31.8.07
Variações
I
Escrevia por desprezo. Autodesprezo, quero dizer.
II
Não se suicidava por desprezo. Autodesprezo.
Escrevia por desprezo. Autodesprezo, quero dizer.
II
Não se suicidava por desprezo. Autodesprezo.
30.8.07
Penitência
Não nos devemos penitenciar pelos disparates que dizemos: é como pedir desculpa por respirar.
Palermices
Como não via televisão, dizia palermices. É mais ou menos a mesma coisa. A diferença é que a ver televisão não se chateia ninguém.
Autobiografia
Exausto demais para dormir, velho demais para a introspecção, eu procurava por mim como um cego pela paragem de autocarro, com amplos movimentos da bengala, às voltas no passeio deserto.
23.8.07
Conversas no táxi
- Cuidado, não atropele a senhora, é tão bonita...
- É verdade, é bem bonita. Há tantas, agora.
Silêncio. Um tempo. Tom sonhador:
- Ah. Se não houvesse justiça... comia-as todas. Todas.
Silêncio. Dois tempos.
- O pior é que agora há cada vez mais que sabem karaté, e essas coisas.
Um tempo.
- E eu, para a violência, não sirvo.
- É verdade, é bem bonita. Há tantas, agora.
Silêncio. Um tempo. Tom sonhador:
- Ah. Se não houvesse justiça... comia-as todas. Todas.
Silêncio. Dois tempos.
- O pior é que agora há cada vez mais que sabem karaté, e essas coisas.
Um tempo.
- E eu, para a violência, não sirvo.
O'Luains - II
O meu pub favorito não tem mulheres bonitas. Mas forçoso é reconhecer que os homens tão pouco se aproveitam.
21.8.07
Luddismo
Um bando de ludditas destrói um hectare de milho transgénico; a esquerda do costume simpatiza com eles. Já houve tempos em que a esquerda se afirmava progressista, "científica", internacional. A sua verdadeira natureza torna-se visível, de vez em quando: é (sempre foi) reaccionária, atávica, saloia, "religiosa".
Este luddismo passará, como passou o do século XIX; e outro o substituirá - se calhar, para defender os automóveis contra os aviões, vá saber-se.
Este luddismo passará, como passou o do século XIX; e outro o substituirá - se calhar, para defender os automóveis contra os aviões, vá saber-se.
19.8.07
Empreendedorismo
E ainda dizem que nos falta empreendedorismo...
O que diz Sá
Criar uma marca de vinhos e azeites de Lisboa e comercializar as amêijoas e as corvinas que se pescam no Tejo são algumas das «ideias radicais» que José Sá Fernandes está a desenvolver para aumentar as receitas da Câmara de Lisboa. O vereador eleito pelo Bloco de Esquerda diz que «é preciso ter criatividade» para fazer face às despesas do município...
Sol
Quando li, ao meu lado alguém disse logo: «Mas isso é verdade ou é no gozo?». Antes de mais, Sá Fernandes podia ir ver as condições em que são pescadas e apanhadas as espécies de que fala. Talvez fosse óptimo começar por melhorar essas condições - e isso levará outros tantos anos quantos levou a deixar as águas do Tejo naquele estado. Quanto ao vinho e ao azeite, salvo melhor opinião, julgo que chegam a Lisboa (pelo menos à Cidade de Lisboa - e julgo que é dessa que se trata) já engarrafados... Não estou a ver os olivais e as vinhas dentro da Cidade. Não conheço. Mas deve ser lapso meu, devo estar enganado, «prontos».
«Para fazer face às despesas do Município»????? Mas então vamos pôr os Serviços Municipais a cultivar vinho e azeite e a apanhar amêijoa e corvina ali no Estuário??? Que diabo deu às pessoas?
E que tal uma escola de palhaços?
(Via Carmo e Trindade)
O que diz Sá
Criar uma marca de vinhos e azeites de Lisboa e comercializar as amêijoas e as corvinas que se pescam no Tejo são algumas das «ideias radicais» que José Sá Fernandes está a desenvolver para aumentar as receitas da Câmara de Lisboa. O vereador eleito pelo Bloco de Esquerda diz que «é preciso ter criatividade» para fazer face às despesas do município...
Sol
Quando li, ao meu lado alguém disse logo: «Mas isso é verdade ou é no gozo?». Antes de mais, Sá Fernandes podia ir ver as condições em que são pescadas e apanhadas as espécies de que fala. Talvez fosse óptimo começar por melhorar essas condições - e isso levará outros tantos anos quantos levou a deixar as águas do Tejo naquele estado. Quanto ao vinho e ao azeite, salvo melhor opinião, julgo que chegam a Lisboa (pelo menos à Cidade de Lisboa - e julgo que é dessa que se trata) já engarrafados... Não estou a ver os olivais e as vinhas dentro da Cidade. Não conheço. Mas deve ser lapso meu, devo estar enganado, «prontos».
«Para fazer face às despesas do Município»????? Mas então vamos pôr os Serviços Municipais a cultivar vinho e azeite e a apanhar amêijoa e corvina ali no Estuário??? Que diabo deu às pessoas?
E que tal uma escola de palhaços?
(Via Carmo e Trindade)
18.8.07
Sincronias
O país é lento e teimoso. Infelizmente, é muito fácil ser mais rápido do que ele, e muito difícil ser mais teimoso.
O vento, a morte
Foi o princípio do fim, o crepúsculo de um dia de chuva, a luz branca da tarde a acinzentar-se para a noite, o arco a arrastar um pouco a última nota nas cordas do violino, o olhar que, sem querer, diz "adeus" quando a voz diz "boa noite", a última gota de água de um cantil no deserto; foi isso, e foi muito mais, mas não sabia como explicá-lo, porque nada disso dependeu da sua vontade.
