25.10.20

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 25-10-2020

Tínhamos previsto ir ao Jura e fomos. Não pensáramos foi ir a Bassins, onde vivemos até eu decidir que estava intoxicado de clorofila, alérgico à fotossíntese e daltónico ao verde e que na cidade é que se respira bem. Dois anos, findos os quais peguei numa carta de Genebra, tracei-lhe o centro geométrico, desse ponto desenhei um círculo que delimitava uma distância de dez minutos a pé e disse «É dentro deste círculo que vamos viver». A proposta foi aceite e voltámos para a cidade, a cerca de três minutos a pé da universidade onde S. uns anos depois daria aulas, a cinco da Plaine de Plainpalais, a dez do Bâtiment des Forces Motrices, que então ainda não era o teatro de ópera que hoje é.

Não sei que dizer. Quando é que o passado e o presente se separam, como os dois lados de um fecho éclair ou uma folha de papel que se rasga em dois, após cuidadoso vinco feito com uma régua?

Bassins foi dos sítios mais bonitos onde até hoje vivi. A casa era ao lado do templo, um velha quinta reconvertida, com uma vista de tirar o fôlego para o lago e para os Alpes. Do outro lado, começa o Jura, que prefiro aos Alpes. Estávamos a oitocentros metros de altitude, acima do banco de nuvens que no Inverno cobre Genebra: era raro o dia em que tínhamos nevoeiro. Quando íamos para Genebra, sentíamo-nos como quando de avião se desce para o aeroporto depois de uma viagem ao sol. A H. foi baptizada no templo da aldeia - tenho um filho católico e uma filha protestante, réplica nem totalmente voluntária nem completamente involuntária do casamento. (Encontrar um padre que aceitasse casar-nos foi um sarilho...)

Há uma doçura, uma paz, uma plenitude nestas paisagens jurassianas que são difíceis de descrever. A terra é fértil e exala tranquilidade. No Outono basta andar um pouco e sentimo-nos no Canadá. Bassins é o princípio do Jura (do lado Sul) e o seu flanco Leste. Para oeste fica a Franche-Comté, terra de orgulhos e de lutas, passagem preferida para a Suíça durante a guerra. Perder-se no Jura é a mais pacificadora das experiências. Os Alpes são agressivos, estimulantes, excitantes. São o café. O Jura é o chá.

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O governo federal está a deixar os cantões tomarem as medidas que entendam. A comunicação social acusa-o de moleza, de intervir tarde e por aí fora. Mesmo assim, é muito mais comedida na distribuição de pânico do que a nossa. Pelo menos aqui na Suíça-francesa. Nas outras não sei o que se passa, nem quero saber. Só espero que isto acabe depressa e encontrar-me no meio do Atlântico a bordo do meu P. do meu coração.

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É lamentável que tantos casais divorciados se zanguem de morte. Não sabem o que perdem: a amizade pós-conjugal é fascinante e complexa. Fica algures no meio de um triângulo composto pelo amor que foi mas não desapareceu, a amizade que o substituiu e a cumplicidade que nasceu do encontro dos dois. 

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