27.1.21

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 27-01-2021

As senhoras do balcão de embarque insistiram na necessidade de um teste PCR para voar para Portugal, eu disse que não, debatemos um bocadinho, elas ganharam, claro. Mal cheguei ao balcão das reservas a fim de mudar o bilhete a senhora pergunta-me: 
- É o senhor Serpa?
- Sou.
- Desculpe. A minha colega fez um erro. Afinal não é preciso um teste PCR. Vamos trocar-lhe a reserva. 

Um erro quem quer faz, só não faz quem nada faz. Acresce que as consequências não são dramáticas: quatro horas no aeroporto de Palma em vez de no de Madrid, duas ou três horas de sono a menos e o susto de curta duração: onde raio vou fazer o teste, quanto custa e quanto tempo vou ter de esperar? Enfim, voltei ao café onde estivera, pedi outro sumo de laranja e outro café «americano» (mas desta vez do preço foram deduzidos os cinco euros do voucher) e aproveito para trabalhar. Não me posso queixar do resultado da viagem a Palma, por muito que possa fazê-lo das condições. Como não posso - sabia perfeitamente o que me esperava - não me queixo de nada, espero com ansiedade a consulta de amanhã e oiço um compositor medieval que não conhecia: Gace Brulê, autor de canções «deleitáveis e melodiosas», diz um crítico da época e eu concordo. A música medieval arrefece o tempo, quase o pára, seja ela sacra ou profana. Vantagem suplementar: os auscultadores nos ouvidos atenuam os avisos constantes destes altofalantes obsessivos para pormos as máscaras «na boca e no nariz». Há pouco pareceu-me ouvir qualquer coisa relativa à necessidade de a ter mesmo à mesa, mas não investiguei muito mais. Está quase na hora de embarcar e desta vez a viagem será mais rápida do que à vinda, amanhã terei uma data para a operação - ou pelo menos uma aproximção mais aproximada do que a que tenho agora, o miúdo atrás de mim deve sofrer de uma perturbação qualquer e o mundo lá vai seguindo o seu rumo, que só um astrónomo  pensa ser linear e perfeito. Não é. Ziguezagueia como um poeta bêbedo, hesita como um marinheiro teso, salta para a frente como uma Panzerdivision no deserto. A única coisa que não faz é olhar para trás. 

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