Ns noites de lua cheia deitava-se na areia, ouvia Wagner, bebia aguardente de ameixa, pensava nas noites de Berlim - o café Einstein, a Literaturhaus, as longas deambulações pelo Ku'damm; e não sabia explicar como começou o declínio - lembrava-se vagamente de um sino a tocar, uma vaga na praia, lembrava-se de uma cor (negro, como a ausência) - mas não se lembrava de nada de concreto, uma palavra, um gesto, um cheiro.
Tudo não passou de ar, thin air, os futuros, os passados, os azuis dos dias que se dissolveram em pores-do-sol inconvenientes, deslocados, inadequados. Uma longa e esgotante sucessão de sorrisos mal explicados, de carícias vãs, de silêncios inúteis, de peles que nunca aprenderam a conhecer-se, realmente; de verdades sussurradas em línguas incompreensíveis.
"Restam-me a lua cheia, uma memória que gostaria de esvaziar o mais depressa possível, estas noites numa praia das Caraíbas, a solidão que nunca o é verdadeiramente, porque nunca estamos sozinhos, por mais que o queiramos estar: o passado é o interminável crepúsculo de um dia sem fim. Gostaria de reaprender a dormir; talvez consiga, se o vento deixar de soprar à minha porta, se levar os demónios, finalmente, como pétalas encarnadas, se se calar de uma vez por todas".
É isso: basta calar o vento, para a morte.
Ns noites de lua cheia deitava-se na areia, ouvia Wagner, bebia aguardente de ameixa, pensava nas noites de Berlim - o café Einstein, a Literaturhaus, as longas deambulações pelo Ku'damm; e não sabia explicar como começou o declínio - lembrava-se vagamente de um sino a tocar, uma vaga na praia, lembrava-se de uma cor (negro, como a ausência) - mas não se lembrava de nada de concreto, uma palavra, um gesto, um cheiro.
Tudo não passou de ar, thin air, os futuros, os passados, os azuis dos dias que se dissolveram em pores-do-sol inconvenientes, deslocados, inadequados. Uma longa e esgotante sucessão de sorrisos mal explicados, de carícias vãs, de silêncios inúteis, de peles que nunca aprenderam a conhecer-se, realmente; de verdades sussurradas em línguas incompreensíveis.
"Restam-me a lua cheia, uma memória que gostaria de esvaziar o mais depressa possível, estas noites numa praia das Caraíbas, a solidão que nunca o é verdadeiramente, porque nunca estamos sozinhos, por mais que o queiramos estar: o passado é o interminável crepúsculo de um dia sem fim. Gostaria de reaprender a dormir; talvez consiga, se o vento deixar de soprar à minha porta, se levar os demónios, finalmente, como pétalas encarnadas, se se calar de uma vez por todas".
É isso: basta calar o vento, para a morte.
15.8.07
Voltar atrás
Só valeria a pena voltar a ter vinte anos se pudesse levar a experiência toda que acumulei ao longo destes anos. Sem ela, prefiro o que sou hoje ao que era até ontem.
O país estatístico
Portugal agrava fosso entre ricos e pobres para o pior nível europeu. Deus sabe que não sou de esquerda, e todos os dias me livra disso, seja louvado e agraciado; e todos nós sabemos também que se o aumento do "fosso" entre ricos e pobres é uma consequência do crescimento da economia (se a minha "fortuna" aumentar 10% e a de Belmiro de Azevedo também, a disparidade entre nós aumenta). Mas, mesmo assim, de onde vem um aumento tão disparatado desta diferença?
Enfim, pelo menos estatisticamente fica tudo bem, já é qualquer coisa. Os leitores de estatísticas, os habitantes do país imáginário, podem descansar.
Enfim, pelo menos estatisticamente fica tudo bem, já é qualquer coisa. Os leitores de estatísticas, os habitantes do país imáginário, podem descansar.
14.8.07
Em breve, num Funchal perto de si
Transat 6,50 2007.
O Funchal acolhe a 16ª edição desta regata mágica, mítica, magnífica, que festeja este ano o seu 30º aniversário.
Há um concorrente português: Francisco Lobato (o nº 1 do ranking mundial, numa classe que conta 200 aderentes, e é extremamente competitiva).
O Funchal acolhe a 16ª edição desta regata mágica, mítica, magnífica, que festeja este ano o seu 30º aniversário.
Há um concorrente português: Francisco Lobato (o nº 1 do ranking mundial, numa classe que conta 200 aderentes, e é extremamente competitiva).
Regresso
De regresso a casa. Um pesadelo que começou no dia 4 de Julho em Salvador da Bahia chega ao fim - ou melhor, começa a deixar entrever o seu fim.
A cena chave da estadia no hospital será para sempre, creio, a do senhor que dizia: "sou do Porto, do Futebol Clube do Porto e amigo pessoal do Pinto da Costa" que, no dia em que vai ser operado e já vestido para isso, chama Bimba a uma enfermeira, porque ela vem de Bragança e fala com um chotaque carregadíchimo - e em seguida se põe à frente do espelho a pentear-se com meneios de galã italiano ds anos 60. Isto vestido com: uma bata aberta atrás, nada por baixo e meias brancas apertadíssimas até meio das coxas. Para completar a personagem: em cada duas palavras que dizia, uma era um "portismo", estivesse onde estivesse.
E, noutro registo, um diálogo instrutivo com a enfermeira-chefe, a quem digo que há ali dois ou três enfermeiros muito bons, e me responde "são todos bons". Quando lhe digo que sim (é verdade, o nivel era francamente positivo - o leque ia do muito bom ao medíocre, não chegava sequer ao mau), mas que alguns são melhores do que os outros, insiste: "São todos igualmente bons". Até quando, este medo do mérito?
Enquanto lá estive, deu-me para compilar listas de 5 (as 5 maiores dores, 5 vezes que estive perto da morte, etc.) - felizmente não tomei nota de nenhuma. E agora passou a vontade.
