23.12.24

Foste tu

Essa cortina atrás da qual te escondes é transparente, meu caro. Dizes que tem um buraco? Sim, tem. São as palavras. É por elas que espreitas a vida, como as criadas de antigamente encostavam o ouvido à porta ou tentavam ver pelo buraco da fechadura o que faziam os patrões. 

Não viam nada, nem ouviam um décimo do que se passava. Essa vida que tu espreitas e escutas e fodes - ou fodias, quando vias e ouvias - essa vida não passa dos farrapos do que viste, ouviste e fizeste. Dela, restam-te as palavras que acumulaste como outros acumularam dinheiro, louvores ou ilusões. 

Deita-te, meu caro, no frio. Em breve estarás quente, tal como os outros, esses de que falas, estarão frios. Deixa a roda girar. Tens um privilégio: foste tu quem a fez. Não a ouviste nem espreitaste.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.