7.5.11

Queda livro

A expressão não ter onde cair morto, parecendo que não, diz muito mais de nós do que dos nossos avós — cuja principal preocupação era deixarem-nos dinheiro para pagar o seu próprio funeral, adivinhando, talvez, que não teríamos como, a este ritmo, pôr essa preocupação à frente das outras.

A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua, de Jorge Amado, começa com uma sábia observação, a última da vida de Quincas, na senda dos nossos avós: «Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há». Quincas é (muito resumidamente) o velho marinheiro que berrou como um animal ferido de morte quando lhe deram água em vez de cachaça e, sobretudo, o homem que ousou morrer duas vezes: uma, condignamente, aperaltado num féretro que, por pouco, era mandado fazer à medida; a outra, de livre e espontânea vontade (condignamente, portanto), mergulhando no mar da Bahia, terra primeira, como disse João Gilberto — e se ele disse está dito.
 
Do livro disse outro velho marinheiro, homem de muitas mulheres mas uma de cada vez, que se sai com «uma sensação de bem-estar físico e espiritual como só os prazeres do copo e da mesa, quando se está com sede ou fome, e os da cama, quando se ama». Vinícius de Moraes disse mal: sai-se do livro não tendo onde cair morto. É que a morte, sei-o por experiência própria, está mais longe quando não sabemos como pagá-la. Quem não tem onde cair morto vive para sempre? Impossível não há.

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