11.8.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 11-08-2024

A livraria está fechada, como previra. Fica para amanhã. De qualquer forma já fiz o luto da massa, não tenho sequer a certeza de que tenha ficado lá, não sei para onde foram os euros do troco do livro. Venho ao café que fca da outro lado da entrada, o café CaixaForum - tanto o café como a livraria ficam no edifício assim chamado, o braço cultural do banco La Caixa. Usufruo do conforto, da vista, do tratamento por señor em vez do irritante tuteio ou do pedante caballero, do ar condicionado - é cedo mas a «terceira vaga» não perdoa. Peço um americano. A marca é Illy, que é boa mas não é a minha preferida. Qual é essa? Não sei. Aqui em Palma o meu café favorito é o da Molienda, porque é pouco torrado, mas na verdade estou-me nas tintas e espero que os meus leitores também.

Palma vista daqui é bonita, esta zona é linda, sinto-me como se estivesse dentro de um aquário na sala de um palácio a olhar para fora, a sala está quase vazia mas começa agora a animar-se, passo a passo. Já não há «noite» em Palma, nem aqui nem em lado nenhum, boémia zero bem-estar dos vizinhos um, querem cidades mortas e a luz do domingo de manhã fica assim, suave, transparente, quase melancólica.

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Saio do Caixa e venho devagarinho pela Rambla. Penso no que tenho aqui que não tenho em Lisboa, no que tenho em Lisboa que não tenho aqui, no que tem Genebra que nenhuma das outras tem e pouco a pouco pedalada a pedalada rendo-me à evidência: a única coisa que Lisboa tem que as outras não têm é a língua. Mas sem a nossa língua somos seres incompletos. 

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Mais um gajo lindo na rifa (salvo seja). Este tem os olhos azuis como o outro e os maxilares em forma de cubo. Uma bomba de testosterona. Falta-lhe o sorriso iluminante. Deu-me uma grande ajuda para envergar e depois dobrar a grande. Terá mais trabalho a bordo do «meu» P., se entretanto não encontrar um barco que lhe pague a sério. É pouco provável mas sonhar não custa.

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L., o day worker sul-africano que me faz alguns trabalhos a bordo tem até quinta-feira para encontrar um barco que o possa «tirar» da UE. Estas estúpidas leis da imigração deviam ser repensadas. Para além do facto simples (e discutível) de que uma pessoa deve poder viver aonde quer e não só aonde pode, a verdade é que a Europa devia pagar a gajos como este para imigrarem. Não expulsá-los.

A Europa tem muitas culpas no cartório no que toca a países africanos. (Admitidamente, isto não se aplica à África do Sul, mas isso fica para depois). Demos-lhes as independências sabendo a catástrofe que seria, fechámos os olhos e para os manter fechados inundámo-los de dinheiro que todos sabíamos no que seria usado, deixámo-los degradarem-se e não fizemos nada e aqora fechamos-lhes as portas? Há dias houve aqui mais uma «operação policial» para prender vendedores ambulantes. Na sua maioria são senegaleses, vítimas de horrorosas redes de tráfico humano. Porque é que para ganhar honestamente a sua vida um homem tem de se pôr nas mãos desses bandidos?

Abrimos a torneira do dinheiro e com ele lavámos as mãos e as consciências.

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