É bom estar em casa, ouvir Rachmaninov, Gould, Cohen ("Your pain is no credential"), Jeanne Lee, regar as plantas, passear por Cascais (andar é sempre bom, mesmo que se ande devagar) - e pensar que a cumplicidade com o safado deste corpo está para durar.
A cena chave da estadia no hospital será para sempre, creio, a do senhor que dizia: "sou do Porto, do Futebol Clube do Porto e amigo pessoal do Pinto da Costa" que, no dia em que vai ser operado e já vestido para isso, chama Bimba a uma enfermeira, porque ela vem de Bragança e fala com um chotaque carregadíchimo - e em seguida se põe à frente do espelho a pentear-se com meneios de galã italiano ds anos 60. Isto vestido com: uma bata aberta atrás, nada por baixo e meias brancas apertadíssimas até meio das coxas. Para completar a personagem: em cada duas palavras que dizia, uma era um "portismo", estivesse onde estivesse.
E, noutro registo, um diálogo instrutivo com a enfermeira-chefe, a quem digo que há ali dois ou três enfermeiros muito bons, e me responde "são todos bons". Quando lhe digo que sim (é verdade, o nivel era francamente positivo - o leque ia do muito bom ao medíocre, não chegava sequer ao mau), mas que alguns são melhores do que os outros, insiste: "São todos igualmente bons". Até quando, este medo do mérito?
Enquanto lá estive, deu-me para compilar listas de 5 (as 5 maiores dores, 5 vezes que estive perto da morte, etc.) - felizmente não tomei nota de nenhuma. E agora passou a vontade.
É bom estar em casa, ouvir Rachmaninov, Gould, Cohen ("Your pain is no credential"), Jeanne Lee, regar as plantas, passear por Cascais (andar é sempre bom, mesmo que se ande devagar) - e pensar que a cumplicidade com o safado deste corpo está para durar.
Lições de vida
"There are only three things to be done with a woman. ... You can love her, suffer for her, or turn her into literature".
Lawrence Durrell, Justine
Lawrence Durrell, Justine
Geografias e paciência
Portugal é um bocadinho de África na Europa (já a África do Sul, ao contrário, é um pedaço da Europa em África - resta saber por quanto tempo).
Essa africanidade manifesta-se de várias maneiras: o desprezo por quem está abaixo na escada social, a primazia do clã sobre a nação, a falta de um desígnio nacional; a ideia - infantil, mas compreensível num país pobre - que um bolo hoje é melhor do que dois amanhã; a importância do "chefe" e das aparências; a convicção generalizada que as coisas são o que são e que tentar melhorá-las não passa de agitação fútil; a falta de pudor, da noção de privacidade.
Mas onde ela é mais visível, mais presente, mais indelével (será? Espero que não) é na noção do tempo: não há tempo em Portugal - ou antes, o nosso tempo é africano. As coisas fazem-se quando elas quiserem ser feitas e não quando têm que; não há prazos, tudo demora uma eternidade, toda a gente corre e toda a gente anda atrasada; um mail, uma proposta, ficam semanas e semanas por abrir - tudo isto sem um pensamento que seja dedicado às consequências, claro.
Há só uma distinção, mas é grande: África absorve a diferença, todas as diferenças; Portugal expele-as, segrega anticorpos contra quem não está dentro da norma, contra quem diz o que pensa - contra quem não tem paciência...
Essa africanidade manifesta-se de várias maneiras: o desprezo por quem está abaixo na escada social, a primazia do clã sobre a nação, a falta de um desígnio nacional; a ideia - infantil, mas compreensível num país pobre - que um bolo hoje é melhor do que dois amanhã; a importância do "chefe" e das aparências; a convicção generalizada que as coisas são o que são e que tentar melhorá-las não passa de agitação fútil; a falta de pudor, da noção de privacidade.
Mas onde ela é mais visível, mais presente, mais indelével (será? Espero que não) é na noção do tempo: não há tempo em Portugal - ou antes, o nosso tempo é africano. As coisas fazem-se quando elas quiserem ser feitas e não quando têm que; não há prazos, tudo demora uma eternidade, toda a gente corre e toda a gente anda atrasada; um mail, uma proposta, ficam semanas e semanas por abrir - tudo isto sem um pensamento que seja dedicado às consequências, claro.
Há só uma distinção, mas é grande: África absorve a diferença, todas as diferenças; Portugal expele-as, segrega anticorpos contra quem não está dentro da norma, contra quem diz o que pensa - contra quem não tem paciência...
13.8.07
O país real
Nível de preços em Portugal é 20% mais baixo do que na UE-15
Ou seja, Portugal é um dos países mais caros da Europa - tal como a Suíça, a Noruega ou a Irlanda são dos mais baratos.
Ou seja, Portugal é um dos países mais caros da Europa - tal como a Suíça, a Noruega ou a Irlanda são dos mais baratos.
12.8.07
Miguel Torga
Não acho, nunca achei, Torga muito interessante, e não percebo porque fazem dele um monumento na literatura nacional. Ou percebo, e ainda fico mais triste.
A este respeito: um post lapidar de João Gonçalves (passe a redundância) no Portugal dos Pequeninos, e um misterioso - mas muito elucidativo - comentário a um post de DBH no 31.
A este respeito: um post lapidar de João Gonçalves (passe a redundância) no Portugal dos Pequeninos, e um misterioso - mas muito elucidativo - comentário a um post de DBH no 31.
Sorte?
No meu departamento só há velhos. No departamento ao lado toda a gente é da minha idade - é a cardiologia.
Paciência
Sempre detestei a palavra "paciência"; mas após uma semana de hospital vou ficar a odiá-la profunda, visceralmente, vou exclui-la do meu vocabulário, puxar de um revólver cada vez que a ouvir, daqui em diante.
