28.9.07
25.9.07
Transat 6.50
O Funchal vai acordar hoje e não vai reconhecer a sua Marina: quase 50 Minis (em 89) já chegaram.
22.9.07
Ler por aí
O Ler Por Aí publicou, simpática e generosamente, um texto meu sobre um livro chamado "Dark Star Safari", de Paul Theroux. A tradução do primeiro parágrafo é de Margarida Branco, editora do site - cuja visita de resto aconselho, apesar de ter aceite (e publicado) a minha sugestão: a escolha de livros é bastante boa, e dá vontade de partir, já.
Começa assim:
All news out of Africa is bad. It made me want to go there, though not for the horror, the hot spots, the massacre-and-earthquake stories you read in the newspaper; I wanted the pleasure of being in Africa again. Feeling that the place was so large it contained many untold tales and some hope and comedy and sweetness, too – feeling that there was more to Africa than misery and terror – I aimed to reinsert myself in the bundu, as we used to call the bush, and to wander the antique hinterland. There I had lived and worked, happily, almost forty years ago, in the heart of the greenest continent.
(Tradução livre:)
Todas as notícias vindas de África são más. Isto deu-me vontade de lá ir, não pelo horror, pelos lugares de guerra, pelas histórias de massacres e terramotos que lemos nos jornais; quis o prazer de estar em África outra vez. Sentindo que o lugar é tão grande que contém muitas histórias por contar, bem como alguma esperança e comédia e doçura - sentindo que há mais em África para além da miséria e do terror - desejava voltar a embrenhar-me no bundu, como costumávamos chamar à savana, e vaguear pelo antigo território. Ali eu tinha vivido e trabalhado, feliz. quase quarenta anos, no coração do mais verde dos continentes.
- Conheço o Brasil, os Estados Unidos, a França e a Inglaterra (e a Espanha, claro), a Tailândia, as Filipinas e África. – Quem nunca ouviu uma frase semelhante a esta?
- África não é um país – respondo sempre. – São mais de 50, mais dúvida menos dúvida. E – acrescento – esses países são diferentes uns dos outros, muito diferentes, tanto como o Brasil dos EUA, por exemplo. África não é um país, são muitos.
Paul Theroux, no fantástico Dark Star Safari, conta-nos uma viagem que fez por terra (com a excepção da primeira etapa, Egipto – Sudão, de avião) - e em meios de transporte “locais” – entre o Cairo e Cape Town. Visitou 10 desses países – Egipto, Sudão, Etiópia, Quénia, Uganda, Tânzania, Malawi, Moçambique, Zimbabwe e África do Sul. Quase todos anglófonos, e quase todos na África Oriental.
Quando Paul Theroux nos fala de um lugar, fala-nos da sua história, dos seus escritores, da sua cultura; tem uma arte especial para “encontrar” pessoas – um dos ingredientes essenciais da literatura de viagens. Ao longo do livro, relata-nos os seus encontros com escritores do Egipto ou da África do Sul, com um Ministro do Zimbabwe ou o Primeiro-ministro do Uganda, que foi seu colega nos anos 60; mas também fala com camionistas, ajudantes de camionista, lojistas indianos, economistas, intelectuais, militares, simples colegas de viagem nos meios de transporte que utiliza – e deles consegue extrair uma frase, ou fazer uma descrição, que nos ajudam a compreender não só o país mas a pessoa. E, outro ingrediente importante, fala dele, também – nada mais irritante do que esses livros de viagem em que o autor parece que não existe, para além da fome, do frio ou das provações por que passou.
Este livro tem, contudo, um aspecto que lhe dá um interesse especial: é que Paul Theroux viveu no Uganda no princípio da independência do país, e viajou bastante pelos países limítrofes. E é por esse óculo que ele observa os países que atravessa. “A economia está a melhorar”, diz-lhe a certa altura um economista, “- está a regressar aonde estava nos anos 70”.
É aqui, parece-me, que reside o grande interesse do livro. Podemos concordar ou não com muitas das opções que o autor apresenta, ou com as análises que faz. Mas é impossível não ver que ele compara uma África que conheceu (e amou, o que não é despiciendo) com a que vê hoje.
