23.7.14

Diário de Bordos - S. Luís, Maranhão, Brasil, 23-07-2014

Já lá vão muitos dias sem Diário de Bordos. Não que não se tenha passado nada; antes pelo contrário. Infelizmente nada avançou em proporção dos passos que foram dados - Os Passos em Volta podia ter sido um título feito para o trabalho em S. Luís do Maranhão -.

De tudo, paradoxal e felizmente, o que mais progride é o B.: mastro comprado e no estaleiro, pronto para se começar a trabalhar nele; lemes quase prontos - enfim, melhor dizendo: primeira etapa dos lemes quase terminada. Amanhã começamos a laminação. Daí a instalação, a conexão dos hidráulicos, instalar a roda do leme. Digamos três semanas, para dizer qualquer coisa.

O mesmo para o mastro. Como uma parte destes trabalhos se pode sobrepôr e outra não, vamos dizer um mês e meio, para estarmos seguros (ainda falta a impermeabilização: dois meses, vá). Até finais de Setembro estou fora daqui.

Já no resto tudo parece um filme cómico. Não há nada que seja fluido, que se faça à primeira, que fique resolvido imediatamente.

Eis uma pequena súmula:
- Bicicleta: comprei-a, finalmente. Uma pessoa que em tempos conheci dizia que sem bicicleta sou como um barco a motor. É verdade. Comprei-a num sábado. Na segunda-feira estava de volta à loja porque as mudanças não funcionavam. Na terça fui buscá-la. As velocidades estão marginalmente melhores, mas longe de funcionar. Não volto lá, não vale a pena: isso não me impediu de fazer setenta quilómetros nela no domingo seguinte. Basta não querer utilizar todas as mudanças.

- Tablet: levei-o a reparar numa sexta-feira. Ficaria pronto no sábado; preço: oitenta reais. Ficou pronto na quarta-feira. Preço: sessenta reais. Está exactamente na mesma. Sem tirar nem pôr. Igual.

- Telefone portátil: há quinze dias fiquei sem a possibilidade de enviar SMS. Recebe-os, mas não envia. (Também não liga para um, e só um número. Infelizmente é aquele de que mais preciso aqui. Parece que é frequente).

Telefonei para o serviço técnico. Isto é uma sinédoque grosseira, uma elipse: telefonar para o serviço técnico e conseguir falar com ele levou-me aproximadamente três dias.

Nada.

Fui à loja onde comprei o chip. Não têm serviço técnico mas o rapaz é adorável (isto no Brasil é uma redundância). Deram-me um prazo de cinco dias para o problema ficar resolvido. Não ficou.

Ontem voltei à loja. O rapaz disse-me desolado que não podia fazer mais nada. Para ir a outra loja, num centro comercial que fica atrás do sol posto. Lá têm atendimento técnico e poderão ajudá-lo.

Não têm, Cleyton. Esperei duas horas (preciso mesmo dos SMS). Ao fim das quais a rapariga falou com o serviço técnico. O qual não pode fazer nada porque está sem sistema.

- Computador portátil: comprei-o na segunda-feira. O rapaz é adorável (ditto). Disse-lhe que queria o Windows e o Office em inglês. Não tem problema. O Office faço agora; o Windows só na quarta-feira. Ok, Josué, volto cá na quarta-feira.

O Windows está em Português. Para o reinstalar e instalar o Office tive de deixar lá o computador. Vou buscá-lo amanhã.

- Pousada: senhor Luís, importa-se de mudar de quarto... Domingo: almoço em Raposa (uma hora e vinte minutos de espera...)

¡Qué vaya!

Dito assim, de forma sintética, parece só uma piada. Quando se incluem as horas de táxi e de trânsito, o calor, as horas de espera a piada desaparece como por milagre.

Mais vale pensar no que correu bem:

- Um magnífico passeio de barco no sábado. O STERNA P. é rápido, o vento forte e constante, a tripulação e convidados simpatiquíssimos. Um sábado grandioso que me fez temer por como será quando deixar o mar. Não o posso deixar. Tenho de encontrar uma solução intermédia.

- O meu círculo social aumenta, graças principalmente a R. o dono da livraria Poeme-se, onde tenho o meu "escritório". Jornalistas, escritores, cantores: estranhamente é muito mais a minha tribo do que os "marinheiros" (entre aspas porque a maioria não é marinheira; são pessoas que estão em barcos. Com os marinheiros sem aspas entendo-me às mil maravilhas).

Pouco a pouco integro-me em S. Luís e integro a cidade. Como diz R., o Brasil começa sempre por apresentar o seu pior lado.

- Maciel: à terceira encontrei um motorista digno desse nome. Maciel pára nas passadeiras, trava quando os semáforos estão cor-de-laranja, não fala excepto quando eu lhe falo, sabe onde são as lojas e fornecedores e - seja Deus louvado - tem milhares de CD de música brasileira. Amanhã vai começar mais uma sessão de gravações. Encontrei-o à terceira tentativa.

- Adaílson: excelente carpinteiro, pontual, calado. À segunda. Não me posso queixar.

- Dentista: das quatro cáries, a pior já está tratada; as outras estão a caminho, e o resto dos serviços. Vou ficar com uma boca nova pelo mesmo preço do que me teria custado o tratamento desta cárie em Bocas del Toro. Na Policlínica da Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Sou ateu e anticlerical, mas não sou primário e reconheço que a igreja tem coisas muito boas. Esta policlínica é uma delas. Há muitas outras.

Talvez se devesse mesmo criar uma devoção à água oxigenada. Nossa Senhora da Água Oxigenada que me salvaste das dores e me permitiste manter a sanidade todos estes meses...
Não se poderá injectá-la nos rins?

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Apercebo-me a cada dia que passa da profunda tontice do Acordo Ortográfico: daqui a cem anos o brasileiro será uma língua diferente, com ou sem acordo. Estamos a dar cabo da nossa para nada.

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Uma coisa que descubro: o fascínio dos brasileiros pelos sotaques, pela língua. Falam dela com o desvelo de franceses a falar do francês e da origem das pessoas.

(Não resisto):


De caminho, aprendo que os brasileirismos de que tanto me queixo em Portugal (o desparecimento do verbo pôr, por exemplo) são na verdade Globismos: a TV Globo está a uniformizar os sotaques (nisto não acredito muito) e o vocabulário do Brasil, e a substituí-los por uma espécie de pâtois de S. Paulo e Rio.

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Mais uma noite de cálculos renais. Preciso realmente de perceber de onde vêm. A cavalariça não pode deixar o cavalo desabrigado.

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