30.5.11
Publicidade interessada
Uma experiência interessante:
Uma semana num iate a motor (um catamaran de 44') em Ibiza por 850 euros pessoa (2 pessoas) / 800 (4 pessoas) / 700 (6 pessoas). Acresce alimentação e gasóleo (despesas variáveis e moduláveis).
De 31 de Julho a 7 de Agosto.
Mais infos: Lserpa@amaromar.com
25.5.11
Eis a questão
— Ela não é a mulher certa para ti.
— Pára de me usar como desculpa para aquilo que ela não é.
— Pára de me usar como desculpa para aquilo que ela não é.
24.5.11
Querer amar não querer
Querer amar alguém e não conseguir; ou, pelo contrário, não querer amar e continuar, anos depois, tão apaixonado como aquando da primeira vez que mentimos "não te amo, está descansada" são a mesma face da mesma moeda.
23.5.11
Rum velho
Um dia encontrar-nos-emos à porta de um rum velho por baixo da nuvem em forma de cavalo, a Patti Smith cantará Horses, o sol pôr-se-á atrás de meia dúzia de nuvens das quais apenas veremos as bordas, o silver linning, como eles dizem, e o mundo será nosso.
Agora que penso nisso
Quel bonheur! também é muito bonito, não é? Ou quanto mais não seja muito bom.
Vento
Enquanto espero os ziguezagues volto ao meu apartamento com vista para o vento e deixo-me acariciar, como se estivesses aqui invisível, tu que todos os dias eu vejo e toco como se estivesses aqui, visível como o vento que todas as noitas me acaricia, como se fosses tu.
Livro de bordos - 26
Os próximos bordos estão mais ou menos definidos: primeiro a norte, rever Lisboa; depois a sul, fazer day charter na Guiana Francesa com o ANTIROUILLE, um Athena 38. É preciso ver grande, mesmo nos ziguezagues: ou são hemisféricos ou são nada.
A estética feminina e o fumo fora de portas
Pertenço a uma espécie antiquada e conservadora de homens que não gosta (por achar feio) de ver mulheres a fumar em locais públicos (isto é, fora de casa).
Mas devo reconhecer que se a senhora for bonita, magra e tiver um generoso, mas harmonioso par de seios a fealdade do acto é bastante atenuada.
Mas devo reconhecer que se a senhora for bonita, magra e tiver um generoso, mas harmonioso par de seios a fealdade do acto é bastante atenuada.
19.5.11
Wallilabou Bay
O sol está a pôr-se, e ilumina muito obliquamente tudo o que encontra no caminho: o pontão e a pequena casota na sua extremidade, o lado norte da baía, abrupto e coberto de árvores, os arcos do restaurante, o S/Y "BALICIOS", embarcação da qual sou o feliz skipper.
O vento caiu competamente e o céu está ligeiramente encoberto: o horizonte não é uma divisão entre mar e céu, mas uma simples linha de mudança de cor: de qualquer forma as nuvens reflectem-se na água.
Em breve será noite: nos trópicos tudo é abrupto - o calor, a paisagem, as pessoas e os crepuscúlos. A música - reggae, claro - está por trás de mim e parece explicar toda a cena: um pôr-do-sol especial porque proibido (não podemos vir a Wallilabou Bay) e último, mar que se toma por céu e céu que se deixa levar porque no fundo lhe é indiferente, a paisagem découpée pelos arcos do restaurante, a imobilidade. Ao longe, muito perto do horizonte (mas de que lado, o de cima ou o de baixo?) um bote a remos e um veleiro com o pano arreado.
Os únicos movimentos são o da música, o da frescura do rhum punch, metronómico, e os remos de um outro bote, no meio da baía, que não percebo bem para onde vai, ou porquê.
Parece-me que o restaurante flutua, ele também, nesta mistura de música, rhum punch, calor e vagar de fim de dia perfeitos (o fim e o dia). Pergunto-me: suportarias o peso esmagador de tanta beleza, se estivesses aqui?
(Sei a resposta, claro. Se não soubesse não teria formulado a pergunta.)
