4.2.11

Esparsos diversos dispersos

Saí de Parnaíba com o mínimo de roupa. Decidi não trazer um cinto: o rum e a cerveja torná-lo-iam certamente dispensável. Enganei-me. Tenho de aplicar-me mais e melhor, para não andar de calças na mão.

Reunião com um burocrata. Diz-me que pode fazer o que lhe peço, "para que v. possa exercer a sua profissão". Depois pede-me que me despache a entregar-lhe o papel que falta (uma tradução do certificado da Escola Náutica): "na quarta-feira que vem vou de férias e gostava de deixar isto resolvido antes de partir". Os franceses queixam-se da burocracia. Eu nunca me queixarei de um sonho. (Ah: e é gratuito. Tremeu, quando lhe disse que tinha pago 50 euros pelo certificado da Escola: "a nossa burocracia pode ser pesada, mas é gratuita"). Tudo isto com um sorriso e uma simpatia inexcedíveis. Não é pesada, Monsieur. Talvez o seja para um inglês, mas para um português é de uma leveza insuspeitável.

Entro de novo na Librairie Antillaise, desta vez a de Fort-de-France. Compro livros ao acaso, outra vez: Tolstoi, Tabucchi, Toni Morrison. Anteontem foram Delerm (uma delícia de um pequeno livro sobre um blogger involuntário), Leiris, Jean-Claude Carrière. Nunca porei a leitura em ordem; e muito menos ordem na leitura.

Hoje vejo, pela primeira vez, Fort-de-France com simpatia. Não sei porquê, mas suponho que seja devido a não sei quantos dias no Marin. Ou ao vento, que regressou. As mulheres continuam bonitas, as ruas estreitas e apinhadas, a arquitectura um misto de antigo colonial e moderno sem estilo;  talvez seja por causa do burocrata...

"O rum enlouquece", dizia-me o Bernie em St. Martin. Talvez; mas não engorda.

Alguns debates sobre o ti'punch estão, para mim, encerrados (prova da minha grande flexibilidade e abertura de espírito). Por exemplo, a inclusão ou exclusão de gelo, ou a superioridade do xarope de cana ao açúcar em grão. Outros não: prefiro um ti'punch feito com rum novo, branco, a um com rum velho, castanho. Mas não consigo dizer que este último é mau. É um bocadinho como escolher entre uma mulher bonita, mas estúpida, e outra feia mas com um sacré caractère. Há um rum que seja como uma mulher bonita e com feitio? Há: o El Dorado 15 anos, mas esse é bom de mais para se fazer ti'punch. Ou o Mount Gay, mas não fala francês (pelo menos aqui na Martinique. Em St. Martin existe e os barmen chamam-lhe, tristemente, "Monguê").

Talvez tenha encontrado um barco com o qual voltar ao Brasil, em Março. É uma das viagens mais chatas da navegação à vela, ir das Caraíbas ao Nordeste do Brasil nesta altura do ano (nas outras também, de passagem se diga, só que em vez de muito vento contra há pouco vento contra). Seria um sonho, como um burocrata simpático ou a introdução do conceito de low cost nas companhias de aviação destas ilhas.

Hoje fui ver a igreja de Marin. O altar veio de um barco que ia com ele a caminho do Peru, mas se afundou por aqui durante um ciclone. Os marinheiros venderam-no à comunidade local, e por aqui ficou. O tecto foi construído por carpinteiros navais - os únicos que por aqui existiam na altura, suponho - e parece o casco invertido de um barco. É lindo. O da de St. Anne é igual, mas mais pequeno.

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