Porque se deve levar este livro numa viagem a um (ou vários) países africanos? Por três razões principais: é instrutivo - dá-nos uma visão muito diferente daquela que temos pelos media e pelo zeitgeist; ajuda-nos a ver o que têm em comum (e de diferente) os países africanos; e, last but not least, falando de 10 países do leste africano, fala-nos de um continente inteiro, e de nós.
Começa assim:
All news out of Africa is bad. It made me want to go there, though not for the horror, the hot spots, the massacre-and-earthquake stories you read in the newspaper; I wanted the pleasure of being in Africa again. Feeling that the place was so large it contained many untold tales and some hope and comedy and sweetness, too – feeling that there was more to Africa than misery and terror – I aimed to reinsert myself in the bundu, as we used to call the bush, and to wander the antique hinterland. There I had lived and worked, happily, almost forty years ago, in the heart of the greenest continent.
(Tradução livre:)
Todas as notícias vindas de África são más. Isto deu-me vontade de lá ir, não pelo horror, pelos lugares de guerra, pelas histórias de massacres e terramotos que lemos nos jornais; quis o prazer de estar em África outra vez. Sentindo que o lugar é tão grande que contém muitas histórias por contar, bem como alguma esperança e comédia e doçura - sentindo que há mais em África para além da miséria e do terror - desejava voltar a embrenhar-me no bundu, como costumávamos chamar à savana, e vaguear pelo antigo território. Ali eu tinha vivido e trabalhado, feliz. quase quarenta anos, no coração do mais verde dos continentes.
- Conheço o Brasil, os Estados Unidos, a França e a Inglaterra (e a Espanha, claro), a Tailândia, as Filipinas e África. – Quem nunca ouviu uma frase semelhante a esta?
- África não é um país – respondo sempre. – São mais de 50, mais dúvida menos dúvida. E – acrescento – esses países são diferentes uns dos outros, muito diferentes, tanto como o Brasil dos EUA, por exemplo. África não é um país, são muitos.
Paul Theroux, no fantástico Dark Star Safari, conta-nos uma viagem que fez por terra (com a excepção da primeira etapa, Egipto – Sudão, de avião) - e em meios de transporte “locais” – entre o Cairo e Cape Town. Visitou 10 desses países – Egipto, Sudão, Etiópia, Quénia, Uganda, Tânzania, Malawi, Moçambique, Zimbabwe e África do Sul. Quase todos anglófonos, e quase todos na África Oriental.
Quando Paul Theroux nos fala de um lugar, fala-nos da sua história, dos seus escritores, da sua cultura; tem uma arte especial para “encontrar” pessoas – um dos ingredientes essenciais da literatura de viagens. Ao longo do livro, relata-nos os seus encontros com escritores do Egipto ou da África do Sul, com um Ministro do Zimbabwe ou o Primeiro-ministro do Uganda, que foi seu colega nos anos 60; mas também fala com camionistas, ajudantes de camionista, lojistas indianos, economistas, intelectuais, militares, simples colegas de viagem nos meios de transporte que utiliza – e deles consegue extrair uma frase, ou fazer uma descrição, que nos ajudam a compreender não só o país mas a pessoa. E, outro ingrediente importante, fala dele, também – nada mais irritante do que esses livros de viagem em que o autor parece que não existe, para além da fome, do frio ou das provações por que passou.
Este livro tem, contudo, um aspecto que lhe dá um interesse especial: é que Paul Theroux viveu no Uganda no princípio da independência do país, e viajou bastante pelos países limítrofes. E é por esse óculo que ele observa os países que atravessa. “A economia está a melhorar”, diz-lhe a certa altura um economista, “- está a regressar aonde estava nos anos 70”.
É aqui, parece-me, que reside o grande interesse do livro. Podemos concordar ou não com muitas das opções que o autor apresenta, ou com as análises que faz. Mas é impossível não ver que ele compara uma África que conheceu (e amou, o que não é despiciendo) com a que vê hoje.
Porque se deve levar este livro numa viagem a um (ou vários) países africanos? Por três razões principais: é instrutivo - dá-nos uma visão muito diferente daquela que temos pelos media e pelo zeitgeist; ajuda-nos a ver o que têm em comum (e de diferente) os países africanos; e, last but not least, falando de 10 países do leste africano, fala-nos de um continente inteiro, e de nós.
