17.2.12

Diário de bordos - 170212

À noite o centro da cidade fica deserto. É como a maré: vemos uma coisa quando está cheia, outra quando está vazia.

Conheço pouco de Parnaíba: a cidade é enorme, apesar de "só" ter 140,000 habitantes (é pouco para uma cidade brasileira. Mas não tem prédios, por isso ocupa uma superfície muito grande). Quando por ela me desloco sinto-me fugido de Grande Sertão: Veredas, como se Riobaldo de repente deixasse o mato e em vez de cavalos visse automóveis.

O bairro onde passo a maior parte do dia, e onde fica a pousada é a parte mais bonita (do que conheço, que repito é pouco). Fica onde era antigamente o porto fluvial; as casas - numa área pequena, é certo -  estão bastante bem mantidas. A pousada é num antigo armazém. É muito simples, de uma notável falta de qualidade, mas simpática e gosto de lá estar.

Se Parnaíba me faz pensar em Guimarães Rosa, o Brasil - a parte dele que conheço, que também é pouca - traz-me inevitavel e recorrentemente à memória  Pirsig e O Zen e a Arte da Manutenção de Motociclos. Aquela parte sobre a qualidade. "O que é a qualidade? Se não me perguntam eu sei, se me perguntam deixo de saber". A paráfrase é a Santo Agostinho, creio [é] e referia-se ao tempo. Para este não há remédio; mas para a qualidade há, e é fácil. Basta vir ao Brasil.

Não é obviamente muito pior de que tantos outros países - os de África, incluindo a sua extensão europeia, Portugal e excluindo a África do Sul vêm imediatamente à lembrança - mas aqui é pior porque o dinheiro se sente como se se visse. E vê-se, é certo. Um brasileiro não sabe esconder o dinheiro, quer o tenha quer não. Enfim, talvez seja injusto. "Uns não sabem esconder o dinheiro e outros a ausência dele" talvez esteja mais perto da verdade.

Hoje começam as primeiras festas do Carnaval. Se eu fosse um assassino só actuaria neste período. Ou então talvez pudesse transformar-me num comprimido de aspirina, ou outro analgésico qualquer.

Isto dito, a cidade é relativamente segura. Relativamente: isso não impede as casas de terem muros de três metros de altura encimados por mais um metro de vedação electrificada.

Trabalhar no Brasil é como trabalhar no Algarve, mas duas vezes pior. Duas, só? Sim. Preços que variam sem qualquer espécie de pré-aviso, uma impossibilidade total de acreditar no que ou em quem quer que seja, a noção de que o tempo é para ser desfrutado e não aproveitado. Mas em pior, sem dúvida.

Amanhã vou capinar a carreira do estaleiro, se ninguém se esquecer de me trazer o machete. Vai ser giro. "Um marinheiro é um tipo que sabe fazer tudo, vírgula, mal". A primeira vez que vi um machete tinha oito anos e fiquei completamente traumatizado. Foi usado para me tirar uma matacanha do polegar. Desde aí tenho convivido com muitos, mas que me lembre é a primeira vez que vou utilizar um.

1 comentário:

  1. Volta inteiro, se fazes favor, isto é, cuidado com o machete.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.