29.8.21

Diário de Bordos - Vilamoura, Algarve, Portugal, 29-08-2021

A marina de Vilamoura está cheia de gente. É uma espécie de centro comercial gigante com um food court hipertrofiado. Noventa e nove por cento destas pessoas nunca viu um barco a menos de vinte metros. Do um por cento que resta, não vale a pena falar. Pouco me interessam, na verdade, tanto uns como outros. Cansado de andar entrei num bar. Apetecia-me um cocktail. A música é pavorosa, mas sair implica meter-me de novo no meio desta mole de gente feia, gorda e barulhenta. A minha agorafobia - que de resto sempre foi ligeira - não se tem manifestado. Obrigado à Covid. No mesmo bar mas do outro lado da rua um bando de adolescentes (creio, a julgar pelas vozes) canta karaoke. A mistura é insustentável. Prefiro a multidão, que de resto começa a diminuir.

O bar seguinte tem um senhor da minha idade a cantar. Podia fazê-lo pior,  verdade seja dita, apesar de não ser muito entusiasmante. Mas já só tem dez minutos e pode ser que tenham rum. Já me conformei a ideia de que vou passar a noite aqui. Perdi um soberbo dia de vela. Neste negócio aprende-se depressa a não nos chatearmos com o que não reage à nossa chatice. A quantidade de factores que não controlamos é de longe mais vasta do que aqueles sobre os quais temos algum poder. E praticamente nenhum deles reage àquilo que sentimos. Mais vale quedarmo-nos quedos e pensar neste Verão, está quase a acabar. Onde estaremos, quando ele acabar? 

Descobre-se que o Verão está a acabar quando pela primeira vez temos de nos tapar à noite. É um choque. Não foi hoje. A música acabou. Acabo o mojito e vou para bordo. Os passageiros vão chegar daqui por uma hora ou duas. Chego ao fim da vida a perguntar-me o que é ser marinheiro. Crise tardia de identidade? Ainda tenho muito tempo pela proa para encontrar a resposta, decido. Não controlamos a ponta de um chavelho e controlamos afincadamente a ponta do chavelho que nos escapa. Não tenho poder nenhum sobre o vento, mas tenho sobre o que fazer para o aproveitar. Quem diz vento diz corrente, profundidade, marinas de merda ou bares idem.

(Por que raio de carga de água anda tanta gente de máscara? Não terão vergonha, estes palermóides?)

Estou em carne viva outra vez. Suporto-me melhor na versão urso. Sou mais pesado para os outros e mais leve para mim. Infelizmente nunca duram muito, esses episódios. Ando sempre a esfolar-me.

Outro mojito e vou para bordo. É preciso dar tempo ao Verão para acabar em paz. 

Adenda: alguém pode iniciar uma petição para acabar com a merda das palhinhas nas bebidas? Que leva estes gajos a pensar que tenho seis anos? Não lhes falo senão para pedir a bebida...

1 comentário:

  1. Caro Luís,

    Venho aqui repetir um comentário que deixei alguns textos atrás, imaginando que talvez não o tenha visto.

    Tornei-me leitor do seu blog há pouco tempo, mas fiquei com muita vontade de lhe fazer chegar um livro de poemas que estou prestes a publicar.

    Se quiser contactar-me para me dizer para onde posso mandar-lhe o livro, deixo-lhe aqui o meu email: sbc666@gmail.com

    Bons bordos,

    Sebastião Belfort Cerqueira

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.