21.9.07
Luxúria
Deve ser a isto que eles chamam luxúria: esta mistura de desejo e de ti, este arrepio na pele porque se lembra da tua, este tremor pelo corpo todo porque lhe apareceste num canto da memória.
20.9.07
19.9.07
On est toujours le belge de quelqu'un
Hoje fui acusado de "saloiismo" pelo indíviduo mais saloio, mais provinciano, mais calhau que me foi dado encontrar em muito, muito tempo.
18.9.07
Transat 6,50
A posição dos concorrentes da Transat 6,50 pode ser acompanhada aqui (actualizada duas vezes por dia).
17.9.07
O Insurgente tem uma magnífica reportagem sobre um dos dogmas do nosso tempo: os seguros de saúde.
Curiosamente, eu assisti a tudo o que o documentário diz quando, na Suíça, um ministro conseguiu impor a obrigatoriedade do seguro de saúde.
Peine perdue: não se combate um dogma, nem com factos. Muito menos com factos.
Curiosamente, eu assisti a tudo o que o documentário diz quando, na Suíça, um ministro conseguiu impor a obrigatoriedade do seguro de saúde.
Peine perdue: não se combate um dogma, nem com factos. Muito menos com factos.
Paráfrase
Se te dás, dá-te todo. Nada de teu esconde, ou exclui.
Assim, solitária a lua brilha, porque como é se dá.
Assim, solitária a lua brilha, porque como é se dá.
Cinquenta
A única coisa verdadeiramente feia dos cinquenta é que começamos a adivinhar os nossos limites.
(Finalmente ?)
(Finalmente ?)
16.9.07
Assimetrias
Dois corpos que se encontram fazem muito mais pelas respectivas almas do que estas, nas mesmas circunstâncias, por eles.
Music for a night of drought
Christy Moore & Shane MacGowan - "Spancil Hill"
...and for an eyeless night:
Christy Moore & Shane MacGowan - "A Pair Of Brown Eyes"
Time for a Bailey's, auld man, and a drop o'whisky
Ship song
A net não é muito diferente da noite: uma pessoa vai à procura de uma coisa e sai-lhe outra, completamente diferente - e melhor, muito melhor.
e.g.:
e.g.:
Rewind
Hoje ouvi, pela primeira vez em duzentos e cinquenta anos (e graças ao Gato de Cheshire) Petula Clark cantar "Downtown".
De tão antigo, e tão bonito, qualquer dia tenho um ataque de gota.
Outro "Downtown":
De tão antigo, e tão bonito, qualquer dia tenho um ataque de gota.
Outro "Downtown":
Manobras
Ha poucas coisas mais bonitas do que ver uma embarcação, seja ela de vela ou a motor, fazer uma manobra bem feita. Há pouco vi uma lancha do big game fishing atracar nesta marina atravancada do Funchal de uma forma perfeita: a rotação no sítio preciso, a força exacta aplicada às máquinas, a tripulação calma, o barco a ir a ré a centímetros do barco que lhe estava ao lado. A malta do big game manobra todo os dias, conhece os barcos perfeitamente - e sabe o que eles custam.
Lembrei-me, inevitavelmente, do tempo em que era eu que fazia as manobras, de quantas vezes pessoas em terra aplaudiram uma atracação mais feliz, ou me vinham cumprimentar depois... Uma manobra bem feita é das coisas mais bonitas que existe, é uma felicidade indízivel, profunda.
Lembrei-me, inevitavelmente, do tempo em que era eu que fazia as manobras, de quantas vezes pessoas em terra aplaudiram uma atracação mais feliz, ou me vinham cumprimentar depois... Uma manobra bem feita é das coisas mais bonitas que existe, é uma felicidade indízivel, profunda.
Uma boa notícia
"Degelo leva à abertura de rota marítima no Ártico"
Ora aqui está uma boa notícia. Esperemos que os ecologistas a integrem nas suas contas: rota mais curta = menos petróleo consumido. Nem todos os efeitos do aquecimento são negativos.
