2.7.11

Sesta

Comecemos então pelo princípio, porque foi lá que tudo começou. Imaginemos que foi assim: 

- Vais dormir a sesta? - Perguntou-me.
- Vou.
- Posso ir contigo?
- Podes.

Foi assim que tudo começou.

Era domingo, eu estava sozinho em Paris e convidei Pauline para almoçar. Não a conhecia muito bem: tinha estado com ela em Lisboa uns meses antes, a pedido de uma amiga comum. Fomos a uma brasserie perto do hotel onde costumava ficar. Gosto de todas as cervejarias francesas, mas desta gostava ainda mais: era muito antiga e o primeiro piso tinha uma grande abertura oval para o rés-do-chão. Nada me impressiona mais do que a rapidez a que tudo acontece nas brasseries; e visto de cima o quadro era ainda mais alucinante. Quando acabámos de almoçar Pauline propôs-me um passeio pela quarteirão, que ela conhecia muito bem. Disse-lhe que não: "Obrigado. Está na hora da sesta. Vou para o hotel. Se quiseres encontramo-nos mais tarde".

Nessa altura ia a Paris duas vezes por mês. Um dia, muito mais tarde, fui para o aeroporto e vi Pauline na fila para o check in. "Vou contigo para Lisboa. Deixei o meu emprego e vou deixar o apartamento da Rue St.-Denis. Não quero viver em Paris. Podes acolher-me em tua casa uns dias? A única maneira de deixar de te amar é viver contigo". Ficou seis meses, talvez mais. Os amores que começam com uma sesta resistem muito tempo, mesmo à vida em comum.

Depois foi para Chicago, creio.

Dito assim não faz sentido. Nada faz sentido quando não se conhecem os pormenores. Muitas coisas se passaram pelo meio: acabei com a R., uma decisão dolorosa; desempreguei-me; passei uma semana em casa de Pauline - enfim, devia ter sido uma semana, mas foram quatro dias. Ela pediu-me para ir para um hotel, porque estava "a começar a sentir uma sombra de amor" por mim. Foi no fim dessa semana que a vi no aeroporto. "A única maneira de deixar de te amar é viver contigo".

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