13.3.21

De improviso

O problema é esta maldita tendência que as garrafas de vinho têm para acabar no pior momento. Gosto de as ver cheias, como quando saem das lojas. Acabam sempre vazias, mais vazias do que os sentimentos de uma puta depois do último cliente. Não tenho nada contra as putas, repara: a minha vida sexual começou com elas e só não acaba porque não quero. Mas tenho contra a ausência de sentimentos e contra a de vinho a horas impróprias para o comércio. Já reparaste que as horas das putas começam quando as do comércio acabam? Felizmente consigo viver sem putas e sem vinho, embora reconheça que preciso mais deste do que daquelas. O vinho leva-nos pelo tempo, como a música de Virginia Astley: parece que voamos num tapete e o chão é um imenso relógio cujos ponteiros não sabem em que direcção avançar. Como se viajássemos na página de um livro de Sindbad, o marinheiro e acordássemos um dia no dorso de uma baleia. Como se tudo isto se misturasse e víssemos tudo, desde os homens das vindimas até ao que depõs as caixas com as garrafas no supermercado - agora fechado - onde as comprámos. As bruxas voam m vassouras e nós em garrafas de vinho. Cada um faz o que pode. 

Não posso fazer mais do que agora faço: preparar a insónia enquanto a música me leva para jardins onde me sinto seguro. Estas coisas preparam-se, não se entra numa noite de improviso. Não se entra na solidão de improviso, queres dizer.

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