Ora aqui está uma boa notícia. Esperemos que os ecologistas a integrem nas suas contas: rota mais curta = menos petróleo consumido. Nem todos os efeitos do aquecimento são negativos.
Fé
Hoje, num jornal cujo título, infelizmente, não retive uma senhora ambientalista explica que o CFC, causador, como se sabe ou se recordam os mais antigos, do terrível "buraco de ozono", presente em inúmeros produtos, é cada vez menos usado desde que os ambientalistas, louvados e agraciados sejam, chamaram a atenção do mundo para o seu terrífico poder maléfico.
Explica também que, apesar disso, o dito buraco de ozono teve dois recordes, um em 2000 e outro em 2003. Aparentemente, o ozono está-se nas tintas para os CFC.
Tal como a senhora se está nas tintas para o rigor científico, para a realidade, para tudo o que não seja a sua fé.
Explica também que, apesar disso, o dito buraco de ozono teve dois recordes, um em 2000 e outro em 2003. Aparentemente, o ozono está-se nas tintas para os CFC.
Tal como a senhora se está nas tintas para o rigor científico, para a realidade, para tudo o que não seja a sua fé.
A essência de Portugal
Estou, há meia-dúzia de meses, a ler um livro chamado "Mazagão, la ville qui traversa l'Atlantique. Du Maroc à l'Amazonie (1769 - 1783)", de Laurent Vidal (Ed. Aubier, Collection Historique).
É um trabalho histórico sobre um tema magnífico: em 1769 o Marquês de Pombal decide abandonar uma praça forte em Marrocos e transferi-la para a Amazónia. O livro relata, de uma forma magistral, esse processo.
O que mais me tocou foi ver que algumas das características da nossa administração, e da forma como ela se relaciona com os administrados, não mudaram: fazem parte da nossa essência, por assim dizer.
Um condensado perfeito é um parágrafo na página 153, demasiado longo para trancrever aqui. Mazagão já deixou Marrocos, já deixou Lisboa (para onde foi antes de ir para o Brasil) e está na Amazónia. Estamos em 1773 - ou seja, quatro anos depois do abandono - e a Mazagão de 1769 mudou. Não só geograficamente: pessoas morreram, pessoas casaram-se, crianças cresceram e tornaram-se adultas, etc.
Sucede, contudo, que as listas de nomes, famílias, pessoas (aquilo a que a actual indústria humanitária chama "listas de beneficiários") fora estabelecida em 1769 e, inevitavelmente, um conflito aparece entre o que está escrito e o que é. Temos, de um lado, um Governador que insiste em aplicar a lei, baseado nas tais listas; do outro, o Comandante da cidade, que propõe alguma flexibilidade para acomodar as inevitáveis mudanças.
Quem ganha, quem ganhou? Tal como hoje, ninguém. O Governador ganhou alguns rounds, a vida outros. Mas no fim perdem todos. Perdemos todos.
É um trabalho histórico sobre um tema magnífico: em 1769 o Marquês de Pombal decide abandonar uma praça forte em Marrocos e transferi-la para a Amazónia. O livro relata, de uma forma magistral, esse processo.
O que mais me tocou foi ver que algumas das características da nossa administração, e da forma como ela se relaciona com os administrados, não mudaram: fazem parte da nossa essência, por assim dizer.
Um condensado perfeito é um parágrafo na página 153, demasiado longo para trancrever aqui. Mazagão já deixou Marrocos, já deixou Lisboa (para onde foi antes de ir para o Brasil) e está na Amazónia. Estamos em 1773 - ou seja, quatro anos depois do abandono - e a Mazagão de 1769 mudou. Não só geograficamente: pessoas morreram, pessoas casaram-se, crianças cresceram e tornaram-se adultas, etc.
Sucede, contudo, que as listas de nomes, famílias, pessoas (aquilo a que a actual indústria humanitária chama "listas de beneficiários") fora estabelecida em 1769 e, inevitavelmente, um conflito aparece entre o que está escrito e o que é. Temos, de um lado, um Governador que insiste em aplicar a lei, baseado nas tais listas; do outro, o Comandante da cidade, que propõe alguma flexibilidade para acomodar as inevitáveis mudanças.