Partamos todos fazer um mundo melhor noutro lado qualquer
Recebo um SMS de uma amiga, que me diz querer ir-se embora, para a Patagónia ou para a China ou seja para onde for que não seja Portugal; recentemente falava com um burocrata de um desses institutos tentaculares, octopianos (que pena esta palavra não existir). Dizia-lhe que estava a fazer tudo para não ter que emigrar outra vez; a resposta deixou-me sem resposta: "pois eu estou a fazer tudo para me ir embora". Como seria o nosso país, se não votássemos tanto com os pés? Até um manga-de-alpaca se quer ir embora! (Infelizmente é um bem não transaccionável...)
E o pior é que muitas vezes as pessoas ficam-se pela vontade de partir - e esgotam aí a vontade de mudança.
Adenda - quem vive, claro, no "país estatístico" lê estas coisas e não tem vontade de se ir embora:
Listas de espera: «valores que não nos envergonham»
[1197] -- «Chegámos ao Governo com oito meses e meio de tempo mediano de espera e estamos neste momento com cinco meses, valores que não nos envergonham», afirmou Correia de Campos.
E o pior é que muitas vezes as pessoas ficam-se pela vontade de partir - e esgotam aí a vontade de mudança.
Adenda - quem vive, claro, no "país estatístico" lê estas coisas e não tem vontade de se ir embora:
Listas de espera: «valores que não nos envergonham»
[1197] -- «Chegámos ao Governo com oito meses e meio de tempo mediano de espera e estamos neste momento com cinco meses, valores que não nos envergonham», afirmou Correia de Campos.
Plano tecnológico, ou A ordem dos factores é arbitrária?
O governo anda a oferecer computadores gratuitamente, mas os enfermeiros do hospital onde tenho a sorte de estar (a ironia é parcial) não têm acesso à net.
A experiência, o que já foi e as portas mal fechadas
A idade ensina-nos que não devemos reaquecer o que já foi; mas também nos diz que se devem fechar as portas que ficaram mal fechadas.
Felizmente também nos ensina a distinguir o que já foi das portas mal fechadas.
Felizmente também nos ensina a distinguir o que já foi das portas mal fechadas.
Morrer a tempo
"Morreu cedo demais", ouve-se muitas vezes, na maioria dos casos em referência à idade.
Mas não tem nada a ver com a idade: só se morre precocemente se não se atingiram os objectivos que se tinham. Depois, qualquer hora é a hora certa.
Mas não tem nada a ver com a idade: só se morre precocemente se não se atingiram os objectivos que se tinham. Depois, qualquer hora é a hora certa.
11.8.07
Corpos, e proprietários
"We do not own our bodies", escreve Lawrence Durrell em Justine. É verdade: somos nós que lhes pertencemos.
Verdades que não incomodam ninguém
Aqui.
Extractos:
"Plus de 17 pays foncent, bille en tête, dans le développement de cultures intensives pour alimenter leur parc automobile, ou celui de pays plus riches. Tous les gouvernements soutiennent cette essence encore hors de prix qui pourra concurrencer le pétrole le jour où le baril dépassera les 65 dollars. En attendant cette échéance, sondons un peu plus profondément les véritables motivations de cette ruée vers l’or vert.
Question 1/ Qui trouve- t-on derrière les pompes à agrocarburants ?
En première ligne, figurent les agriculteurs à la recherche de nouveaux débouchés. Suivent les agro-industriels comme l’association des betteraviers de France, ou le groupement Passion Céréales réunissant les grands céréaliers français.
...
Question 2/ A-t-on inventé la panacée environnementale ?
Oui, mais non. Du champ au pot d’échappement, le bilan en gaz à effet de serre est plutôt bon.
...
Le revers de la médaille se trouve ailleurs.
Les gains écologiques obtenus en brûlant du pétrole végétal dans les moteurs sont en effet annulés par les impacts de la phase de production. Pour produire un litre d’agrocarburant, il faut de plusieurs décilitres à un litre de pétrole selon le rendement de la plante (pour les engrais et/ou les pesticides, le transport, les machines agricoles…). « La production de biocarburants de première génération consomme de l’énergie fossile en quantité importante depuis la culture jusqu’à la livraison au dépôt de carburants », ...
Question 3/ Peuvent-ils être à l’origine d’un boom économique ?
Dans un premier temps, oui.
...
En Europe, on évoque de 45 000 à 75 000 emplois. Mais les agrocarburants ne sont pas rentables pour l’instant. Partout, les Etats sont contraints de mettre la main au portefeuille afin de les présenter sur le marché à un prix abordable. ...
Extractos:
"Plus de 17 pays foncent, bille en tête, dans le développement de cultures intensives pour alimenter leur parc automobile, ou celui de pays plus riches. Tous les gouvernements soutiennent cette essence encore hors de prix qui pourra concurrencer le pétrole le jour où le baril dépassera les 65 dollars. En attendant cette échéance, sondons un peu plus profondément les véritables motivations de cette ruée vers l’or vert.
Question 1/ Qui trouve- t-on derrière les pompes à agrocarburants ?
En première ligne, figurent les agriculteurs à la recherche de nouveaux débouchés. Suivent les agro-industriels comme l’association des betteraviers de France, ou le groupement Passion Céréales réunissant les grands céréaliers français.
...
Question 2/ A-t-on inventé la panacée environnementale ?
Oui, mais non. Du champ au pot d’échappement, le bilan en gaz à effet de serre est plutôt bon.
...
Le revers de la médaille se trouve ailleurs.
Les gains écologiques obtenus en brûlant du pétrole végétal dans les moteurs sont en effet annulés par les impacts de la phase de production. Pour produire un litre d’agrocarburant, il faut de plusieurs décilitres à un litre de pétrole selon le rendement de la plante (pour les engrais et/ou les pesticides, le transport, les machines agricoles…). « La production de biocarburants de première génération consomme de l’énergie fossile en quantité importante depuis la culture jusqu’à la livraison au dépôt de carburants », ...