O vento caiu competamente e o céu está ligeiramente encoberto: o horizonte não é uma divisão entre mar e céu, mas uma simples linha de mudança de cor: de qualquer forma as nuvens reflectem-se na água.
Em breve será noite: nos trópicos tudo é abrupto - o calor, a paisagem, as pessoas e os crepuscúlos. A música - reggae, claro - está por trás de mim e parece explicar toda a cena: um pôr-do-sol especial porque proibido (não podemos vir a Wallilabou Bay) e último, mar que se toma por céu e céu que se deixa levar porque no fundo lhe é indiferente, a paisagem découpée pelos arcos do restaurante, a imobilidade. Ao longe, muito perto do horizonte (mas de que lado, o de cima ou o de baixo?) um bote a remos e um veleiro com o pano arreado.
Os únicos movimentos são o da música, o da frescura do rhum punch, metronómico, e os remos de um outro bote, no meio da baía, que não percebo bem para onde vai, ou porquê.
Parece-me que o restaurante flutua, ele também, nesta mistura de música, rhum punch, calor e vagar de fim de dia perfeitos (o fim e o dia). Pergunto-me: suportarias o peso esmagador de tanta beleza, se estivesses aqui?
(Sei a resposta, claro. Se não soubesse não teria formulado a pergunta.)
17.5.11
Livro de bordos - 25 (notas)
A Switch é um operador de charter à cabine de custo reduzido. Ou seja: em vez de alugar barcos inteiros, como no bareboat charter, aluga-os ao camarote; e baseia-se na quantidade para assegurar o retorno do investimento.
Assisti ao nascimento da Switch, nos anos 80, e a todos os debates que suscitou - o primeiro dos quais sendo, naturalmente, que o mar ia deixar de ser dos marinheiros e de quem o conhecia e apreciava e ia ser entregue aos "bichos" (quase literalmente: os marinheiros franceses chamam "elefantes" aos terráqueos).
Nessa altura havia muitas dúvidas sobre a viabilidade de uma empresa que ia pôr o mar ao alcance de todos. Eu sempre acreditei que seria viável. Apercebi-me muito cedo de que o mar é uma forma particular de turismo, e não uma forma particular de vida reservada a extra-terrestres.
A Switch organiza cruzeiros às Grenadines (entre outros destinos) com partida do Marin. Numa semana o programa inclui Bequia, Moustique, Tobago Cays, Mayreau, Clifton, Bequia de novo e Marigot (isto no programa "Clássico"; o programa "Combinado" é basicamente o mesmo, mas dura duas semanas, uma das quais no barco e outra em hotéis em Union e St. Lucia).
É fácil de ver que mesmo no "Combinado" o programa é demasiado carregado. No "Clássico" nem se fala: "é pior do que Paris", dizia-me um dia uma jovem passageira. A juntar a isto - a que no fundo se pode argumentar que é o que os clientes querem - há o estado deplorável dos barcos, e os salários demasiado baixos.
O ponto positivo é só um: há trabalho, muito. Basta querer. No fundo o negócio é bom para skippers e para a empresa - e a maioria dos clientes sai satisfeita. Uma situação em que todos ganham, portanto: skippers, empresa e clientes, até certo ponto.
Mas o trabalho é esgotante. Sete dias vezes a quantidade de embarques que se pretende fazer (por defeito três, mas é possível fazer até cinco), com horas de sono reduzidas, grupos enormes (num catamaran de 41' oito pessoas), comida má e sempre igual (quem cozinha são os clientes, mas as provisões são fornecidas pela empresa), percursos invariáveis (é muito raro que um grupo aceite uma mudança no percurso. Hoje aconteceu, seja Deus louvado, e vou passar mais uma noite em Bequia, em vez de a passar em Moustique), e a carga, à qual ninguém dá o devido valor, de aturar durante uma semana pessoas com quem, em condições normais, não passaríamos uma hora.
Apesar de tudo, continuo a achar que tenho o melhor emprego do mundo. Hoje é na Switch; amanhã será noutra qualquer, melhor (todas o são). O mar é o mar, Bequia Bequia e a felicidade leve. Que mais querer?