Quem ganha, quem ganhou? Tal como hoje, ninguém. O Governador ganhou alguns rounds, a vida outros. Mas no fim perdem todos. Perdemos todos.
"Failure"
"You need your life to fall apart at some point, and the sooner the better. You must start dealing with failure as soon as you're conscious there is such a thing".
John Lithgow, in FT de 1-2 de Setembro.
John Lithgow, in FT de 1-2 de Setembro.
11.9.07
Fragmento (La Rochelle)
...Venho a La Rochelle há vinte anos, e há vinte anos que gosto disto. Os sítios mudaram, claro: dantes não havia La Quinta, nem Les Trois Seaux. Havia o Coquelicot, um restaurante vietnamita cujo nome esqueci, e o Piano Pub, o melhor deles todos. Mas o espírito da cidade, esta mistura de marinheiros com burgueses e protestantes, é o mesmo.
O Saoufé está uma porcaria? É verdade - mas há o Part des Anges (um é bar, e o outro restaurante, mas que importa?)
A cidade é linda, com as suas ruas que irradiam do porto em todas as direcções, o porto, e as três docas, em pleno centro. É como se o Terreiro do Paço fosse uma doca para barcos de recreio (uma doca a sério, claro, não uma dessas marinas de plástico, para barcos de plástico, com armadores de plástico, todas iguais, como os "Irish Pub" do estrangeiro).
O Saoufé está uma porcaria? É verdade - mas há o Part des Anges (um é bar, e o outro restaurante, mas que importa?)
A cidade é linda, com as suas ruas que irradiam do porto em todas as direcções, o porto, e as três docas, em pleno centro. É como se o Terreiro do Paço fosse uma doca para barcos de recreio (uma doca a sério, claro, não uma dessas marinas de plástico, para barcos de plástico, com armadores de plástico, todas iguais, como os "Irish Pub" do estrangeiro).
Espelho
Ontem comportei-me abominavelmente. Há dias assim, que fazer? A vida parece-me abominável, e eu finjo que sou um espelho.
Felizmente, no dia seguinte tudo se recompõe. Isto é, quase tudo: a vida continua abominável; eu é que deixo de ser um espelho.
Felizmente, no dia seguinte tudo se recompõe. Isto é, quase tudo: a vida continua abominável; eu é que deixo de ser um espelho.
Demagogia
Eu sei, está na hora de me ir deitar; se bem que deitar-me sem ti não seja bem deitar-me, parece-se mais com morrer, parece-se mais com nada, o nada.
Escrever-te
Apetece-me escrever-te, dizer-te uns poucos dos milhares de coisas que ficaram por dizer, explicar-te que as palavras não são senão a espuma das coisas, dos sentimentos, dos dias, que a verdadeira vida está algures nas nossas peles, nos teus olhos, nas noites que não passámos juntos ou nas que viremos ainda a partilhar, nas emoções que já vivemos ou nas que viveremos, nessa coisa vaga e difusa a que a "inabilidade fatal" chama amor, no desejo tão forte e tão, simultaneamente, incompreensível, nesse vasto vazio que é a tua ausência, a distância; na vontade que tenho de te ver e falar e tocar e amar; és a vida, és a vida das palavras, a pele, o corpo e os olhos delas, és o que lhes está por baixo e por trás, tudo o que passou e o que por aí virá, és todas as sílabas do tempo, todos os fonemas do desejo, uma das metades do ditongo da vida.
Apetece-me tocar-te, e escrever-te na pele as letras do desejo, do amor, do tempo e da vida - são as mesmas.
Apetece-me tocar-te, e escrever-te na pele as letras do desejo, do amor, do tempo e da vida - são as mesmas.
Tempo
O Don Vivo é, os seus estóicos leitores já se aperceberam, um blog que oscila entre a memória e a refutação da memória, entre a tentação do futuro e o refúgio do passado.
Hoje lembrei-me, durante uma boa parte do jantar, de alguns episódios do meu passado (e contei-os). No fundo, o que queria dizer era: não somos o que fomos, não sou o que fui, tudo mudou - o mundo, eu, vocês.