Question 3/ Peuvent-ils être à l’origine d’un boom économique ?
Dans un premier temps, oui.
...
En Europe, on évoque de 45 000 à 75 000 emplois. Mais les agrocarburants ne sont pas rentables pour l’instant. Partout, les Etats sont contraints de mettre la main au portefeuille afin de les présenter sur le marché à un prix abordable. ...
CML
O segundo lugar de Carmona Rodrigues nas eleições para a CML foi-me penosamente incompreensível. Como é que se vota numa pessoa que deixou Lisboa - das ruas e serviços às contas - no estado em que estão é um mistério que diz mais sobre o povo português (ou pelo menos sobre a parte desse povo que vive em Lisboa) do que milhares de tratados de psicologia colectiva.
Hoje vê-se uma notícia destas, e o pasmo, em vez de diminuir, aumenta: a CML tem 11,000 (onze mil!) funcionários, está na bancarrota absoluta, e o senhor preparava-se para contractar mais 513 funcionários...
Hoje vê-se uma notícia destas, e o pasmo, em vez de diminuir, aumenta: a CML tem 11,000 (onze mil!) funcionários, está na bancarrota absoluta, e o senhor preparava-se para contractar mais 513 funcionários...
What Went Wrong
Juntem-se dois, três ou dez portugueses e mais tarde ou mais cedo (normalmente mais cedo, logo a seguir ao futebol), o tema da conversa é Portugal.
Andamos sempre à procura do que correu mal, e nada muda. Pela razão simples que nada pode mudar: nada "correu mal" com Portugal; sempre fomos o que hoje somos: um país pobre, triste, onde é melhor gastar dinheiro do que ganhá-lo, nas mãos de elites e de políticos que têm pela frente um povo que resolve os seus problemas emigrando (o que não critico, repare-se - por um lado estaria mal colocado, por outro parece-me uma forma tão válida como outra qualquer melhorar a situação de cada um).
É óbvio que amanhã será melhor do que hoje, e pior do que depois de amanhã - e isto chega. É a versão nacional do Panem et Circenses.
Andamos sempre à procura do que correu mal, e nada muda. Pela razão simples que nada pode mudar: nada "correu mal" com Portugal; sempre fomos o que hoje somos: um país pobre, triste, onde é melhor gastar dinheiro do que ganhá-lo, nas mãos de elites e de políticos que têm pela frente um povo que resolve os seus problemas emigrando (o que não critico, repare-se - por um lado estaria mal colocado, por outro parece-me uma forma tão válida como outra qualquer melhorar a situação de cada um).
É óbvio que amanhã será melhor do que hoje, e pior do que depois de amanhã - e isto chega. É a versão nacional do Panem et Circenses.
Portugal - 20 Anos de Integração Europeia
O Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu e a Representação da Comissão Europeia em Portugal editaram um livro, com o título acima, com estatísticas sobre a evolução dos mais diversos parâmetros em Portugal nestes últimos 20 anos.
O livro é instrutivo, muito. Por um lado, porque temos frequentemente tendência a esquecermo-nos de onde viemos; por outro porque nos permite avaliar qual será o nosso futuro.
Há uma coisa que salta imediatamente aos olhos: Portugal acompanhou a evolução europeia; as curvas que devem subir sobem, as que devem descer descem - mas, salvo raríssimas e notáveis excepções (como as auto-estradas ou a mortalidade infantil), a nossa posição relativa manteve-se - se estávamos atrás da Europa (ou, nalguns gráficos , de Irlanda, Espanha e Grécia) há vinte anos, hoje atrás estamos; mais ou menos afastados, com maior ou menor "convergência", o lugar relativo é - quase sempre - o mesmo. Isto é, o dinheiro que recebemos serviu para ficarmos onde estávamos, o que já não é mau - se o não tivéssemos recebido estaríamos pior.
O futuro não deverá ser muito diferente: com um povo pouco exigente, que emprenha pelos ouvidos e tem, historicamente, uma maneira simples de resolver a sua situação, emigrando; com elites e uma classe política que vivem num paraíso (e desprezam o povo, mas isso é outra história), não há razão nenhuma para que o nosso lugar relativo mude - mesmo que continuemos, e espero bem que sim, a acompanhar os de "lá fora".
O livro é instrutivo, muito. Por um lado, porque temos frequentemente tendência a esquecermo-nos de onde viemos; por outro porque nos permite avaliar qual será o nosso futuro.
Há uma coisa que salta imediatamente aos olhos: Portugal acompanhou a evolução europeia; as curvas que devem subir sobem, as que devem descer descem - mas, salvo raríssimas e notáveis excepções (como as auto-estradas ou a mortalidade infantil), a nossa posição relativa manteve-se - se estávamos atrás da Europa (ou, nalguns gráficos , de Irlanda, Espanha e Grécia) há vinte anos, hoje atrás estamos; mais ou menos afastados, com maior ou menor "convergência", o lugar relativo é - quase sempre - o mesmo. Isto é, o dinheiro que recebemos serviu para ficarmos onde estávamos, o que já não é mau - se o não tivéssemos recebido estaríamos pior.
O futuro não deverá ser muito diferente: com um povo pouco exigente, que emprenha pelos ouvidos e tem, historicamente, uma maneira simples de resolver a sua situação, emigrando; com elites e uma classe política que vivem num paraíso (e desprezam o povo, mas isso é outra história), não há razão nenhuma para que o nosso lugar relativo mude - mesmo que continuemos, e espero bem que sim, a acompanhar os de "lá fora".
7.8.07
Futebol
Começo a descobrir um sério ponto positivo no futebol: é a melhor maneira de evitar uma conversa que não me apetece.
Inferno
O inferno não são os outros. O inferno é a televisão. Quando se apaga a coisa, que esteve a grasnar a tarde toda, quase tudo se torna suportável.
