Não é muito sofisticado, eu sei - nada em mim o é - mas gosto de tascas. Não lhes vejo qualquer propósito salvífico, note-se. Raras são as tascas onde se come bem, mas derivado à minha natureza rustre e troglodita é nelas que me sinto bem.
Quando se juntam a qualidade da comida mai-la qualidade de tasca sinto-me no paraíso. Um almoço no Beira-Rio ou na Merendinha do Arco, para citar duas das minhas favoritas, deixa-me perto do êxtase. Comer é uma função básica, biológica, fundamental (de fundamento), orgânica. Nos bons restaurantes a essas funções acresce a de ritual, com todas as obrigações que daí decorrem. Gosto do strip-tease gastronómico que é comer numa tasca. Gosto do strip-tease de tudo o que é primevo, de resto, seja comer seja beber, seja música.
Na verdade, agora que penso nisto, os gostos não se excluem. Oiço os Carmina Burana ou os cânticos de Hildegarde von Bingen como oiço as Suites Inglesas de Bach, Thelonious Monk, Sonny Rollins ou Miles Davis, Salif Keita ou as Mandé Variations de Toumani Diabaté, as vozes divinas de Sandy Denny ou Maddy Prior, Nico ou Marianne Faithful. Como na tasca como no Gambrinus (infelizmente, com frequências muito díspares).
Gosto do Outono como gosto de todas as outras estações do ano, de uma mulher em especial como de todas em geral (gostar é diferente de amar, fica a nota não vá o diabo tecê-las), da aguardente que o J. M. (abençoado sejas, J.) me ofereceu como do melhor whisky ou rum.
Sou um panhonha da vida, é o que é. Um panhonha feliz e sortudo, mas panhonha. Como as lontras do aquário ou os manatee da Florida. Se me virem reagir energicamente a qualquer coisa é porque me enganei. Não sou muito sofisticado, eu sei - mas sou o que me calhou na rifa genética e contra isso não posso fazer nada senão ouvir os Carmina Burana e beber a aguardente do J., abençoado sejam eles e ela.