13.1.23

Oniris

Vi-o ontem na baixa: alto, magro, bem vestido "à funcionário", cabelo bem penteado. O que me chamou a atenção foi ter percebido que levava atrás um sonho completamente nu. Nada tenho contra a nudez dos sonhos, repare-se. Frequentemente até os prefiro assim, nus e puros. Acontece que não é frequente ver sonhos desses em tipos vestidos daquela forma. São mais coisa de hippies, aspirantes a cantores ou jovens empresários. Funcionários de fato cinzento barato, gravata indescritível comprada claramente no chinês da esquina e sapatos que pareciam estar na família há quatro gerações têm habitualmente o costume de vestir os sonhos antes de saírem de casa. O sonho parecia-me confuso, meio andrógino. Percebia-se que não tinha roupa, os cabelos tanto podiam ser de homem como de mulher e seguia-o de cabeça baixa, como se ali estivesse a contragosto.

Nós videntes de sonhos não somos mais de uma dúzia e conhecemo-nos todos. Sou o único que vê pesadelos e sonhos nus. Os outros especializaram-se em sonhos «normais» (aspas porque é uma maneira de dizer. Não há sonhos anormais). Eu preferi pesadelos: de qualquer forma, a minha vida acordada tem sido uma sucessão deles; passar essa experiência para a noite e para os outros foi fácil. Todos os dias treino: no jardim aonde passear a cadela, no supermercado, no autocarro que me leva para a beira-mar. A quantidade de pessoas que tem pesadelos é muito maior do que se pensa. Já os sonhos nus, sonhos que aparecem sem roupa, vindos do nada e sem destino aparente, são raros. Não sei como fui parar a essa área tão especializada da vidência de sonhos, mas pouco me importa. Os sonhos nus intrigam-me, por vezes levam-me a querer inquirir mais sobre o sonhador que os traz a reboque mas raramente dou seguimento a esse impulso.

Tenho que chegue com os pesadelos, os meus e os dos outros. 

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