30.5.05

Serviço Público

É para coisas destas que serve a blogosfera (que palavra horrível!). Apesar de achar que não está ao nível do melhor de Medina Carreira, vale a pena ler.

Obrigado ao Insurgente.

PS - E para estas. Um texto a ler absolutamente do Semiramis.

28.5.05

"Shall I at least set my lands in order?"

"I read, much of the night, and go south in the winter." Durante muito tempo não sabíamos que este verso magnífico era do T. S. Eliot. Éramos crianças. Lêmo-lo pela primeira vez num livro do Pepe Carvalho, coitado. O que ele nos fez sonhar, lembras-te? A primeira parte não tanto: ler, much of the night, era o que fazíamos, antes ou depois do amor; mas viajar para sul no inverno - perguntávamo-nos se iríamos de comboio, de paquete, num grande Rolls-Royce com chauffeur fardado a rigor.

Tu tinhas fugido de casa para vir ter comigo. "Fugido de casa", dizias. Um dia descobriste que não era uma casa: tu fugiras "para" uma casa. Nunca tiveste casa, na verdade. E não é agora que a vais ter, pois não? Verdade é que nunca te dei uma: o nosso deserto, já há muito o trazia comigo. Vieste para sul, para vir ter comigo, e passaste uma noite num avião, mais uma noite na rua, mais milhares de noites em todas as ruas do mundo.

Um dia descobrimos "The Waste Land". E não se passava um dia que não abríssemos o livro ao acaso e recitássemos uma linha ou uma estrofe: "The sea was calm, your heart would have responded / Gaily, when invited, beating obedient / to controling hands". Não sabíamos ainda que o nosso amor viria a ser ele-mesmo uma waste land, um desperdício de afecto, de tempo, de olhares e das carícias que trocávamos nos sítios mais inesperados, cada instante que passávamos juntos.

"Shall I at least set my lands in order?"

"Who is the third who walks always beside you?
When I count, there are only you and I together,
...
But who is that on the other side of you?
"

Tens um outro lado, sempre, uma terra algures, inacessível - mesmo para ti, ela é inacessível. E tens alguém, também, que nunca te larga. Ainda não descobriste quem é - simples questão de tempo, não? Tempo - tanto tempo; e terra - é por isso que anseias, não é?, terra, simples terra, uma terra, pouca terra, para te enterrares de vez, para te esqueceres do que há para lá da terra.

Não te podia dar o que queres, tempo e terra - não os tinha nem para mim, que fazer? Dava-te um corpo, e era um corpo bonito, o meu, gostavas dos meus seios, lembras-te, do meu ventre liso, das minhas pernas intermináveis, das minhas dúvidas, dos meus medos. Gostavas de tudo em mim, mas que podia eu dar-te mais do que aquilo de que tu gostavas, o que na realidade querias, sem saber? Quem tem sede não pode dar água, quem tem fome não pode dar pão, quem é cego não pode dar luz.

Acabaste por partir: "And I will show you something diferent from either
Your shadow at morning striding behind you
Or your shadow at evening rising to meet you;
I will show you fear in a handful of dust
".

Suportavas os meus medos, mas não suportaste os teus, num punhado de pó.

26.5.05

Constatação

Sem ti, o mundo não é duro, frio, seco, cruel, desumano. Nada disso: é simplesmente desinteressante.

Uma boa notícia?

Talvez, mas não para os refugiados.

ANTÓNIO GUTERRES...
[646] -- ...é o novo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Independentemente do ângulo de abordagem, trata-se de uma boa notícia.

"Pero nunca había silencio en realidade"*

O dia chegou ao fim e pousou - delicada, quase involuntariamente - um toro de madeira exótica na praia. Traz um homem agarrado, exausto. Está na água há muito tempo, vê-se pela roupa, esfarrapada, pela pele, carcomida, macilenta, estriada por uma longa estadia no mar. O homem está cansado mas inteiro - as gaivotas não lhe comeram os olhos, nem os tubarões as pernas.

Conseguirá andar, agora em terra firme?

