A Lua sai da água, deitada mas jà lavadinha, toda limpa. Se não tem cuidado ainda choca com Júpiter, que está ali a guardar os Gémeos. O céu está limpo, ao contrário de mim, cheio de dores musculares a baterem-me à porta. Amanhã - hoje, já passam três minutos da meia-noite - vai ser lindo. E ainda há quem seja a favor do exercício físico. Estas dores estão para o abuso dos músculos como a ressaca para o do álcool. O dia faz um arco, como a minha querida Oríon: começa com um spi na água e acaba com o corpo a reclamar. Oríon também reclama: sabe que devia estar na minha proa para eu a poder ver sem ter de me virar todo e provocar um motim muscular generalizado.
A luz da Lua, apesar de ainda estar fraquinha, já apagou as estrelas menos resistentes (à dor? Não. À luz) e Sirius brilha isolada e imponente. Júpiter também resiste. Castor e Pollux empalideceram muito mas continuam a zelar por nós, marinheiros. O cancelas lá vai andando a vento Yanmar que o outro está a desvanecer-se, coitado. E eu não tarda muito estarei de quarto em baixo, deitado, a pensar em Calasso e nas Núpcias de Cadmo e Harmonia, a coisa mais bonita que li sobre a mitologia.
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A propósito do uso de termos náuticos, objecto de debate interno desde que este blogue existe (ou seja, há quase vinte e dois anos): como todos os acidentes tem várias causas. Por um lado, o DV é uma conversa diacrónica de mim comigo e eu falo assim. Por outro, se há uma coisa que me entristece em Portugal - há inúmeras - é o desaparecimento do vocabulário náutico do nosso léxico. Em Inglaterra e em França as pessoas, mesmo não navegantes, têm uma noção de alguns termos náuticos. No nosso país isso desapareceu. Acresce que há sempre o simpático Google, agora com a muleta da inteligência caseira. Em última análise, quem quiser pode perguntar-me. Estar de quarto em baixo, por exemplo, significa não estar de quarto. Quando se está, diz-se que se está de quarto em cima, naturalmente. Gosto particularmente do uso da afirmativa em vez da negativa. "Estar de quarto em baixo" é mais bonito do que "Não estar de quarto", não é? É.
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O vento cai, a grande reclama - diz que lhe dói estar ali em cima, pendurada no mastro, a não fazer nada - e tudo indica que daqui a pouco vou ter de a arrear. Não é para já. Por enquanto ainda ajuda.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.