4.5.20

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 05-04-2020

O I. abriu a loja e bicicleta ficou pronta. Era um furo, só. Fui passear. Estava dentro do horário. Faz arrepios, não faz? Horário de passeios, como na prisão. Havia duas ou três senhoras na praia com as respectivas crias. Fiquei a saber que o horário dos putos é diferente: às sete têm de estar em casa. Vedade seja dita que até os polícias tinham noção do absurdo: o que estava a falar pelo altifalante foi simpático, cordial. Até "por favor" disse. "Por favor, senhora, saia da praia". Ouvir um polícia espanhol dirigir-se a alguém com "por favor" dá bem ideia de como o homem se sentia.

Sábado fui eu. Safei-me com uma admoestação, mas não tive direito a simpatia, empatia, emoções ou sentimentos. Vá lá, quando me perguntou há quanto tempo estou em Mallorca respondi com uma saída pela esquerda baixa e o guardião da ordem, da saúde pública e da idiotice ambiente não insistiu. Ficou com a morada e com o número do BI e em troca avisou-me de que para a próxima seria "detenido". Não é exagero. Nesse sábado foram quarenta tipos presos, li no jornal.

- O que é que está aqui a fazer?
- Vim ver o mar, señor.
- Onde mora?
- Praça aqui ali e acolá.
- Número da porta?
- Sete.
- Andar?
- Terceiro.

Poupo o resto do diálogo. Ver o mar. Puta que os pariu a eles, a quem lhes dá as ordens e por aí fora.

Hoje fui ver o mar na minha burra mas estava dentro do horário. Tudo isto para aplacar a histeria de um monte de palermas que se recusam a admitir que são histéricos e palermas, um não exclui o outro, pode muito bem ser-se os dois ao mesmo tempo, mesmo se eu acredito que a maioria das pessoas é inteligente, isto é,  a maioria das pessoas tem um QI entre 115 e 85, como - espero - eu.

Enfim, celebrei a burra com duas embalagens pequenas de salmão fumado, uma do Alasca outra da Escócia e uma cava que estava no frigorífico há mais de um mês. Já não comprava salmão fumado há eternidade e meia. Desde que fui levar aquele noruego a Copenhaguen, faz uma série de anos. Rica viagem essa.

E a música sem fundo e sem tempo de Eleni Karaindrou, Nena Venetsanous, Angélique Ionatos, Evanthis Reboutsika.

........
Os últimos dias de uma pena de prisão devem ser os piores. Nunca estive preso mais do que um dia (melhor dizendo, uma noite) e portanto não posso garantir por experiência pessoal.

Qualquer dia largo tudo e vou para a Índia, ver se emagreço.

.........
Pelo menos as noites fizeram as pazes comigo e deixam-me dormir. Já vou em duas seguidas. Revolta-se-me o corpo todo. Se tivesse uma psicóloga ao lado, dir-me-ia:
- Estás a somatizar.

Como não tenho, digo-mo eu.

1 comentário:

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.