Assisti ao nascimento da Switch, nos anos 80, e a todos os debates que suscitou - o primeiro dos quais sendo, naturalmente, que o mar ia deixar de ser dos marinheiros e de quem o conhecia e apreciava e ia ser entregue aos "bichos" (quase literalmente: os marinheiros franceses chamam "elefantes" aos terráqueos).
Nessa altura havia muitas dúvidas sobre a viabilidade de uma empresa que ia pôr o mar ao alcance de todos. Eu sempre acreditei que seria viável. Apercebi-me muito cedo de que o mar é uma forma particular de turismo, e não uma forma particular de vida reservada a extra-terrestres.
A Switch organiza cruzeiros às Grenadines (entre outros destinos) com partida do Marin. Numa semana o programa inclui Bequia, Moustique, Tobago Cays, Mayreau, Clifton, Bequia de novo e Marigot (isto no programa "Clássico"; o programa "Combinado" é basicamente o mesmo, mas dura duas semanas, uma das quais no barco e outra em hotéis em Union e St. Lucia).
É fácil de ver que mesmo no "Combinado" o programa é demasiado carregado. No "Clássico" nem se fala: "é pior do que Paris", dizia-me um dia uma jovem passageira. A juntar a isto - a que no fundo se pode argumentar que é o que os clientes querem - há o estado deplorável dos barcos, e os salários demasiado baixos.
O ponto positivo é só um: há trabalho, muito. Basta querer. No fundo o negócio é bom para skippers e para a empresa - e a maioria dos clientes sai satisfeita. Uma situação em que todos ganham, portanto: skippers, empresa e clientes, até certo ponto.
Mas o trabalho é esgotante. Sete dias vezes a quantidade de embarques que se pretende fazer (por defeito três, mas é possível fazer até cinco), com horas de sono reduzidas, grupos enormes (num catamaran de 41' oito pessoas), comida má e sempre igual (quem cozinha são os clientes, mas as provisões são fornecidas pela empresa), percursos invariáveis (é muito raro que um grupo aceite uma mudança no percurso. Hoje aconteceu, seja Deus louvado, e vou passar mais uma noite em Bequia, em vez de a passar em Moustique), e a carga, à qual ninguém dá o devido valor, de aturar durante uma semana pessoas com quem, em condições normais, não passaríamos uma hora.
Apesar de tudo, continuo a achar que tenho o melhor emprego do mundo. Hoje é na Switch; amanhã será noutra qualquer, melhor (todas o são). O mar é o mar, Bequia Bequia e a felicidade leve. Que mais querer?
Sedução
Um homem pode seduzir uma senhora sendo aquilo que ela quer que ele seja; ou seduzi-la sendo aquilo que é.
Esta última táctica tem alguns problemas, parece mais difícil, suscita muitas dúvidas. Mas os benefícios, para aqueles que a escolhem, são tantos que muito em breve deixam todas as outras formas de seduzir; abandonam-se à doce tragédia (ou fatalidade, se preferirem) de serem quem são e descobrem, atónitos, que é mais fácil seduzir sendo-se quem é do que sendo plasticina nas mãos cruéis da gente feminina.
(Não sei porque me ocorrem estas coisas quando me falam de Pedro Passos Coelho).
Esta última táctica tem alguns problemas, parece mais difícil, suscita muitas dúvidas. Mas os benefícios, para aqueles que a escolhem, são tantos que muito em breve deixam todas as outras formas de seduzir; abandonam-se à doce tragédia (ou fatalidade, se preferirem) de serem quem são e descobrem, atónitos, que é mais fácil seduzir sendo-se quem é do que sendo plasticina nas mãos cruéis da gente feminina.
(Não sei porque me ocorrem estas coisas quando me falam de Pedro Passos Coelho).
Livro de bordos - 24 (notas)
Há coisas, lugares e pessoas assim: um gajo adora-os antes de os conhecer verdadeiramente; e quando os conhece verdadeiramente ainda gosta mais deles. Aconteceu-me com Bequia: apaixonei-me a primeira vez que cá vim. Hoje, quase a vigésima, resolvi ir dar um passeio pela ilha, com os passageiros. É raro fazer isto porque me aborreço em terra e, regra geral, com os passageiros ainda mais; mas hoje é a última vez que virei a Bequia em meses (enfim, possivelmente) e achei que devia, de uma vez por todas, elucidar de onde vem esta paixão.
