17.10.09

Mar, palavras

Estou no mar. Quinze, vinte nós de vento; mas o vento é circular, anda às voltas em torno de mim. Está um dia claro, luminoso, os azuis do mar e do céu entrecortados pelos carneiros no topo das vagas, escada azulada. Tento agarrar uma das vagas; transforma-se numa mulher, o branco da espuma em cabelo loiro ou castanho.

Ou em palavras: "não", "sim", "vem", "espera", "desaparece". As palavras também rodam, como o vento, em torno de um eixo que ora me parece estar dentro de mim ora está, claramente, fora. Aglutinam-se em frases: "gosto muito de ti", "vou-me embora", "não sei o que quero, nem o que não quero", "quando chegar a casa ligo-te", "quando chegarmos a casa vamos para a cama", "vamos para a cama hoje, só hoje", "leio em ti como num livro aberto".

O vento cresce, os círculos tornam-se mais apertados, as palavras uivam-me nos tímpanos. Para onde quer que me volte só vejo azul, branco, e olhos, peles, seios, ventres, pernas de todas as cores e formas. As vagas transformam-se em mãos - algumas apertam-me o pescoço e dão-me murros, outras afagam-me carinhosamente a pele, o sexo, o cabelo. Não posso afogar-me, mesmo que queira: o mar, as palavras, as mãos impedir-me-iam.

"Tudo isto devia transformar-se em dor", penso. "É fiável, coerente, conhecida. Não muda de um segundo para outro, não se contradiz, sabe o que quer: magoar-me. E consegue".

As mãos que me afagam e acariciam também, apercebo-me súbita, magoadamente.

O vento cai, as palavras apagam-se. As mãos retiram-se. Nada fica.

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