- Não andei à deriva - explica. - Era a esta praia que queria chegar. Mas devia ter chegado há muito, muito tempo.

A praia chama-se Guincho. Fica a sul do Cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa Continental, o ponto que desta fica mais perto do meio do mar. O homem conhece a praia: dela saíu há anos, redonda como um ventre grávido, ventosa como um dia de raiva. Ainda sabe andar, verifica com satisfação: a água salgada não o dissolveu. Mal se tem nas pernas, mal suporta a luz, mas consegue andar, e ver.

Pensa que não tem passado, e que não há ninguém que o não tenha. "Trago comigo o passado como um saco vazio que levasse ao ombro". Sabe que tem família, algures, e amigos, que alguém ali perto o conhece. O ar está quente, imóvel, denso. "Hoje não há vento", pensa. "Só este calor, apaziguante".

Avança pela praia sem olhar para trás.

- É bom saber que ainda posso andar, e ver. Tenho as duas pernas, os dois olhos, e não tenho memória (ou ela não tem peso, ou ela pesa tanto que não se sente). Só vejo para a frente - do passado, só a sombra que à minha frente se projecta, esfarrapada e nua. Eu fui aquilo, mas agora sou outro, pior e melhor, mais velho e mais novo.


* - Antonio Muñoz Molina, in "Ventanas de Manhattan", Seix Barral, etc.

Reflexão

Meu caro,

Acusar um político de incoerência é a mesma coisa que acusar a água de ser líquida, ou o ar gasoso.

Atenhamo-nos ao discurso deles hoje, coitados. Que pensa, ou diz, você, hoje, daquilo que ele diz (on s'en fout de ce qu'il pense, si tant est qu'il pense) hoje?

23.5.05

Está na hora

Só depois de encontrarmos o nosso destino sabemos se fomos, ou seremos, dignos dele.

(PS - No dia em que se encontraram o choque foi frontal e não houve sobreviventes.)

19.5.05

Já agora

El Enamorado

LUNAS, marfiles, instrumentos, rosas,
lámparas y la línea de Durero,
las nueve cifras y el cambiante cero,
debo fingir que existen esas cosas.
Debo fingir que en el pasado fueron
Persépolis y Roma y que una arena
sutil midió la suerte de la almena
que los siglos de hierro deshicieron.
Debo fingir las armas y la pira
de la epopeya y los pesados mares
que roen de la tierra los pilares.
Debo fingir que hay otros. Es mentira.
Sólo tú eres. Tú, mi desventura
y mi ventura, inagotable y pura




Borges, claro.

Pois

O dia chega ao fim como um papel de rebuçado empurrado pelo vento; está sol e calor - o verão está, decididamente, a bater à porta, e nós vamos abri-la, em grande, portas e janelas para que ele entre todo em nós, como o ar da Primavera daquele poema do Baudouin, lembras-te "Mais l'air du printemps est une chose souple et tendre. / Les pores s'ouvrent et il rentre en nous / et nous, nous nous répandons délicieusement en lui"?

Hoje trabalhei muito, e o resultado do meu esforço - de hoje, ontem, de uma vida ou duas - está, finalmente, à vista; depois fui àquela esplanada perto do rio, onde nos encontrámos quando te fui buscar ao aeroporto, e durante o trajecto no autocarro não fizémos mais do que perguntarmo-nos, cada um de nós a si mesmo, se era real, a presença do outro ali, e se era boa, ou bem, ou certa - foi o rio que acabou por responder, e disse que sim, não foi?, abraçou-nos como nos abraçámos, e entrou por nós como nós um pelo outro, como o verão quer agora entrar na nossa irremediável solidão, ou pelo menos na minha.

É o fim do dia, não são horas de jantar ainda, e as pessoas vão depressa na rua, por causa do vento, decerto; peço-lhe que me entre pela memória e varra todos os momentos mágicos que passámos juntos, e todos os que passaremos, que são agora parte da memória e só dela, como varreu este dia, como empurra as pessoas.

