontece-me tantas vezes em Genebra, essoutra casa. Como se precisasse desta necessidade de me enfiar na cama debaixo de uma pilha de cobertores para ter a certeza de que sim, estou em casa. Sim, estou, estúpida carcaça. Não precisas de me fazer cenas de ciúmes só porque desta vez andei longe muito tempo (mentira. Estive cá em Março).

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As ruas turísticas de Palma já estão cheias, mas ainda não a abarrotar. Ainda se consegue pedalar, desde que se vá devagar e atento. Daqui a duas semanas isso será impossível. Com sorte terei trabalho nessas semanas e só verei Palma sextas à tarde e sábado de manhã. 

O meu P. reclama: trabalho tens sempre, parvalhão. Tenho, P., eu sei, mas de vez em quando preciso de ver outras paragens e de ser pago para isso.

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A mise en place do computador avança. Lentamente mas avança. O telefone é mais complicado. A burra está resolvida: "não desfazendo" (aspas porque cito) o Ivo é o melhor mecânico de bicicletas do mundo. 

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O raio do telefone tem sete meses, bolas! Suponho que os problemas venham dos arraiais de pancada que apanhei nas saídas de Saint-Martin. Já não tenho garantia, porque o abri em Marigot. Vá lá, pelo menos essa "reparação" serviu para alguma coisa. O telefone ficou exactamente na mesma, mas a garantia foi-se. E com ela cinquenta paus, não fosse o senhor queixar-se de ter "trabalhado" por nada.

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Parágrafo importante sobre o vitello tonnato: é um prato do Piemonte (como toda a gente sabe, um sítio que regurgita atum e anchovas).  Consiste em finas fatias de vitela, frias, cobertas por um molho (na verdade uma espécie de maionese) que inclui os dois peixes acima mencionados e mais meia dúzia de ingredientes. É relativamente simples. Só tem duas ou três dificuldades:

1 - A qualidade da carne e respectiva cozedura (tem de ser com alguns legumes e durante muito tempo);

2 - A espessura das fatias de carne: entre o carpaccio e o scallopini;

3 - A delicada proporção de atum e anchovas na maionese;

4 - A delicada proporção de limão e alcaparras nessa mesma maionese;

5 - A delicada proporção de especiarias na... adivinhem;

6 - A simpatia do serviço e a beleza do local.

O cozinheiro e restante pessoal do Gustar ultrapassam estes obstáculos com uma perna às costas e apresentam um prato sublime. É sempre o que como, quando aqui venho após uma ausência de Palma.

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Acrescente-se a tudo isto um par de hierbas secas. Ou seja: vou para debaixo da minha pilha de cobertores de alma cheia.

Há melhor justificação para um dia? Para uma vida?

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