Não é verdade, claro: não somos impermeáveis ao tempo, mas por muito que refutemos o passado ele habita-nos. Mesmo que já tenhamos "mudado de casa" mil vezes, mesmo que o tempo, para nós, se decline apenas no futuro, por muitas vidas que já tenhamos vivido, há uma parte de nós que transporta tudo o que fomos, e outros foram antes de nós (se não, como explicar a emoção que sinto ao ouvir as Vésperas de Rachmaninov)?
Não habitamos o passado, mas o passado mora em nós. Devo dizer que o passado me enjoa, todos os passados - os que já foram, e os que são hoje. Devo.
Hoje lembrei-me, durante uma boa parte do jantar, de alguns episódios do meu passado (e contei-os). No fundo, o que queria dizer era: não somos o que fomos, não sou o que fui, tudo mudou - o mundo, eu, vocês.
Não é verdade, claro: não somos impermeáveis ao tempo, mas por muito que refutemos o passado ele habita-nos. Mesmo que já tenhamos "mudado de casa" mil vezes, mesmo que o tempo, para nós, se decline apenas no futuro, por muitas vidas que já tenhamos vivido, há uma parte de nós que transporta tudo o que fomos, e outros foram antes de nós (se não, como explicar a emoção que sinto ao ouvir as Vésperas de Rachmaninov)?
Não habitamos o passado, mas o passado mora em nós. Devo dizer que o passado me enjoa, todos os passados - os que já foram, e os que são hoje. Devo.
9.9.07
"País de merdosos"
Recentemente, o Dr. José Miguel Júdice disse que Portugal era um “país de merdosos”. Caiu-lhe, devidamente, o Carmo e a Trindade em cima: Portugal é não só um país de merdosos mas também – e este faz parte daquele - de não-ditos.
Pessoalmente, acho que o Dr. Júdice está podre de razão. O problema é que eu próprio, por vezes, me sinto um merdoso também; e como penso que não o sou, fico incomodado.
Sendo-o ou não, a verdade é que ultimamente este comportamento tem-me andado a provocar comichões, dúvidas e – sobretudo – uma forte vontade de explodir, e deixar de ser, ou de me comportar como um merdoso.
Claro, dir-me-ão, que não fazer nada e "deixar correr o marfim" é uma simples questão de bom senso; eu penso que não. Penso que é uma atitude cobardola e merdosa. E que demonstra até que ponto o Dr. Júdice tem razão: em Portugal, ser merdoso e cobardola é ter bom senso.
“Mas o homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não derrotado”, dizia Hemingway. Não consigo deixar de pensar que só depois de me reconciliar com a minha consciência voltarei a ser homem.
Pessoalmente, acho que o Dr. Júdice está podre de razão. O problema é que eu próprio, por vezes, me sinto um merdoso também; e como penso que não o sou, fico incomodado.
Sendo-o ou não, a verdade é que ultimamente este comportamento tem-me andado a provocar comichões, dúvidas e – sobretudo – uma forte vontade de explodir, e deixar de ser, ou de me comportar como um merdoso.
Claro, dir-me-ão, que não fazer nada e "deixar correr o marfim" é uma simples questão de bom senso; eu penso que não. Penso que é uma atitude cobardola e merdosa. E que demonstra até que ponto o Dr. Júdice tem razão: em Portugal, ser merdoso e cobardola é ter bom senso.
“Mas o homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não derrotado”, dizia Hemingway. Não consigo deixar de pensar que só depois de me reconciliar com a minha consciência voltarei a ser homem.
"Esperar não é saber"
Sempre gostei muito do refrão desta canção, que ouvi pela primeira vez em 1976.
Ontem ao almoço falou-se nela, e eu pensei que se nesse tempo soubesse que a minha vida seria feita de esperas - que a minha vida não passaria de uma longa, interminável, sucessiva série de esperas...
Ontem ao almoço falou-se nela, e eu pensei que se nesse tempo soubesse que a minha vida seria feita de esperas - que a minha vida não passaria de uma longa, interminável, sucessiva série de esperas...
Regresso
"Não sei se foi nos Cantos de Maldoror que li isto".
