4.5.18

Diário de Bordos - Andratx, Mallorca, Baleares, Espanha, 04-05-2018

Passei o dia em diferentes escritórios de Puerto de Andratx: primeiro o Es Porteño - onde de resto se come bastante bem, aconselho-o vivamente -; depois no Sailor, fantástico para quem gosta de televisão. (O Acal tinha e tem o wifi avariado).

Puerto de Andratx tem o condão de me sair pelas orelhas mal passo muito tempo fora do P., de modo resolvi vir espairecer a Andratx. Na esperança, claro, de que o Gastrobar não fosse o único sítio aberto.

Não é e Cubano estava cheio, felizmente. Já a Cafeteria Bar Cafeína está aberta, faz bons cocktails e tem uma empregada que consegue o prodígio de ser espectacularmente bonita e ainda mais simpática. Ou ao contrário, não sei, ainda não aterrei completamente. Junte-se a isto uma música neutra, não-agressiva, um ambiente calmo e propício à reflexão e compreender-se-á porque não é de certeza a última vez que aqui venho.

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Graças à J. conheci um escritor catalão chamado Josep Pla. Menciono isto por duas razões: a) agradecer pública e veementemente à J. a sugestão; b) sugerir ainda mais veementemente a todos que acorram à primeira livraria que encontrarem, à Amazon, ao que for. A Viagem de Autocarro, que comecei e não acabei já me tinha dado um cheiro da maravilha. Hoje comecei as Cartas de Itália e estou subjugado. Se um dia escrever um livro sobre as minhas mudanças de casa já tenho o tom: uma mistura de amor e ironia. Infelizmente não tenho o talento do homem, mas muito trabalho substitui o talento e nunca ninguém me viu fugir do trabalho, excepto talvez dois ou três patrões, entre os quais o da TPH (Toujours Plus Haut) empresa que se dedicava à nobre missão de montar andaimes em Genebra e arredores.

Tentei também trabalhar numa empresa de mudanças, em La Chaux-de-Fonds, mas dessa fugi no primeiro dia. Enfim, no primeiro minuto: o homem veio buscar-me ao ponto de encontro e disse-me "Está dois minutos atrasado" (não estava, mas isso é irrelevante). Respondi-lhe: "Então lamento muito, mas não vou trabalhar. Não nos vamos entender. Au revoir". E voltei para casa, para o aconchego da Ch., apesar dos protestos do senhor.

A Ch. era rechonchuda (sem ser gorda), tinha cabelos encaracolados e sardas, olhos verdes e um corpo acolhedor como nunca mais encontrei. Um homem que me diz que estou dois minutos atrasado não é concorrência para tanta felicidade e não devia tentar.

Fora estes e talvez mais um ou outro não fujo ao trabalho.

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Acabado o período de auto-motivação: tecer loas ao talento, à competência e à simpatia da barmaid do Cafeína; reafirmar a minha esperança em ver um dia o P. refeito, a brilhar por dentro e por fora pendurado numa grua (e com uma cana de leme em vez daquela atroz roda, ora pro nobis); perguntar-me se um dia chegarei verdadeiramente a Lisboa; e pouco mais.

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O problema sendo que são dez e meia da noite, estou cheio de sono e cansado - o trabalho intelectual também cansa, consome bastante açúcar (parece) - isto a quem tem um intelecto; imagine-se o que não custará a mim - e não me apetece sair daqui e meter-me num táxi e ir buscar a burra que deixei no porto. Ainda agora cheguei. Havia um filme chamado The Goodbye Girl, não era?

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E é isto: sono, cansaço, trabalho, uma barmaid bonita e um filme de que só recordo o título. Não sei se chega para fazer uma noite, mas de que é o fim de um dia não há dúvida.

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