24.12.15

Desejo, desigualdades

A vaga noção de que o desejo deve nascer como o sol - primeiro está escuro, depois vem o crepúsculo, a seguir o horizonte e de repente há cores (de repente nos trópicos,  naturalmente. Nas altas latitudes não há repentes) - talvez seja defensável.

Depende das circunstâncias. Se for consequência de uma mistura de excesso de rum com Leonard Cohen a cantar Anthem talvez não seja.

Duas coisas boas nem sempre produzem uma positiva, ao contrário de uma das regras básicas da álgebra. Mais ou menos. Isto não é um curso de matemática. Muito menos um discurso.

Álgebra, Cohen, o desejo e nascer do sol nos trópicos.

Isto dito é um conceito  que deve ser discutido. O desejo nasce, etc. Mas qual a relação do nascer do desejo com o rum? Ou melhor (a relação é conhecida e antiga): é legítima? Não.

Nada do que depende das circunstâncias é a priori legítimo.
- Define legítimo.
- Define circunstâncias.
- Conjunto de coisas que me rodeia e não depende da minha vontade.
- Conjunto de acções que tem uma sustentação ética. Isto é, é defensável se deslocarmos o nosso ponto de vista para o de quem é afectado por essas acções.

(Talvez seja essa a crítica do abulismo mais justa: um abúlico não tem mundo exterior. Ora o mundo exterior existe, como magistralmente canta Cohen: There is a crack, etc. É por aí que entra a luz. Podíamos substituir fenda por boca e luz por rum e ficava o círculo fechado.)

Mas agora quem canta é aquele gajo sem dentes dos Pogues e as minhas construções teóricas desvanecem-se.

Christmas Day, fada de Nova Iorque e eu aqui sozinho com o meu rum e agora a Nico. É uma compilação pessoal, para quem não tenha percebido.

Serei o teu espelho, caso não tenhas percebido. Serei a fenda em ti pela qual a luz entra. Serás a minha rainha porque já o és de Nova Iorque. Em breve teremos a Lua cheia.

Não digas nada. Vamos imaginar que há uma relação entre o nascer do sol e o do desejo e vamos imaginar que essa relação é directamente proporcional - quanto mais alto vai o sol maior o desejo - e vamos (agora as coisas complicam-se) imaginar que quem escreve estas linhas é um abúlico assumido, um niilista sem vergonha, um céptico de provas dadas, uma ilusão óptica,  táctil, auditiva e olfactiva.

Que fica se o dito céptico abúlico niilista e apesar disso vítima do desejo morrer atropelado por um triciclo conduzido por uma criança que calculou mal a curva?

Fica o que o homem disse, escreveu e fez, em quantidades desiguais.

Importa sublinhar: quantidades desiguais. Tal como de resto o sol a nascer é conjunto de desigualdades. Variáveis,  mas desigualdades.

E o desejo, a coisa mais desigual do mundo.

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