Agora, que pouco a pouco regresso ao mundo, depois do que me pareceu uma longa estadia nas estepes geladas e sem ar do espaço, reaprendo pouco a pouco as regras do convívio humano; a ler e a ouvir música; quem sou. Tudo isso me esteve vedado estes anos todos. Os cheiros, as cores e as formas deixam de ser todos iguais. E os sentimentos, os sentimentos. A maquineta de fazer esperança recomeçou a funcionar. Ainda tenho medo de a deixar embalar-se - um medo aliás semelhante ao que este novo mundo me inspira: tenho que reaprender a mover-me nele, e pergunto-me se alguma vez o soube...
O passado não é mais do que uma miragem, fumo num dia de nevoeiro, vela acesa no meio de um incêndio. Ao longe um sino toca - "não perguntes por quem; ele toca por ti". Felizes as pessoas que têm um passado.
Eu não tenho. "Regresso" não é o termo certo.
Agora, que pouco a pouco regresso ao mundo, depois do que me pareceu uma longa estadia nas estepes geladas e sem ar do espaço, reaprendo pouco a pouco as regras do convívio humano; a ler e a ouvir música; quem sou. Tudo isso me esteve vedado estes anos todos. Os cheiros, as cores e as formas deixam de ser todos iguais. E os sentimentos, os sentimentos. A maquineta de fazer esperança recomeçou a funcionar. Ainda tenho medo de a deixar embalar-se - um medo aliás semelhante ao que este novo mundo me inspira: tenho que reaprender a mover-me nele, e pergunto-me se alguma vez o soube...
O passado não é mais do que uma miragem, fumo num dia de nevoeiro, vela acesa no meio de um incêndio. Ao longe um sino toca - "não perguntes por quem; ele toca por ti". Felizes as pessoas que têm um passado.
Eu não tenho. "Regresso" não é o termo certo.
6.9.07
Sentido
Pouco a pouco o sentido vai aparecendo, como uma imagem difusa num papel fotográfico, ou formas imperceptíveis num longo dia de nevoeiro.
Amor
Nenhum de nós sabe muito bem o que é o amor; tacteamos no escuro, procuramos, procuramo-nos. Mas ambos sabemos, e muito bem, o que é o não-amor.
E para aí não queremos voltar, pois não?
E para aí não queremos voltar, pois não?
4.9.07
O fim do princípio não é o princípio do fim
Hoje, após muito trabalho, confirmou-se um projecto velho de 4 anos. Portugal é um país onde sem teimosia não se pode viver.
Histórias fictícias
Durante um certo tempo troquei correspondência com uma jovem e, descobri depois, bonita senhora. Muito rapidamente, contudo, ela descobriu quem eu na realidade sou, e afastou-se, educada mas firme e decididamente.
Hoje, anos depois, descubro por acaso que, das poucas óperas que conheço, a única de que realmente não gosto é a preferida dela. Já gostei, devo dizer, e muito - a tal ponto que até a fui ver em Berlim, um dia, estava lá em trabalho; foi quando decidi que não gostava, e adormeci apesar do maestro e da orquestra e da mise-en-scène e de todo o razzmatazz à volta da exibição.
Terá ela sido perspicaz, e o facto de eu não gostar dessa ópera não ser senão um sinal das minhas insuficiências todas? Foi coincidência? Uma sorte (ou um azar, vá saber-se)? Hoje procurei o disco na minha discoteca; mas já não o tenho, deve ter ficado numa das mudanças e andanças de que estou tão cansado, e que tanto contribuiram para me desfazer dos livros e dos discos e de tudo o que tinha. Vou comprá-lo: mas é pouco provável que volte a gostar da obra.
Hoje, anos depois, descubro por acaso que, das poucas óperas que conheço, a única de que realmente não gosto é a preferida dela. Já gostei, devo dizer, e muito - a tal ponto que até a fui ver em Berlim, um dia, estava lá em trabalho; foi quando decidi que não gostava, e adormeci apesar do maestro e da orquestra e da mise-en-scène e de todo o razzmatazz à volta da exibição.