As árvores acenam-me irónicas despedidas; nunca te fui deixar, creio, a uma estação de comboios, ou fui? Teria sido assim que me disseste adeus, esse teu vestido verde claro com frutos vermelhos a lembrar-me as palmeiras que agora me irritam, os dedos espetados a agitarem-se-me à frente dos olhos? Penso que não; ainda nos amávamos, quando nos dizíamos adeus ou olá à frente do rio, e não me terias tratado com o desprezo que vejo nas árvores, no cão encolhido na relva, na noite que aí vem, no amanhã ou depois que aí virão, em tudo o que me rodeia.

O vento limpa a memória, a que foi e a que será?

SÓLO UNA COSA no hay. Es el olvido.
Dios, que salva el metal, salva la escoria
y cifra en Su profética memoria
las lunas que serán y las que han sido.

Ya todo está. Los miles de reflejos
que entre los dos crepúsculos del día
tu rostro fue dejando en los espejos
y los que irá dejando todavía.

Y todo es una parte del diverso
cristal de esa memoria, el universo;
no tienen fin sus arduos corredores

y las puertas se cierran a tu paso;
sólo del otro lado del ocaso
verás los Arquetipos y Esplendores.
"


Não.

Amar-te não é uma aberração: é não te amar que o é...

Surpresa

Hoje tive uma surpresa agradável - muito agradável e muito surpresa.

À qual respondi, ou devia ter respondido, que não, não tens que me agradecer, porque os comentários que faço aos teus posts são teus, não são meus - as raízes são as tuas palavras, o terreno.

Um beijinho e espero que recuperes depressa da agressão de que foste vítima.

16.5.05

Maybe, but don't count on it

(Via Somatos)


The Visionary

You are charming, outgoing, friendly. You make a good first impression.
You possess good negotiating skills and can convince anyone of anything.
Happy to be the center of attention, you love to tell stories and show off.
You're very clever, but not disciplined enough to do well in structured environments.

You would make a great entrepreneur, marketing executive, or actor.


The Thinker

You are analytical and logical - and on a quest to learn everything you can.
Smart and complex, you always love a new intellectual challenge.
Your biggest pet peeve is people who slow you down with trivial chit chat.
A quiet maverick, you tend to ignore rules and authority whenever you feel like it.

You would make an excellent mathematician, programmer, or professor


The Inspirer

You love being around people, and you are deeply committed to your friends.
You are also unconventional, irreverant, and unimpressed by authority and rules.
Incredibly perceptive, you can usually sense if someone has hidden motives.
You use lots of colorful language and expressions. You're qutie the storyteller!

You would make an excellent entrepreneur, politician, or journalist.

A ler, absolutamente

No Semiramis, "Sócrates perante a cicuta".

15.5.05

Sucesso

A corrida ao sucesso tem várias linhas de partida, e uma só meta: um epitáfio, ou um nome e duas datas numa lápide.

Amar, v. int.,

Ainda hoje ama todas as mulheres por quem se apaixonou, e todas aquelas por quem se apaixonará. Para ele, o verbo amar não tem pretérito (excepto o imperfeito, por vezes): só tem presente e futuro.

7.5.05

Retratos imaginários

Ele era um feminista convicto: gostava de mulheres, de todas as mulheres, não por razões meramente estéticas, afectivas ou sexuais; não: ele pensava realmente que as mulheres eram melhores do que os homens "in every way", como diz o Calypso: mais inteligentes, mais poupadas, mais fiéis (e melhores mães, acrescentava).

Contudo, um dia conheceu uma mulher por quem se apaixonou seriamente, ao lado da qual as outras perdiam o sabor, e a substância - e descobriu assim que afinal a maioria das mulheres se parece muito mais com os homens do que até aí pensara.

6.5.05

Serviço Público / Restaurantes

Na Linha há três tipos de restaurantes: os maus, os outros e o Meson Andaluz. Estou a ser injusto, claro. Esqueço o Visconde da Luz, o Beira-Mar (ambos em Cascais), o Refúgio, no Estoril, e dois ou três mais.

