8.7.16

Diário de Bordos - Lisboa, 09-07-2016

Se fôssemos a ver bem nada está a cem por cento; vendo melhor, tudo está duas vezes melhor do que poderia estar; não se trata de ver um copo meio cheio ou meio vazio. Copos e chapéus há muitos, seu palerma; e como agora não tenho chapéu restam-me os copos.

Nenhum ainda está completamente cheio nem completamente vazio. Todos estão a diferentes níveis. Mas se os metêssemos todos num recipiente gigante (a que alguns dão o nome de vida, como se a vida se pudesse reduzir a um singular) cujo volume fosse igual ao da soma de todos os diferentes copos, esse estaria muito para lá de meio cheio. Estaria quase cheio. Quase a transbordar. E isto digo eu, que me precavenho furiosamente contra os excessos de optimismo, lhes conheço as manhas e as traições.

Tergiverso e dou voltas ao penico. Pouco importa. Está vazio.

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Agorafobia. Hoje utilizei o termo pela primeira vez. As palavras são como animais selvagens: antes de domá-las há que as ver sem medo.

Isto dito, uma multidão na qual a esmagadora maioria das senhoras é bonita assusta-me menos do que a dos supermercados, por exemplo. Onde será que a população feminina da Casa Independente faz compras?

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Entrego-me mais facilmente a uma embarcação que navego pela primeira vez do que a um corpo. Isto é, menos furiosamente.

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Lisboa dá-se-me a ver como uma strip-teaser bêbeda; e ainda há quem diga que bebo de mais... Não sou eu, é a cidade.

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Noite de sexta-feira na Casa Independente. Música cabo-verdeana (mais ou menos decente, pelo que oiço) e uma multidão. Refugio-me nas palavras e confirmo-lhes os limites: precisam de engenharia tanto quanto de arquitectura.

O antónimo de palavra é lava, não silêncio.

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Quinta-feira parto para três semanas de Mediterrâneo numa lancha a motor de setenta pés. Se o optimismo tem limites o pessimismo engana-se redondamente.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.