14.9.22

Diário de Bordos - Macinaggio, Bastia, Genebra e Palma, 14-04-2022

Vai-se de Macinaggio a Bastia por uma estrada rente ao mar, cortada na encosta da montanha, sinuosa e estreita como todas as estradas de montanha. O piso é óptimo e o condutor do autocarro escolar conhece-a de cor e salteado, claro, como conhece os jovens estudantes que vão embarcando ao longo do percurso. O dia está lindo, a vista é de cortar a respiração.  A Leste, o Sol nasce entre as ilhas de Capraia e Elba. Entre nós e ele uma fila continua de nimbus deixa cair uns aguaceiros dispersos e que se adivinham fracotes. Para cá dos nimbus, uns poucos cumulus, céu azul e a Lua, mentirosa. A mistura é cinzenta, melancólica - para a frente só vejo a nebulosidade, para a esquerda o mar em dois tons de cinzento: escuro debaixo dos nimbus, mais claro, quase azul, para cá. Toda a gente sabe que a Córsega é bela (não por acaso os franceses chamam-lhe Île de Beauté) mas uma coisa é sabê-lo e outra percorrê-la.

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O idioma corso está muito menos presente do que o maiorquino em Mallorca. Parece-se com o italiano, mas cheio de u, a vogal mais feia das cinco, para mim.

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Ainda não são sete e meia da manhã e há montes de cafés abertos nas aldeias por onde passamos; e trânsito na estrada: de camiões a ciclistas vê-se tudo. Terra para matinais, ao contrário de Espanha, que o é de vespertinos.

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Tomei o pequeno-almoço na praça Saint-Nicolas, como o P. me sugeriu. É uma praça grande, rectangular, com duas estátuas e muitas árvores. Comi pão com manteiga, muita manteiga até pelos meus padrões. Já não podia com os doces que o P. tinha. Devia ter-lhe dito logo no princípio, mas não disse e depois é tarde. Não vi de quem eram as estátuas. Do outro lado da praça estavam atracados três ferries. Um dia disse a alguém que cresci a ver navios, mas não é inteiramente verdade: toda a minha vida foi passada a ver navios.

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Aeroporto de Genebra 

As três horas de espera no aeroporto de Genebra acabaram por passar depressa: esperarpela bagagem, fazer outro check in, ir à Migros do aeroporto comprar uma pasta e escovas de dentes, beber um copo de vinho e eis-me de novo na fila para o filtro de segurança. A língua que mais ouvi até agora foi português; as mulheres continuam magras e bonitas, mas não tantas nem tanto como na cidade. Deve haver um filtro para elas também. 

É doloroso estar tão perto daqueles que amo e não poder ficar uma noite sequer, mas a verdade é que não fazia sentido nenhum. Demasiado caro para demasiado pouco tempo. De qualquer forma, não tarda estou aqu. Questão de ter a vista a ver de novo.

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Cedo piaste. O avião tem hora e meia de atraso e o copo de vinho no sítio onde costumo esperar aqui no aeroporto custa nove euros e vinte e sete cêntimos. Duas verdades dificilmente conciliáveis, tanto mais que este bar é o mais barato do Aeroporto, mera coincidência, claro.

Aqui não posso fazer o que faço em Lisboa:--------- (apagado a pedido de várias famílias). Na Suíça a pobreza não faz amigos. Quando muito, suscita aquela mistura de desprezo e compaixão que não suporto e à qual nunca me submeteria.

De maneira lá vou tentando fazer durar o vinho, com uma taxa de insucesso bastante elevada porque é bom como o raio que o parta. Se ao menos fosse mau.

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Às vezes pergunto-me se os aeroportos não serão como as mulheres: não se pode viver com elas, mas sem elas é pior ainda.

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Palma, finalmente! Vim ao Lo Divino, Estou cansado, desde manhã a andar de um lado para o outro e a esperar em aeroportos. O Lo Divino está cheio. Infelizmente têm música ao vivo, mas estava cheio de saudades da Núria e do Roberto. É uma mistura frequente em mim, esta: saudades e fome. A Núria está resplandecente, o vinho que me recomendou é óptimo - desde que lhe disse de que tipo de vinhos gosto nunca se enganou - e se tudo correr bem a rapariga (que por sinal não canta mal mas podia cantar infinitamente melhor) vai calar-se daqui a pouco. 

O problema disto tudo é que cada vez mais me apercebo de que quero viver em Portugal. Não perguntem.

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Não se calou e agora dedica-se a assassinar canções da bossa nova. A última que reconheci era uma das minhas favoritas, cantada pela Maria Creuza, «eu sem você não tenho porquê». Dou graças pelo cansaço, que me permite alhear-me completamente do que me rodeia, ruído incluído. 

(Cont.)

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