15.1.21

Diário de Bordos - Lisboa, 15-01-2021

Recomeça esta prisão domiciliária completamente injusta e injustificada. Saio para fazer compras e apercebo-me de que é bem menos grave do que a primeira. Está tudo aberto menos os cafés e restaurantes. Deve ser a primeira vez na vida que me regozijo com uma palhaçada (das de fora do circo). Oiço Paco Ibañez e pergunto-me que raio de injustiça fez com que nós ficássemos com Godinhos e Afonsos e os espanhóis com Ibañez e Andions. Esta confusão com a Air Europa - resolvida hoje de manhã, hallelujah - deu-me pelo menos oportunidade de votar adiantado, se tiver feito as coisas correctamente. Não é impossível. Não voto Mayan, voto IL, uma vez mais. [Adenda: fiz. Vou votar no domingo]. Entretanto a televisão oferece-me Karajan e a filarmónica de Berlim, esqueci-me das natas no gratin dauphinois, o mundo volta, pouco a pouco, a ter tudo no lugar. Isto é, encarreirado, como se diz. Preferiria uma auto-estrada: «está tudo auto-estradado» mas contento-me com o carreiro. Não é difícil: gosto de formigas e detesto pressas. A minha geração bem pode limpar as mãos à parede, com esta cama que fez aos taradinhos da segurança, aos histéricos do risco zero, aos racismos identitários. Isto é tudo gente que vem dos MRPP e dos PRT e dos PCP-R e da liberdade socialista e se desabituou de pensar quando deixou a merda do marxismo-leninismo-maoismo-pol potismo-enver hodjismo-titismo e começou a trabalhar. Pata que os pôs! Confinem-se, mascarem-se, vacinem-se, matem-se mas deixem viver os outros.  Não consigo identificar a peça no canal Mezzo e lamento esta incapacidade. Nem o parabéns a você reconheço à primeira sílaba. É Brahms, vejo no programa. Vá lá, Não conheço Brahms de todo, ser-me-ia impossível reconhecê-lo. O mundo volta ao lugar e eu vou à rua comprar chouriços ao talho O Naco e ver se a minha fraca já chegou. Estou inscrito para votar, tenho uma consulta para os olhos e quero que o resto todo se lixe, com f grande. Amanhã talvez haja menos uma coisa no grupo «resto todo» e mais uma na lista das encarreiradas. Em Lisboa, a temperatura é de 14 graus centígrados, o que sempre é mais civilizado do que o briol de ontem e antes de ontem. Espero que haja muita gente a votar Mayan e que a fraca tenha chegado: são estes os limites da minha esperança. Pelo menos agora ninguém me pode acusar de megalomania.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.