3.10.19

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 03-10-2019

A esta hora, as ruas de Palma enchem-se de melancolia e de mulheres bonitas. O frio chegou. Ou melhor: anuncia-se. Ainda estou de calções e pólo, mas sei que não tarda estarei de mangas compridas e calças. As mulheres já se vestem, elas: estão ansiosas por mostrar as novas roupas. As folhas ainda não começaram a cair das árvores - durante o dia está calor - mas há sempre uma ou duas precoces. A agitação do Verão desapareceu. A aldeia que Palma era há vinte anos reaparece, como a cabeça de uma velhinha à janela depois de ter passado uma hora na cozinha.

Venho ao Ca na Chinchilla beber um copo de vinho e comer uma tapa de presunto. É um dos meus lugares favoritos aqui em Palma, mas a cozinheira queixa-se de que não me vê há muito tempo. Tem razão. É jovem mas não demasiado e tem cara de cozinheira. É daquelas que não engana: olha-se para ela na rua e vê-se uma senhora a trabalhar na cozinha.

O gosto do presunto continua na boca. A Chinchilla só tem coisas boas. Deve ter sido muito bonita e muito má, em nova. Má não é a palavra adequada.

Senhora, talvez. Soberana. Sabe o que é bom: vinho, presunto, empregados, decoração, cozinha... tudo é bom aqui. Imagino que escolheu a sua vida da mesma forma. Por isso gosto tanto dela.

A melancolia seduz-me sempre, mas isso é pecha velha; ou de velho. A luz cai, o calor sai, o meu espírito vai por aí fora, lento, indagante e saciado.

Depois da tapa de presunto pedi uma rodela de queijo de cabra. Uma rodela só. Angel trá-la e diz-me:

- Não sei o que te hei-de debitar por isto.
- O que tu achares que deve ser, Angel.

A conta vem e não há traço da fatia de queijo. Digo à Chinchilla que preferia ela me cobrasse aquilo, porque se não cobrar não posso voltar a pedir. Responde-me a mesma coisa: não sabe quanto. Digo-lhe "quatro euros", mas ela abana a cabeça. Muito caro. "Três? Vá, Chinchilla, fica três euros". "Não", responde. "Dois euros". Ali quem manda é ela, ponto. O queijo era esplêndido.

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Pouco a pouco vou desatando nós. Bem sei que parece um daqueles cabos de prestidigitador: um gajo desata um nó e aparece outro logo a seguir. Mas há que reconhecer: são cada vez mais pequenos, cada vez mais fáceis de desatar.

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Estou cansado. Nunca me lembro de quão bons alguns cansaços são.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.