Terá ela sido perspicaz, e o facto de eu não gostar dessa ópera não ser senão um sinal das minhas insuficiências todas? Foi coincidência? Uma sorte (ou um azar, vá saber-se)? Hoje procurei o disco na minha discoteca; mas já não o tenho, deve ter ficado numa das mudanças e andanças de que estou tão cansado, e que tanto contribuiram para me desfazer dos livros e dos discos e de tudo o que tinha. Vou comprá-lo: mas é pouco provável que volte a gostar da obra.
3.9.07
Calmaria
Os mastros reflectem-se tão límpida, tão claramente na água que, dir-se-ia, os barcos estão sobre estacas.
(Se tivesse máquina, teria feito um kitsch e-card from Port la Forêt).
(Se tivesse máquina, teria feito um kitsch e-card from Port la Forêt).
Verde
Gosto do verde dos Açores, que é bruto, indisciplinado, selvagem e inculto; e gosto do verde da Bretanha, tão intenso como o outro, mas mais "domesticado", por assim dizer, mais culto, mais alinhado.
Bela paráfrase de muitas vidas.
Bela paráfrase de muitas vidas.
Ecologia
Eu até gosto bastante dos ecologistas, e aprovo as suas acções (pelo menos algumas): gosto quando eles defendem a natureza, coitadinha, tão frágil e indefesa que ela é, e as listas que fazem de espécies animais a defender.
Só tenho pena que o homem não faça, para eles, parte dessas listas. Devem pensar que tem origem divina - ou diabólica.
Só tenho pena que o homem não faça, para eles, parte dessas listas. Devem pensar que tem origem divina - ou diabólica.
Galicismo - III
Às vezes parece-me, mas é recente, muito recente a impressão, que entre mim e a França só havia o Mitterrand (primeiro) e o Chirac (depois).
Eu sei que é uma ilusão, mas é uma ilusão difusa (ou melhor, diluída), banhada em Armagnac, Clos les Verdots (um tinto de Bergerac com um nariz de terra, um corpo redondo como a Monica Belucci e um fim de boca eterno que bebi ontem, e hoje) - isto para não falar dos queijos, da arte de servir mesmo num minúsculo hotel familiar do cú do mundo, na paisagem, na língua, tão bonita.
E para a semana estarei em La Rochelle - que horror, como resistir?
Eu sei que é uma ilusão, mas é uma ilusão difusa (ou melhor, diluída), banhada em Armagnac, Clos les Verdots (um tinto de Bergerac com um nariz de terra, um corpo redondo como a Monica Belucci e um fim de boca eterno que bebi ontem, e hoje) - isto para não falar dos queijos, da arte de servir mesmo num minúsculo hotel familiar do cú do mundo, na paisagem, na língua, tão bonita.
E para a semana estarei em La Rochelle - que horror, como resistir?
Galicismo - II
Já não vinha ao norte da Bretanha há muito tempo. Esta mistura de granito e de mar, de xisto e de verde, de ostras e de cidra (não, reconhecidamente, ao mesmo tempo), de pessoas silenciosas e fechadas enquanto não as conhecemos, e de uma hospitalidade e simpatia indescritíveis depois tem sempre o mesmo efeito em mim. Felizmente, lembro-me do clima, e desço à terra.
2.9.07
Galicismo
Um copo de vinho tinto e uma sandes de pâté: não há francofobia que resista a esta combinação mágica.
1.9.07
Simplex, Pracex, Portugalex e volta
Nas bilheteiras da estação marítima do Cais do Sodré não se pode comprar um bilhete de ida e volta para Cacilhas. "Compra aqui a ida", informa a solícita funcionária, e "lá a volta".
Discutível, bonito
"O melhor de ser mulher é ser mãe". Bonito, mas discutível: será "o melhor de ser homem" ser pai?
Talvez.
Talvez.
Retratos imaginários
Aquilo não era uma mulher. Era um rabo, com dois sapatos de salto alto, horríveis, por baixo e uma mala rídicula por cima.
Tudo isto enrolado numa espécie de tecido de uma espécie de dourado. Felizmente a música estava melhor do que nunca, e os Bailey's tinham a quantidade certa de whisky.
Tudo isto enrolado numa espécie de tecido de uma espécie de dourado. Felizmente a música estava melhor do que nunca, e os Bailey's tinham a quantidade certa de whisky.
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