10.8.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 10-08-2024

Comprei um livro, o que em si é uma coisa banal. Compro um - ou mais - quase todos os dias.  Mas é este é especial. Começa assim:  "Em contrapartida, eu estava cómodo naquele silêncio." Chama-se Los Comienzos e o autor é Antonio Moresco. Nunca tinha ouvido falar nem de um nem de outro. Agora estou a escrever no telefone, mas quando tiver o computador transcrevo todo o incipit. É impossível não conhecer um livro assim. 

Em contrapartida, estou convencido de que o paguei com uma nota de cem e deixei o troco na livraria. Quase setenta euros. Bem vindos ao mundo encantado do Luisinho Serpa. Quando voltei à livraria já tinha fechado. Creio que amanhã estará aberta, mas não tenho a certeza. Aborrece-me muito, esta minha distracção. [ADENDA: Afinal tinha pago o livro com o montante certo.]

Vim folhear os Começos à Lorién, apetecia-me uma cerveja. Agora não sei o que fazer. Vou delegar na burra, ela que decida. Tenho os alforges cheios de compras e ou vou para bordo deixá-los - e provavelmente deixar-me - ou vou comer qualquer coisa para não acordar esfomeado a meio da noite.

Na mesa ao lado da minha sentou-se uma miúda dos seus trinta que não é linda linda. É só bonita. Mas tem uma coisa que muitas belezas não têm: é o tipo de mulher com quem eu queria namorar quando tinha a idade dela. (Hoje não quero, claro. Deus me livre.)

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Boas notícias do lado da carcaça. Tudo não pode correr mal ao mesmo tempo. Deus delegou no Diabo uma grande parte do Seu trabalho mas guardou umas pontinhas. Por mais que se aplique, o Diabo nunca consegue pôr a mão em tudo. As garras.

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Está muito calor e a cidade está vazia. As pessoas preferem ir para as praias, coisa que eu parcialmente compreendo: um dos componentes das praias é o mar (excepto quando são fluviais, claro) e estar dentro de água com estas temperaturas e as correspondentes aquáticas é agradável. Falo por experiência própria, apesar de raramente tomar banho quando tenho clientes a bordo. Mas isso só é suportável um momento. Depois torna-se monótono e maçador. É de resto por isso que alguém inventou os barcos: para evitar os inconvenientes da outra metade das praias, que são muitos. A areia, as pessoas, as bolas, as toalhas, a areia - ou pedras, quando não há areia - a longa distância entre o mar e o xiringuito (em Espanha. No resto do mundo seria a longa distância entre o mar e o bar da praia), a areia.

¡Vaya! Agradeço silenciosamente às pessoas que me deixam a cidade vazia e me dão a oportunidade de comprar uma empanada de cordeiro e ervilhas no Fornet de la Soca e comê-la no Bocalto, mesmo ao lado, acompanhado por um vermute Muntaner (já quase a resvalar para o segundo). O Fornet de la Soca pertence a um senhor que se vende como «arqueólogo da gastronomia local» ou coisa que o valha. É um dos sítios mais bonitos de Palma, entre o Paseig des Born e a Rambla, muito mais bonito do que qualquer praia salvo excepções, como as do Parque Nacional Manuel António, uma outra em Bocas del Toro cujo nome não recordo e mais duas ou três. O mundo está cheio de excepções.

Neste quadro o vermute adquire qualidades que noutros sítios não tem. É por isso que raramente acredito nos críticos de comida ou de bebida (incluindo os de croquetes e chamuças): isto está tudo ligado, a objectividade não existe senão na cabeça disfuncional da maioria dos jornalistas actuais. Não muito longe daqui fica La Rosa, que já foi uma grande casa e hoje se deveria chamar The Rose (o empregado do Bocalto está de acordo comigo, o que só comprova, como se necessário fosse, a justeza das minhas opiniões). Antigamente teria ido ao Rosa tirar teimas mas agora não vou.

Pode argumentar-se que dezassete euros por um copo de vinho tinto e dois vermutes é caro, mas a questão não é essa. É: deve-se? Não. não deve. Não deve fazer-se nada que não tenha um efeito sobre o que a acção se exerce. Reclamar contra os preços em Palma é como reclamar contra «a terceira vaga (de calor, recordo)». Reclamar pode-se, claro. Não há quem não o faça. O que não impede o calor de se instalar como se estivesse em casa, depois de um lauto jantar, refugiado num whisky e num bom livro enquanto os miúdos se pegam na sala ao lado. 

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