A ilha é bonita, e a vista de Admiralty Bay do forte comprova simplesmente que a baía é um longo útero. Quando cá chegamos, nós, marinheiros, homens habituados a ouvir coisas que ninguém disse e a ver outras que ninguém fez ficamos, simples e inelutavelmente, prisioneiros da magia. Depois passamos imenso tempo a tentar descobrir porque nos apaixonámos por estes 18km2 de ilha, mas isso é irrelevante: já estamos presos, e não queremos deixar de o estar.
O táxi trouxe-nos a uma das praias do lado Sul da baía (Lower Bay, para os fans do Google Terra). A praia está deserta; os passageiros tomam banho e eu bebo cerveja e oiço reggae no bar onde decidimos almoçar. Está calor, vento, sol; a empregada do bar é uma senhora escultural, de Trinidade, onde espero ir para o mês. A música é boa e a cerveja local - Hairun, "St. Vincent's Prize winning lager" - fresca e leve, como uma ou duas jovens senhoras que conheci ao longo destes anos todos; ou uma por quem me apaixonei.
Estou contente por não ter uma máquina fotográfica: olho para cada milímetro de paisagem com a sofreguidão do amante que sabe que em breve será esquecido, ou trocado por outro.
Estou a viver aquilo que pensava que iria viver, quando para aqui vim. Quase: nunca pensei ter que trabalhar tanto na Switch; e nunca pensei que seria tão bom, apesar de ser na Switch. Esta é a minha última semana; depois espera-me um bordo a norte, mais um, e o começo da partida para Sul num Athena 38 no qual vou navegar os próximos meses, entre a Martinique e a Guiana Francesa.
A ilha é bonita, e a vista de Admiralty Bay do forte comprova simplesmente que a baía é um longo útero. Quando cá chegamos, nós, marinheiros, homens habituados a ouvir coisas que ninguém disse e a ver outras que ninguém fez ficamos, simples e inelutavelmente, prisioneiros da magia. Depois passamos imenso tempo a tentar descobrir porque nos apaixonámos por estes 18km2 de ilha, mas isso é irrelevante: já estamos presos, e não queremos deixar de o estar.
O táxi trouxe-nos a uma das praias do lado Sul da baía (Lower Bay, para os fans do Google Terra). A praia está deserta; os passageiros tomam banho e eu bebo cerveja e oiço reggae no bar onde decidimos almoçar. Está calor, vento, sol; a empregada do bar é uma senhora escultural, de Trinidade, onde espero ir para o mês. A música é boa e a cerveja local - Hairun, "St. Vincent's Prize winning lager" - fresca e leve, como uma ou duas jovens senhoras que conheci ao longo destes anos todos; ou uma por quem me apaixonei.
Estou contente por não ter uma máquina fotográfica: olho para cada milímetro de paisagem com a sofreguidão do amante que sabe que em breve será esquecido, ou trocado por outro.
Estou a viver aquilo que pensava que iria viver, quando para aqui vim. Quase: nunca pensei ter que trabalhar tanto na Switch; e nunca pensei que seria tão bom, apesar de ser na Switch. Esta é a minha última semana; depois espera-me um bordo a norte, mais um, e o começo da partida para Sul num Athena 38 no qual vou navegar os próximos meses, entre a Martinique e a Guiana Francesa.
15.5.11
10.5.11
Livro de bordos - 23 (notas)
St. Vincent
A vegetação espessa, densa de St. Vincent absorve a luz e rejeita-a como uma esponja água, ou a distância saudade.
Eros, Eolo
Podem misturar-se os sacrifícios a estes deuses? Melhor ainda seria sacrificarmos aos dois, os dois.
A vegetação espessa, densa de St. Vincent absorve a luz e rejeita-a como uma esponja água, ou a distância saudade.
Eros, Eolo
Podem misturar-se os sacrifícios a estes deuses? Melhor ainda seria sacrificarmos aos dois, os dois.
