As mercearias «bio» da Suíça (pelo menos na Suíça-francesa) estão a fechar. «Falta de clientes», diz o repórter. «Aparentemente, para as pessoas comer já não é uma prioridade». O dono de uma das mercearias, entrevistado, esqueceu-se de adjectivar comer. Compreende-se: comida é bio. A outra é uma mistela. Não se compreende é como conseguiu alimentar tantos milhões de pessoas por esse mundo fora.
Não tenho nada contra o bio, note-se. Aliás, quando morava no Príncipe Real era cliente do mercado bio que ali se realizava todos os sábados. Descobri que os legumes se aguentam muito melhor e sabem melhor. Para uma pessoa só, pouco consumidora de coisas verdes, a diferença de preço era facilmente compensada. Posso portanto dizer que contribuí para salvar o planeta, apesar de pensar que ele não precisa de ser salvo - tratá-lo bem é suficiente - e de as motivações serem bastante egoístas, por assim dizer.
Como as dos fazedores-de-bem, de resto. «Não pode a alma elevar-se às regiões espirituais senão pela dedicação ao próximo; ela não encontra felicidade e consolação senão nos arroubos da caridade. Sede bons, ajudai aos vossos irmãos, ponde de lado essa horrível chaga do egoísmo. Esse dever cumprido vos deve abrir as vias da felicidade eterna. Aliás, quem dentre vós não sentiu o coração pulsar e sua alegria íntima expandir-se pela prática de uma obra de caridade? Não deveríeis pensar senão nesta espécie de volúpia proporcionada por uma boa acção...» (S. Vicente de Paula). O sublinhado é meu: a caridade pode ser embriagante. (Como explicar de outra forma que eu dê tanto dinheiro, quando o tenho?)
O que me chateia na «bio» é esse aspecto teológico, salvar o mundo, «eu estou no grupo dos bons». É uam atitude que se encontra em muitos grupos, um dos quais, para grande infelicidade minha, sendo o dos ciclistas. Nos anos oitenta em Berlim eram insuportáveis: andavam a toda a velocidade pelos passeios, atropelavam peões, gritavam para nos afastarmos - abominável comportamento que segundo eles se justificava por eles serem «o futuro», os «defensores do planeta», os portadores da palavra de deus. Sou ateu, impermeável a todas as religiões. Sejam elas laicas ou eclesiásticas.
Enfim, começo nas mercearias biológicas da Suíça-francesa hoje e acabo nas bicicletas de Berlim dos anos oitenta. As primeiras fecham, as segundas expandiram-se. As queixas são permanentes em todo o lado. Em Berlim, claro, as autoridades intervieram e a coisa mudou. Não tarda vai acontecer o mesmo em todo o lado. Há ciclistas idiotas que tal como a maioria dos automobilistas não percebem que uma bicicleta é um híbrido, um misto de peão e veículo e como tal deve comportar-se diferentemente consoanto o sítio onde se está. (Há quem chame a isto bom senso, sensatez, siso, mas deixemos as complicações de lado.)
Falo das bicicletas porque me faz grande falta uma aqui em Genebra. Mal chegue, a chuva vai ter muitos jardins para regar.
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Quando esta espera acabar vou escrever um artigo a contar a história. Começo com duas digressões: a da equivalência na Martinique e a da experiência no Burundi. Depois vou confrontar os diferentes intervenientes. É importante ouvir os dois lados. E sobretudo mais eficaz, espero.
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De novo sozinho em casa: S. em Lyon e a cadela L. em casa da G. Estes dias seriam tão produtivos, não fosse esta maldita tensão em que vivo. Maldita e paralisante o que é pior. Não sou gajo de rancores, mas acho que esta vai ser difícil de esquecer. Os funcionários públicos portugueses deviam poder levar pontapés no cu até ficarem sem ele - refiro-me a pontapés literais, dados com botas cardadas, dez por cada dia perdido. (A dez por dia as vítimas da incompetência, negligência, sobranceria, desinteresse, preguiça e por aí fora ficariam sem pé antes de eles ficarem sem cu...)
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Portugal muda de polémicas mais depressa do que as casas de gelados mudam de sabores. Tanta futilidade é irritante. Parecem galinhas a cacarejar: fazem muito barulho mas não serve para nada.
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A fechar: amanhã vou ter o meu neto Leonardo comigo uma hora. Razão: exame de filha. Está a preparar outro neto. Ou neta, isso saber-se-á amanhã, justamente.Há pouco menos de dois anos não sonhava sequer que seria avô. Agora preparo-me para o ser a dobrar. A alegria não se divide pelos dois: multiplica-se por dois.