8.4.25

Envelhecer bem

Vou dizer-lhe a verdade, meu caro. Estou a envelhecer. Todos estamos, dir-me-á. Sim, mas não à mesma velocidade. Isto é, não estamos todos no mesmo ponto do envelhecimento. Sabe as montanhas russas, aquelas subidas começam devagarinho, com um ângulo pequeno e depois tornam-se cada vez mais íngremes? Sim, a velhice para mim é uma subida, não uma descida. Melhoramos com a idade, passe-me por favor o chavão. Claro que se atentarmos aos pormenores poderíamos pensar que não, que a velhice é uma decadência, uma degenerescência. Ele é a força física cada vez menor, a farmácia cada vez maior. Pormenores, meu caro. Pormenores. Prestamos cada vez menos atenção aos detalhes e fixamo-nos na imagem geral. A limpidez da imagem aumenta, claro. Já viu? Picuinhices para que vos quero? Vejo menos, oiço menos: quem é que quer ver tudo? Só um tarado. Ou ouvir, é a mesma coisa. Só os loucos e os jovens acreditam na importância de um pentelho, passe-me o pleonasmo e a expressão, por favor. Nós, velhos, não nos preocupamos com pelinhos, venham eles de onde vierem. Nem com o sítio de onde vêm, de resto. A minha farmácia está cada vez maior, é certo, já estive em metade dos hospitais da cidade. Não somos feitos para envelhecer: tudo o que vem depois dos cinquenta anos é um bónus, dizem os biólogos. No meu caso, vivi até aos cinquenta e cinco, sessenta anos. Depois disso o carrinho começou a subir e eu nele, agarrado para não cair, a olhar para cima, para o céu. Envelhecer é isso: ver o céu cada vez mais perto e os pentelhos cada vez mais longe. Envelhecer bem é perceber a imensa sorte que isso representa, meu caro.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.