27.10.20

Conversa de café - Genebra, 27-10-2020

Os pequenos cafés de bairro são lúgubres, deprimentes, tristes, feios em todo o lado; Genebra não é portanto uma excepção. La Fleur de Champel, no bairro epónimo (um bairro chic, convém dizer) não foge à regra, com alguns predicados mais: o dono é mais antipático do que uma gárgula e como é espanhol tem a casa cheia de máquinas de jogos e uma vitrine com doces e salgados (esta é bem vinda, apresso-me a esclarecer: o folhado de salsicha é excelente, mesmo frio e a esta hora). O vinho da casa é Dão e bom, passe a redundância.

Ao meu lado, um senhor explica convictamente a uma interlocutora telefónica que «está no escritório» e «não, não está a mentir».

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 A sorte já me bateu à porta mais vezes do que eu acredito, quando penso nelas; apresenta-se como uma miúda gira, sorridente, mamalhuda, sexy como a Monroe e inteligente como a Basset (que também é sexy, de passagem seja dito. Talvez até mais do que a outra. Pouco importa. Isto não é uma crítica de misses). Escancara-se-lhe a porta e os braços e transforma-se imediatamente numa velha bruxa, desdentada e montada numa vassoura. Que fazer?

O melhor é empurrá-la para um quarto e fechá-la, sem nos assustarmos. Ela e o tempo lá se entendem, com altos e baixos. Ele não teme a fealdade. Às vezes fazem uma partida a três com o azar: «O tempo, a sorte e o azar encontram-se num quarto e fazem uma orgia» podia ser o começo de muitas biografias. Todas...

De tempos a tempos convém abrir a porta do quarto para o arejar, espreitar lá para dentro, entusiasmarmo-nos um bocadinho com as mamas da sorte ou as carícias do tempo. Bebe-se um bom rum, um bom absinto, olha-se bem para o quarto e deixa-se os três à solta. Eles lá saberão o que fazem. E não deixarão de no-lo dizer.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.