11.2.24

Diário de Bordos - Z'Abricots, Martinique, DOM-TOM França, 11-02-2024

Da maneira como as coisas se encadeiam independentemente da nossa vontade. Ou: de quão impotente é a nossa vontade face às coisas. Vinha para bordo, cheio de boas intenções. Enfim, duas: a) Dormir uma sesta, necessariamente curta; b) Dar rédeas livres à minha veia artística. Acontece que entre mim e o bordo havia o Joel e os seus punch, a sua simpatia, o vento (já lá vamos). Ou seja: a sesta foi para o galheiro e aqui está a minha veia artística a esganar-se para produzir sangue que se veja.

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O vento rondou finalmente a leste e até tem algumas quartas de norte. É improvável que seja a primeira vez que isto acontece desde que aqui cheguei, mas é garantido que nunca o notara antes. Alísios com quartas de norte costumam acontecer mas para o fim da época. A pergunta que me faço é: se tiver de ir à vela para o Marin isto vai manter-se assim? 

A experiência leva-me a duvidar e como infelizmente não está só nessa dúvida vou mantê-la (a dúvida, não a experiência, que essa muda todos os dias).

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Carnaval em Fort-de-France: a música tem dois defeitos. É abominável e está altíssima. Já nas pessoas é diferente: é um por cada uma e elas são inúmeras. Mascaradas, não mascaradas, meio nuas, vestidos de mulher ou despidas de mulher (não há mulheres vestidas de homem, não sei porquê), gordos - e gordas, meu Deus, gordas, parecem formigas depois de uma bomba atómica - com aquele ar apatetado do prescrutador de alegria. 

Faço mais uma tentativa de comer qualquer coisa (isto tendo aqui o significado específico de boudin) e decido que é a última. Se não encontrar - ou se a Kaze Kréole continuar cheia, é o mais provável, ainda por cima, como se o Carnaval não chegasse, está um paquete no porto - volto para bordo.

Não voltei para bordo. Fui ao Djol Dou, que continuo a achar uma fraude mas estava aberto e tinha boudin. A nossa vontade vale bem pouco, face a essa fortaleza a que nós, os realistas, chamamos real e os estóicos chamam «fraca vontade».

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Felizmente, entre mim e o real havia aqueloutra fortaleza chamada Joel, mai-lo seu seu sócio (suponho) Eddie. Tenho uma conversa com este último - Joel tratava de outros clientes - e confirmo que o modelo de fixação de preços é uma incógnita para muita gente. Será muito complicado ensinar durante a escolaridade obrigatória o que são a oferta e a procura? E já agora, a sua influência sobre os preços? Simplificaria tanto a vida a tanta gente e - sobretudo - melhoraria a sua (dessa gente) opinião sobre a espécie humana. Em vez de a deixar pensar que os preços são «irracionais» porque alguém quer foder o povo, ou assim.

(O povo deve ter uma vagina gigante, à vista da quantidade de gente que o quer comer.)

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