23.2.12

Diário de bordos - 230212

Às três menos um quarto mandei dar volta; o casco de bombordo está 15 cm mais alto, e andávamos, o Raimundo e eu (ele mais do que eu) a chafurdar na lama desde as oito e meia da manhã, com uma breve pausa para o almoço. Têm-me saído poucas sortes grande na vida; Raimundo é uma delas. Nunca vi ninguém trabalhar tanto como aquele homem. É alucinante.

Às três menos um quarto eu já não me tinha de pé; e ele estava cansado, também. Disse-lhe para parar, levei-o - enfim, ele levou-me - a uma tasca para bebermos uma cerveja e fui tomar um duche à pousada. Pedi um quarto no qual o duche tivesse pressão, que não é o caso do meu. Hoje, mais do que todos estes dias, precisava (nos outros dias também, é verdade; mas hoje estava coberto de lama da ponta dos cabelos à ponta dos sapatos de camurça, mal me tinha de pé, e fui tomar o duche ao 10).

Quando pensamos (por exemplo:  "vou levantar o barco com macacos") o nosso cérebro, infeliz mas inevitavelmente, associa essa ideia às nossas experiências passadas. No meu caso, macacos hidráulicos, pequeninos, leves. Uma pessoa levanta o casco, calça-o, e se for preciso repete a operação até o casco estar à altura necessária, calçando também o macaco para ele ficar mais alto.

Os macacos do estaleiro são de rosca, pesam cerca de cinquenta quilos cada um (não é uma imagem) e têm sessenta centímetros de altura. Devem ter cem anos; nunca tinha visto uma coisa daquelas e o Moçambique dos anos sessenta não era propriamente uma montra do progresso.

Foi preciso cavar dois buracos, um relativamente baixo e no seco à popa, outro de setenta centímetros de profundidade, um metro de comprido (para podermos pôr uma prancha de madeira debaixo do macaco) e sessenta centímetros de largura na lama, à proa.

Raimundo cavou-os em pouco mais de duas horas, e desculpou-se por o da proa estar a demorar porque "o solo é argiloso". À tarde, ele no macaco da proa e eu no da popa levantámos o barco quinze centímetros. Foi bonito porque eu já estava a elaborar os planos D, E, F, G e H (que nada me garante não tenha de utilizar, pelo menos o D, porque o casco de estibordo vai ser mais complicado).

Mas a verdade é que estou exausto. Andei pela lama com os macacos, acartei madeira para trás e para a frente para calçar  casco, subi o macaco de joelhos e de costas dobradas porque nem de pé nem sentado o podia fazer, e Deus sabe a força que foi preciso. Não me arrependo nem de metade de uma cerveja de todas as que bebi desde que cheguei.

Amanhã também é dia. Raimundo estava - justificadissimamente - ainda mais cansado do que eu, mas não queria dar parte de fraco. Às três menos um quarto mandei dar volta; convidei-o para beber uma cerveja. "Gostava de ter um patrão como o senhor pelos próximos dez anos", disse-me. "E eu um empregado como tu", não lhe respondi. Deixei-o com a sua Brahma e fui tomar um duche. Amanhã vem mais uma pessoa. Provavelmente vou levantar um casco de cada vez. Não sei. É uma ponte que ainda está longe.

E depois do duche pus a t-shirt verde da esperança, e os calções brancos de cerimónia, porque foi um dia bom e amanhã vai ser melhor ainda.

1 comentário:

  1. "E depois do duche pus a t-shirt verde da esperança, e os calções brancos de cerimónia, porque foi um dia bom e amanhã vai ser melhor ainda"

    Um abraço para os dois "Raimundos". Quem disse que essa profissão é fácil? Eu, claro, que não sabia patabina disso, mas agora que me tem ensinado, vejo que é preciso muita saúde para a exercer e disso tenho "inveja". Quem me dera essa saúde toda, física e mental.
    Hoje, desconfio que vai ser o dia D ou Jota de já está.


    Nota: sempre gostei muito de diários de bordo e este é-o mesmo

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.