Uma surpresa
Para escrever o post abaixo procurei aqui no Don Vivo a história de Rupert, o senhor do S/Y "Waffen von Wuppertal" que atravessou de Lisboa para Ponta Delgada com duas costelas partidas.
Tenho a certeza que já aqui falei dele, da sua cara branca, transparente, quando o vi chegar a Ponta Delgada e mal se podia mexer para a manobra; da expressão da mulher, que também andava pelos setenta e tal, aflita pois não estava habituada a ajudar no convés (o Rupert tinha-lhe instalado um fogão eléctrico, daqueles domésticos, de 220 volts, "porque ela não sabe cozinhar a gás e foi a única coisa que me pediu para vir comigo" (viviam a bordo, era a maneira de passarem a reforma).
Utilizei todos os temas de procura possíveis e imaginários e não encontrei. Nem com "dores alucinantes".
Tenho a certeza que já aqui falei dele, da sua cara branca, transparente, quando o vi chegar a Ponta Delgada e mal se podia mexer para a manobra; da expressão da mulher, que também andava pelos setenta e tal, aflita pois não estava habituada a ajudar no convés (o Rupert tinha-lhe instalado um fogão eléctrico, daqueles domésticos, de 220 volts, "porque ela não sabe cozinhar a gás e foi a única coisa que me pediu para vir comigo" (viviam a bordo, era a maneira de passarem a reforma).
Utilizei todos os temas de procura possíveis e imaginários e não encontrei. Nem com "dores alucinantes".
Voltar atrás
A marinha - e particularmente a marinha antiga - está cheia de mitos, tabus, superstições e manias. A maior parte deles fazem sentido, ou têm uma justificação racional: não se larga a uma sexta-feira porque era o dia de salário dos marinheiros, e se o navio largasse nesse dia não teria metade da tripulação a bordo; e não se levam flores (ou plantas verdes, por extensão) para bordo pela razão óbvia que a água doce é um bem escasso. O tabu do "coelho" - em certas marinhas, como a francesa, a simples menção da palavra é proibida - também se explica: no tempo em que os navios eram em madeira, um coelho podia levá-los ao fundo em meia-dúzia de semanas.
Há duas manias de que gosto particularmente no mar - e que são por vezes antagónicas. Uma é a da preparação (não é bem uma mania, é mais uma necessidade imperiosa): navegar é antecipar, e uma viagem prepara-se ao pormenor; desde a comida ao material, das rotas aos portos alternativos, da roupa ao combustível, tudo tem que ser calculado (em geral com uma boa margem de segurança), previsto, pesado, e as decisões tomadas não só em função do que é hoje, mas também do que pode ser amanhã.
A outra é que não se volta para trás (isto é, para o porto de onde acabou de se largar). Tenho inúmeras histórias que ilustram uma e outra, algumas passadas comigo, outras com amigos: a de Rupert, um senhor de setenta e tal anos que navegava com a mulher e que um dia, à saída da barra de Lisboa partiu uma costela, ou duas, creio - e que mesmo assim continuou até Ponta Delgada, sete dias de dores alucinantes (já me aconteceu o mesmo, uma vez a caminho das Canárias, e sei como são, essas dores), porque "não gosto de voltar para trás". Ou Hervé, que mais tarde viria a trabalhar para mim, nos Açores: partiu o leme do seu Muscadet a um dia das Canárias mas preferiu continuar até ao Brasil (aterrou em Fernando Noronha) - uma travessia do Atlântico sozinho num bote daqueles já é difícil, imaginem com um leme improvisado.
Já me aconteceu sair de Cherbourg num barco que não estava preparado nem para ir para a doca ao lado - e a viagem que fiz até Dunkerke foi fascinante: tudo o que podia correr mal correu pior, e nada do que poderia ter corrido bem durou mais do que meia dúzia de horas.
A verdade é que não se começa uma viagem sem estar preparado - mas se por acaso se começa, ou se algo acontece, não se volta para trás. Vai-se até ao fim.
Podem retorquir que o meu respeito pelas regras é relativo, sempre foi, e que se estou vivo é - por exemplo - porque quando largamos de Nakhodka e o navio começou a meter água às toneladas o comandante, contra a opinião do imediato, decidiu voltar para trás. Tivemos que encalhar para não ir ao fundo, numa água que estava a dois graus negativos.
Mas a verdade é que se a viagem começou, acaba-se, se possível no porto de destino - ou pelo menos num porto diferente daquele de que se largou.
Há duas manias de que gosto particularmente no mar - e que são por vezes antagónicas. Uma é a da preparação (não é bem uma mania, é mais uma necessidade imperiosa): navegar é antecipar, e uma viagem prepara-se ao pormenor; desde a comida ao material, das rotas aos portos alternativos, da roupa ao combustível, tudo tem que ser calculado (em geral com uma boa margem de segurança), previsto, pesado, e as decisões tomadas não só em função do que é hoje, mas também do que pode ser amanhã.
A outra é que não se volta para trás (isto é, para o porto de onde acabou de se largar). Tenho inúmeras histórias que ilustram uma e outra, algumas passadas comigo, outras com amigos: a de Rupert, um senhor de setenta e tal anos que navegava com a mulher e que um dia, à saída da barra de Lisboa partiu uma costela, ou duas, creio - e que mesmo assim continuou até Ponta Delgada, sete dias de dores alucinantes (já me aconteceu o mesmo, uma vez a caminho das Canárias, e sei como são, essas dores), porque "não gosto de voltar para trás". Ou Hervé, que mais tarde viria a trabalhar para mim, nos Açores: partiu o leme do seu Muscadet a um dia das Canárias mas preferiu continuar até ao Brasil (aterrou em Fernando Noronha) - uma travessia do Atlântico sozinho num bote daqueles já é difícil, imaginem com um leme improvisado.
