21.2.19

No fundo, palavras

Dizer das palavras fundas como fodas como aquele aparelho para atirar pedras como a fossa das Marianas, fundas como os sentidos todos que cada uma delas tem, mesmo as mais simples. Sim, por exemplo. Não: o mundo derruba-se. Está vento: vamos chegar depressa. Palavras que se me afundam na carne: quero amar-te, amor Lego construído peça a peça, umas por cima das outras, impacientemente. Palavras fundas como este sono em que te afundas, reparador, justo como a nega da senhora a quem há muitos anos prometeste não amar, sono de sentidos: ulmeiro, por exemplo. Tu não sabes como é um ulmeiro, sabes que é uma árvore, tem raízes fundas que buscam na terra o que tu buscas nas palavras, num ou outro corpo que te recebe, num dia de tempestade no mar. Palavras fundas, por muito leves ou lisas que te pareçam, lisas como notas de banco, elusivas e fugazes como o sorriso da mulher no metro ao homem que a acompanha.

Palavras fundas que em ti afundo por essa pele sem carta, por ti espalho, por ti invento como se me habitasses, como se em mim vivesses.

No mais fundo de mim.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.