7.5.11
Geometria
Abriste-me a porta da casa que não tens e disseste:
— Entra — entrei e pus-me a escrever.
Só podemos, daqui, tirar uma conclusão: os limites da tua ousadia ficam do lado de fora dos meus.
— Entra — entrei e pus-me a escrever.
Só podemos, daqui, tirar uma conclusão: os limites da tua ousadia ficam do lado de fora dos meus.
Queda livro
A expressão não ter onde cair morto, parecendo que não, diz muito mais de nós do que dos nossos avós — cuja principal preocupação era deixarem-nos dinheiro para pagar o seu próprio funeral, adivinhando, talvez, que não teríamos como, a este ritmo, pôr essa preocupação à frente das outras.
A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua, de Jorge Amado, começa com uma sábia observação, a última da vida de Quincas, na senda dos nossos avós: «Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há». Quincas é (muito resumidamente) o velho marinheiro que berrou como um animal ferido de morte quando lhe deram água em vez de cachaça e, sobretudo, o homem que ousou morrer duas vezes: uma, condignamente, aperaltado num féretro que, por pouco, era mandado fazer à medida; a outra, de livre e espontânea vontade (condignamente, portanto), mergulhando no mar da Bahia, terra primeira, como disse João Gilberto — e se ele disse está dito.
Do livro disse outro velho marinheiro, homem de muitas mulheres mas uma de cada vez, que se sai com «uma sensação de bem-estar físico e espiritual como só os prazeres do copo e da mesa, quando se está com sede ou fome, e os da cama, quando se ama». Vinícius de Moraes disse mal: sai-se do livro não tendo onde cair morto. É que a morte, sei-o por experiência própria, está mais longe quando não sabemos como pagá-la. Quem não tem onde cair morto vive para sempre? Impossível não há.
Em direcção à verdade
A palavra forsooth, que para os comuns mortais só existe em Shakespeare e no inefável Fever de Peggy Lee, é uma prova séria de que a verdade é um lume incombustível. O Merriam-Webster diz desta expressão que é característica do Middle English — o inglês falado na Idade Média, entre os séculos XI e XV, afinal, bem antes de William Shakespeare.
Forsōth tinha, então, a acepção de "na verdade" (Fever! I'm afire, fever, yeah, I burn, forsooth). Como o ainda contemporâneo indeed, que pode significar, além de "na verdade", algo como "isso mesmo" ou o nosso tão automático "sinceramente", forsooth era uma bengala que perpetuava uma coisa que se pensou, uma verdade que se disse, efémera que fosse como o último sopro de uma vítima da peste negra.
Quem hoje disser forsooth está, em vez de sublinhar a verdade, a aconchegar a mentira. A eloquência cerimoniosa de um forsooth (e que se exprime agora num medianamente elegante indeed) deu lugar ao sarcasmo, que é quase sempre arrogante, porque se aprende rápido e, tendo a intenção de confundir o interlocutor sobre se se pensa mesmo o que se disse, é verdade sem possibilidade de mentira. Hoje, se alguém te disser You give me fever e tu responderes forsooth estás a duvidar. E a magoar, porque a dúvida dói mais do que a mentira. Em português:
— Amo-te.
— Pois, pois.
Forsōth tinha, então, a acepção de "na verdade" (Fever! I'm afire, fever, yeah, I burn, forsooth). Como o ainda contemporâneo indeed, que pode significar, além de "na verdade", algo como "isso mesmo" ou o nosso tão automático "sinceramente", forsooth era uma bengala que perpetuava uma coisa que se pensou, uma verdade que se disse, efémera que fosse como o último sopro de uma vítima da peste negra.
Quem hoje disser forsooth está, em vez de sublinhar a verdade, a aconchegar a mentira. A eloquência cerimoniosa de um forsooth (e que se exprime agora num medianamente elegante indeed) deu lugar ao sarcasmo, que é quase sempre arrogante, porque se aprende rápido e, tendo a intenção de confundir o interlocutor sobre se se pensa mesmo o que se disse, é verdade sem possibilidade de mentira. Hoje, se alguém te disser You give me fever e tu responderes forsooth estás a duvidar. E a magoar, porque a dúvida dói mais do que a mentira. Em português:
— Amo-te.
