17.4.09

"Maior e mais abrutada talvez seja"

Não sei o que disse Eça aos turcos: este não é o Rossio do verão. É o Rossio de sempre.

Que verão as pessoas que habitam aquelas janelas? Que reflectirão para elas as poças de água? Verão as mesmas curvas que nós? As mesmas cores, no negro do basalto transparente da água?

É nas zonas escuras que se vêem melhor as cores, os pormenores, os reflexos - será uma metáfora?

Nas curvas da calçada vejo os gestos amplos de um maestro, ou de um hipnotizador; e imagino os olhos por trás das janelas a segui-los - para onde os levam, os gestos os olhos? Para onde nos levam a nós, que nas pedras vemos janelas e nas janelas pedras? E quem é, esse maestro? Quem se deu ao trabalho de inventar o reflexo para que um dia uma cidade se possa ver ao espelho e perguntar (quem sabe?) "espelho meu, espelho meu...?"

É provável: ela já sabe a resposta; é pouco provável: ela já sabe a resposta.

Aquelas curvas não são gestos; são o sorriso trocista de uma cidade que se está nas tintas porque cabe numa poça de água e sabe que mesmo lá é sublime. Não somos nós que olhamos para a cidade, para as pedras da calçada, para as janelas ou para um candeeiro que parece entrar pela terra dentro: são eles que olham para nós e se riem, e se mostram e escondem e mostram de novo, em curvas brancas e negras de todas as cores, de todos os tempos.

1 comentário:

  1. Para mim, aquelas curvas são ondas, Luís: como as ondas do Tejo sobre que se ergue a cidade; ou como as ondas do tempo, que conheceu o Eça pisando o mesmo ladrilhinho, e que nos conhece a nós espiando as casas do tempo dele nas águas da chuva. ;-)

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.