18.2.23

Diário de Bordos - Comboio Aveiro - Lisboa, 18-02-2023

Fui para o Porto a ver mal do olho esquerdo e pior do direito; regresso com o direito na mesma e o esquerdo ainda pior do que o direito. Isto seria a versão dramática, destinada a suscitar a adesão ou a compaixão dos leitores. A outra versão - a que prefiro chamar real - é que o olho esquerdo está inoperacional porque foi operado de novo, apreciem o subtil e duplo jogo de palavras, é desta que vai ficar como novo; e o direito trata-se com comprimidos que em breve comprarei. Reduzo-me portanto à habitual mistura, nestas circunstâncias, de anestésico para o olho e telefone (ou tablet) para a alma. Se a tivesse, mas isto agora não está para discussões teológicas.

Há pouco li um post de uma jovm senhora que me encheu de alegria, bem-estar e divindade. Tenho a minha dose quotidiana de coisas do outro mundo (ou do mundo superior, se preferirem).

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Ontem foi noitada de raclette em casa do meu primo J., em Aveiro. Para além de uma quantidade de queijo digna de registo, quatro jovens machos (incluo-me, abusando um pouco dos dois conceitos) beberam uma garrafa inteirinha e por estrear de kirsch. Já para as inúmeras garrafas de vinho branco houve a colaboração das senhoras presentes. Pouco activa, verdade seja dita. As mulheres sacrificam-se por nós, homens, de uma forma que torna impossível a vida sem elas. O vinho era bom, o kirsch igualmente, o queijo fantástico (tenho pena de ter decidido não voltar à queijaria Dupasquier, rue de Cornavin em Genebra) a companhia agradável e a conversa viva. C., a jovem e bonita prima, faz parte daquele grupo de pessoas que acha a palavra maricas ofensiva e portanto pensa que deve ofender-s, como se houvesse uma relação de causa-efeito entre ofensivo e ofendido. Não há, querida C., muito menos quando o que tens pela frente é um troglodita, herdeiro directo do Humpty Gumpty aliciano, para quem as palavras significam o que ele quer que signifiquem (isto não é bem verdade, mas troquemos a exactidão pela retórica, entre duas gotas de anestésico ocular e dois mil solavancos do comboio).

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Tudo isto me recorda que se estiver numa cama com uma senhora e na fase das ternuras pós-coitais ela me disser «estou fodida» a expressão tem um significado e uma conotação diferentes da que teria se ela a utilizasse porque eu cheguei tardia e ebriamente  casa, por exemplo. Ou se me tiver esquecido do seu aniversário, não tiver reparado que vem do cabeleireiro ou me tiver esquecido de comprar manteiga no supermercado (nada de associações cinéfilas, por favor).

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Uma mente gasta, dois olhos a pedir reforma e um corpo cansado encontram-se num comboio...

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Tudo indica que a palhaçada camarária chegou ao fim. A ficha só cairá quando o guito cair no banco - não é amanhã a véspera desse dia - mas só de saber que o «meu» P. saíu das garras da burocracia fico com o depósito de alegria atestado. Agora justifica-se que o ateste com outras coisas - kirsch, por exemplo.

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