Já me aconteceu sair de Cherbourg num barco que não estava preparado nem para ir para a doca ao lado - e a viagem que fiz até Dunkerke foi fascinante: tudo o que podia correr mal correu pior, e nada do que poderia ter corrido bem durou mais do que meia dúzia de horas.
A verdade é que não se começa uma viagem sem estar preparado - mas se por acaso se começa, ou se algo acontece, não se volta para trás. Vai-se até ao fim.
Podem retorquir que o meu respeito pelas regras é relativo, sempre foi, e que se estou vivo é - por exemplo - porque quando largamos de Nakhodka e o navio começou a meter água às toneladas o comandante, contra a opinião do imediato, decidiu voltar para trás. Tivemos que encalhar para não ir ao fundo, numa água que estava a dois graus negativos.
Mas a verdade é que se a viagem começou, acaba-se, se possível no porto de destino - ou pelo menos num porto diferente daquele de que se largou.
6.8.07
Os ursinhos brancos e o aquecimento
Sala de espera no aeroporto. Inevitavelmente, uma televisão passa um documentário sobre os ursos brancos. Vão desaparecer, coitados, por causa do calor.
Pergunto a mim mesmo - e já agora pergunto também a quem saiba - por quantos aquecimentos terrestres já passaram os ursos desde que são ursos.
No século XVII, por exemplo, um navegador português chamado David Melgueiro ligou o Japão a Portugal pelo norte; no século XIX - e menos polemicamente - o navegador finlandês Nils Nordesskjöld fez a mesma coisa.
Se cada ciclo climatérico acarretasse a hecatombe que nos anunciam, já só haveria baratas.
Pergunto a mim mesmo - e já agora pergunto também a quem saiba - por quantos aquecimentos terrestres já passaram os ursos desde que são ursos.
No século XVII, por exemplo, um navegador português chamado David Melgueiro ligou o Japão a Portugal pelo norte; no século XIX - e menos polemicamente - o navegador finlandês Nils Nordesskjöld fez a mesma coisa.
Se cada ciclo climatérico acarretasse a hecatombe que nos anunciam, já só haveria baratas.
4.8.07
Nunca mais, ou O Martelo do Tempo
Um dia saí de La Chaux-de-Fonds acompanhado por uma jovem, bonita e muito burra senhora. Das duas primeiras qualidades apercebi-me rapidamente; da última demorei um bocadinho mais.
Íamos para a Grécia, era Fevereiro e em la Chaux-de-Fonds tinha nevado como há muito não se via (nessa altura, os jornais alertavam-nos para o arrefecimento terrestre, e provavelmente por causa disso fazia um frio de rachar).
Chegámos a Atenas no dia seguinte a um grande tremor de terra que lá houve, por volta de 81 ou 83, não me lembro com exactidão. Lembro-me contudo perfeitamente que a jovem passava as noites a acordar-me por causa dos "tremores de terra"; e eu respondia-lhe, invariavelmente, "cala-te e dorme".
Eu quero deixar aqui bem expresso, claro, explícito que nunca, nunca mais, nunca nunca mais, direi a senhoras, sejam elas jovens, menos burras ou mais, "cala-te e dorme". Nunca mais.
PS - Foi em 1981.
Íamos para a Grécia, era Fevereiro e em la Chaux-de-Fonds tinha nevado como há muito não se via (nessa altura, os jornais alertavam-nos para o arrefecimento terrestre, e provavelmente por causa disso fazia um frio de rachar).
Chegámos a Atenas no dia seguinte a um grande tremor de terra que lá houve, por volta de 81 ou 83, não me lembro com exactidão. Lembro-me contudo perfeitamente que a jovem passava as noites a acordar-me por causa dos "tremores de terra"; e eu respondia-lhe, invariavelmente, "cala-te e dorme".
Eu quero deixar aqui bem expresso, claro, explícito que nunca, nunca mais, nunca nunca mais, direi a senhoras, sejam elas jovens, menos burras ou mais, "cala-te e dorme". Nunca mais.
PS - Foi em 1981.
Talento, literatura et al.
Transformar tudo isto em literatura exigiria demasiado talento - o qual, como sabes, é sinónimo de esforço, de compulsão ou de uma mistura do dois.
É tarde; há muito não tenho um dia tão bom (o que não significa sem problemas, mas sim que eles ficaram escondidos, camuflados - embuscados, dirias na tua linguagem militar). Bebi um bom espumante na praia do Tamariz, jantei um magnífico jantar no Refúgio, bebi um Alexander razoável no Picadilly, oiço Rostropovich tocar as Suites para Violoncelo de Bach e posso, finalmente, escrever-te - que se f... a literatura.
É tarde; há muito não tenho um dia tão bom (o que não significa sem problemas, mas sim que eles ficaram escondidos, camuflados - embuscados, dirias na tua linguagem militar). Bebi um bom espumante na praia do Tamariz, jantei um magnífico jantar no Refúgio, bebi um Alexander razoável no Picadilly, oiço Rostropovich tocar as Suites para Violoncelo de Bach e posso, finalmente, escrever-te - que se f... a literatura.
3.8.07
"Un bon deal"
«la Libye a obtenu dans cette affaire [enfermeiras búlgaras] "un bon deal"», diz Saïf al-Islam, filho de Khadafi. É assim que se reconhecem os grandes homens de Estado: 6 inocentes - Pour Saïf Al-Islam, qui dit avec une grande tranquillité qu'il n'a pas cru en la culpabilité des infirmières bulgares ("elles ont malheureusement servi de boucs émissaires") - presos durante 8 anos, torturados, vilipendiados, usados como moeda de troca - e o filho do palhaço presidente desse grande país que é a Líbia diz que "foi um bom negócio".
1.8.07
Fragmento
"...je connnais Zadar. J'y ai squatté un bateau, joué à la moedinha et fait l'une des deux photos de regards méprisants que j'ai gardées (l'autre fut prise en Algarve, sur la route de Monchique).
