22.12.20

Futuro radioso

Se os problemas fossem tempestades, os meus já teriam dado duas voltas ao alfabeto. Prefiro não falar neles. Primeiro, porque não quero pôr metade do país a chorar, distraindo-o assim de coisas mais importantes como a Covid, as eleições presidenciais, o futebol (sou eu que ando distraído ou não tem havido jogos?) a vaca da Cristina, o português do primeiro-ministro, o Brexit, os presentes natalícios, as restrições à mobilidade no Tibete, a conjunção de dois grandes planetas do sistema solar, o nível do défice nacional, a aterradora falta de piada da vasta maioria dos humoristas portugueses, a falta de gelo com que se debatem os ursos (polares e outros), a hipótese, cada vez mais provável, de que o vírus chegou à Europa num pacote de farinha Amparo, a terrível solidão dos índios Guarani no espaço de dia que vai do fim da sesta à hora de jantar e - finalmente - o gravíssimo estado da cadela da vizinha que passa os dias a uivar à Lua (isto é,  a vizinha).

Em segundo lugar, porque detesto a palavra problemas e não tenho paciência para aquilo que ela designa (frequentemente, de passagem se diga, com o ar trocista de quem diz "Achas isso um problema? Espera e vais ver o que é um problema").

Por isso, prefiro falar de outras coisas. Como por exemplo: que espera o Papa Franciscos para canonizar a merda e declarar 2020 "O ano da Santa Merda"? Poder-se-ia assim mandar os problemas à merda e ganhar uns tempos no purgatório - ou mesmo no céu, se eles  nos ouvirem e forem obedientes.

Assim se vê porque detesto a palavra problemas: mesmo não gostando dela passa os dias ao meu lado e não desaparece. Faria se gostasse? Forçoso é reconhecer que o ano começou bem, há dois séculos em Dusseldórfia, mas daí para cá tem sido um prece ascendente à santa merda, um prece sem parar, uma prece urrada. 

Há pouco li um poema muito bonito segundo o qual tudo começa por um abraço. Não posso estar mais de acordo. Só peço é ao senhor que manda nisto tudo: "diga ao ano 2020 para ir abraçar outro, por favor. É que se isto é só o princípio, dispenso o abraço". Não é. É o fim (do santo ano da merda e do abraço). O futuro é radioso, toda a gente sabe. 

A começar por mim.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.