— Pois, pois.
3.5.11
Na mão de demónios imperfeitos
Quando acordei não sabia onde estava. Sonhei contigo - tinhas publicado um texto no Expresso no qual me citavas; circulávamos por Lisboa no teu automóvel potente, daqueles que sabem que o dono está a chegar; e deixavas-me num sítio qualquer para que eu voltasse para casa. No sonho falaste-me do teu amor por automóveis potentes e pelo poder (de que, esclareceste, a potência não passa de um ersatz).
O texto era ilustrado por uma fotografia que um dia, se me lembrar, farei: um vaso de flores pendurado no alto de um muro de jardim, antigo, espesso, sólido; uma esquina e o vaso de flores lá pendurado, sozinho, alto e no lado interior do muro.
Deixaste-me na avenida das Forças Armadas. "Fico aqui", disse-te. "De qualquer forma não sei para onde ir, não sei onde moro".
Lembro-me do teu nariz um bocadinho arrebitado, desenhado para farejar o poder, apreciar a potência e não se deixar iludir nem por um nem pela outra. As luzes traseiras do carro desapareceram avenida acima. Fiquei na esquina a rever a imagem do vaso de flores e a tentar reconstituir outra imagem, dos teus seios na minha cama. "Nunca mais as verei, nem uma nem outra".
Acordei sem saber onde estava. Os sonhos complexos deixam-me assim, desapoiado.
Revejo-te agora perfeitamente: sentada na minha cama, os braços à volta dos joelhos, pernas ligeiramente entreabertas, as mamas lindas, poderosas, feitas para mãos poderosas; os pelos púbicos curtos, tratados com gosto. Tudo em ti era simples e linear: "não gosto do meu marido, mas gosto de automóveis potentes e de homens poderosos. Tudo o resto são sonhos, e uma mulher não vive de sonhos".
Eu tenho poder, repara: o de não ter onde cair morto; o de não saber onde vivo; o de não saber onde acordo, ou onde estarei amanhã, se amanhã for muito longe. Mas esse é um poder que tu não entendes.
Obrigado pela citação no Expresso.
O texto era ilustrado por uma fotografia que um dia, se me lembrar, farei: um vaso de flores pendurado no alto de um muro de jardim, antigo, espesso, sólido; uma esquina e o vaso de flores lá pendurado, sozinho, alto e no lado interior do muro.
Deixaste-me na avenida das Forças Armadas. "Fico aqui", disse-te. "De qualquer forma não sei para onde ir, não sei onde moro".
Lembro-me do teu nariz um bocadinho arrebitado, desenhado para farejar o poder, apreciar a potência e não se deixar iludir nem por um nem pela outra. As luzes traseiras do carro desapareceram avenida acima. Fiquei na esquina a rever a imagem do vaso de flores e a tentar reconstituir outra imagem, dos teus seios na minha cama. "Nunca mais as verei, nem uma nem outra".
Acordei sem saber onde estava. Os sonhos complexos deixam-me assim, desapoiado.
Revejo-te agora perfeitamente: sentada na minha cama, os braços à volta dos joelhos, pernas ligeiramente entreabertas, as mamas lindas, poderosas, feitas para mãos poderosas; os pelos púbicos curtos, tratados com gosto. Tudo em ti era simples e linear: "não gosto do meu marido, mas gosto de automóveis potentes e de homens poderosos. Tudo o resto são sonhos, e uma mulher não vive de sonhos".
Eu tenho poder, repara: o de não ter onde cair morto; o de não saber onde vivo; o de não saber onde acordo, ou onde estarei amanhã, se amanhã for muito longe. Mas esse é um poder que tu não entendes.
Obrigado pela citação no Expresso.
2.5.11
Até que enBin
Churchill disse um dia que os americanos acabam sempre por fazer a coisa certa, depois de fazerem todas as erradas.
1.5.11
Amores, vontade
Os amores que começam contra a nossa vontade são os piores. Ou melhores: a força do que tem de ser é boa ou má?
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