J'aimais le port et son brise-lames, long et bas sur l'eau, le coucher du soleil et un restaurant oú je mangeais de l'agneau grillé à la terrasse, en terre battue et couverte d'arbres.
J'ai gagné plusieurs jeux, ce qui ma valu une cuite mémorable - et le regard. J'ai detesté les gens.
Amuse-toi bien."
J'aimais le port et son brise-lames, long et bas sur l'eau, le coucher du soleil et un restaurant oú je mangeais de l'agneau grillé à la terrasse, en terre battue et couverte d'arbres.
J'ai gagné plusieurs jeux, ce qui ma valu une cuite mémorable - et le regard. J'ai detesté les gens.
Amuse-toi bien."
Diálogos imaginários
- Ah, se eu pudesse e você quisesse... - disse ele;
- Duas condições difíceis de preencher - respondeu ela.
- Duas condições difíceis de preencher - respondeu ela.
Vocabulário náutico, biografias e hubris
Nunca fui muito dado à leitura de biografias, ou - ainda menos - auto-biografias: sempre pensei ser melhor vivê-las do que lê-las.
Pela mesma razão nunca tive grandes heróis, e ainda hoje, depois das inúmeras pancadas do martelo do tempo me terem feito mudar de atitude, não é com facilidade que escolho um herói, um modelo, ou que assumo ser "fã" de quem quer que se seja.
Uma das raras excepções é, claro, Eric Tabarly. Não o conheci pessoalmente mas - e era uma das suas grandes qualidades, acolher toda a gente a bordo - naveguei com muitos dos seus tripulantes.
Há uma diferença, só uma, entre "pairar" e "derivar": pairar é uma situação voluntária, e derivar não. Um navio pode "pairar" por muitas e variadas razões - desde reparar uma máquina até (na marinha de recreio, claro), permitir um almoço tranquilo ou um banho no mar alto à tripulação. Já a deriva resulta de um acidente.
Durante a sua primeira Transat (uma regata em solitário, numa época em que a tecnologia da navegação em solitário não era o que é hoje), Eric Tabarly decidiu abandonar a prova. Estava a algumas centenas de milhas da chegada, não havia vento, tinha passado dias sem dormir devido a uma tempestade - resumindo: arreou pano e foi dormir.
Meia dúzia de horas depois acordou, e mudou de opinião: passo alguns pormenores, mas içou o pano, certificou-se da posição, e reentrou na regata.
Ganhou. Não, a meu ver, apesar de ter dormido meia-dúzia de horas, mas por causa delas. Às vezes é preciso saber pairar, e - sobretudo - saber recomeçar. É uma questão de auto-confiança, de hubris. Não estamos nisto para participar...
Nunca estive à deriva. Mas já pairei algumas vezes - em terra, claro; no mar já me aconteceu algumas vezes ficar à deriva, felizmente por curtos períodos e sem consequências de maior..
Cioran tem um aforismo magnífico cuja ideia geral é - de memória - "é espantoso que a perspectiva de ter um biógrafo não impeça ninguém de viver". Tabarly não lia Cioran. E agora, que a perspectiva de ter um biógrafo está definitivamente afastada - Allah u Aqbar - apercebo-me, uma vez mais, da sorte que tenho: ser capaz de acordar, içar pano, continuar a regata - e não ter uma biografia.
Pela mesma razão nunca tive grandes heróis, e ainda hoje, depois das inúmeras pancadas do martelo do tempo me terem feito mudar de atitude, não é com facilidade que escolho um herói, um modelo, ou que assumo ser "fã" de quem quer que se seja.
Uma das raras excepções é, claro, Eric Tabarly. Não o conheci pessoalmente mas - e era uma das suas grandes qualidades, acolher toda a gente a bordo - naveguei com muitos dos seus tripulantes.
Há uma diferença, só uma, entre "pairar" e "derivar": pairar é uma situação voluntária, e derivar não. Um navio pode "pairar" por muitas e variadas razões - desde reparar uma máquina até (na marinha de recreio, claro), permitir um almoço tranquilo ou um banho no mar alto à tripulação. Já a deriva resulta de um acidente.
Durante a sua primeira Transat (uma regata em solitário, numa época em que a tecnologia da navegação em solitário não era o que é hoje), Eric Tabarly decidiu abandonar a prova. Estava a algumas centenas de milhas da chegada, não havia vento, tinha passado dias sem dormir devido a uma tempestade - resumindo: arreou pano e foi dormir.
Meia dúzia de horas depois acordou, e mudou de opinião: passo alguns pormenores, mas içou o pano, certificou-se da posição, e reentrou na regata.
Ganhou. Não, a meu ver, apesar de ter dormido meia-dúzia de horas, mas por causa delas. Às vezes é preciso saber pairar, e - sobretudo - saber recomeçar. É uma questão de auto-confiança, de hubris. Não estamos nisto para participar...
Nunca estive à deriva. Mas já pairei algumas vezes - em terra, claro; no mar já me aconteceu algumas vezes ficar à deriva, felizmente por curtos períodos e sem consequências de maior..
Cioran tem um aforismo magnífico cuja ideia geral é - de memória - "é espantoso que a perspectiva de ter um biógrafo não impeça ninguém de viver". Tabarly não lia Cioran. E agora, que a perspectiva de ter um biógrafo está definitivamente afastada - Allah u Aqbar - apercebo-me, uma vez mais, da sorte que tenho: ser capaz de acordar, içar pano, continuar a regata - e não ter uma biografia.
Epifanias fúteis
De repente, a combinação "fato cinzento escuro, camisa azul clara e gravata" parece-me sinistra. Muitas pessoas juntas assim vestidas são uma antologia do horror. E no verão, uma prova de que o mau gosto não tem - por onde andas, meu Deus? - limites.
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