Mas o Meson Andaluz é o Meson Andaluz, mesmo neste infecto centro comercial; e é esplêndido. Deixem o contabilista e a Ministra das Finanças em casa e vão lá já - para festejar uma ocasião, para esquecer outras, para pensar em ti, para ajudar a suportar a tua ausência - vão à Meson Andaluz, já.

PS - e não começem tractações sem uma canja de perdiz.

Cascais Shopping, Cascais. Tel - 214 600 659
www.mesonandaluz.net (site não testado).

5.5.05

Declaração

Não tenhas medo: não sou dado a amores fantasmas, nem a amar fantasmas.

Diálogos possíveis

- Be my queen. I will love you like a king.
- Kong?

4.5.05

Não digas nada

Não digas nada, não digas mais nada, está tudo dito e feito, está tudo hoje como será amanhã, e depois. Não digas nada, não vale a pena: e não faças nada, não poderás desfazer o que fizémos, o que fizeste, o que fiz. Não digas, não mexas, não faças mais nada: atravessemos o tempo que nos resta como fotografias imóveis, estátuas de mármore; atravessêmo-lo como luz, não como sombras. Se um dia alguém conseguir tirar uma fotografia ao tempo, poderá dar, à dos momentos que passámos juntos, o nome singelo, e verdadeiro, de "Felicidade"; ou outro, falso mas igualmente singelo, de "Esperança"; ou "Amor", que não é singelo nem verdadeiro nem falso.

Não digas nada. "Lie still", dizia o Dylan Thomas, não era? Lembras-te, de como o líamos gulosos - "Do not go gentle into that good night", não era? "Do not go gentle into me" dizias-me, e eu obedecia, claro. "Lie still", ordenava-te.

Mas não era do Dylan Thomas, o verso. Era do Byron:

THERE be none of Beauty's daughters
With a magic like thee;
And like music on the waters
Is thy sweet voice to me:
When, as if its sound were causing
The charmèd ocean's pausing,
The waves lie still and gleaming,
And the lull'd winds seem dreaming:

And the midnight moon is weaving
Her bright chain o'er the deep;
Whose breast is gently heaving,
As an infant's asleep:
So the spirit bows before thee,
To listen and adore thee;
With a full but soft emotion,
Like the swell of Summer's ocean.


Há quanto tempo o esquecêramos, lembras-te? Há quanto tempo nos servíamos de palavras cuja origem ignorávamos, de que só o cheiro e o sabor nos interessavam?

Não digas nada. Não sorrias sequer, não te mexas, não assustes o vento das velas, não mudes de lugar a sombra, não digas "lua" nunca mais, "mar", "cama", "amor", "do not go gentle into that good night", "do not go gentle into me", "rage, rage, rage".

Não digas. Não digas nada. Não olhes sequer para trás, não afagues o ar como me afagavas a mim, lembras-te?, ao pequeno almoço enquanto espravas a torrada, o dia, e me sorrias "with a full but soft emotion, like the swell of Summer's ocean".

Conselho

"Do not try to emulate success; avoid failure" - este foi, sem sombra de dúvida, o melhor conselho que recebi nos últimos anos.

Pois

Uma dor de cabeça violenta, um fim de tarde sem sol com sol sem sol com sol, um passeio deserto, exceptuando a loira e a morena que andam depressa, tão depressa que não tenho tempo para lhes ver as caras, uma vela paralelipípeda, um jantar que espera, um chinês que espera, um mundo que espera, um cachorro batido que ladra a um homem a quem falta uma perna - apercebermo-nos-íamos, se tudo isto existisse, da sua horrível frustração por não poder dar um pontapé ao cão.

No mar, uma baleia de bossa adolescente abalroou um navio; magoou-se e, para não dar parte de fraca, pôs-se à frente de um trimaran que tentava bater o record da New York - S. Francisco (o anterior record estava com uma senhora chamada Isabelle Autissier, e antes dela com um clipper cujo nome me escapa, é de resto para isso que os clippers são feitos, para escapar - seria Flying Cloud? É possível, com um nome tão bonito estava fadado para bater records). A tarde escoa-se, lentamente, esgota-se como bonbons na loja à hora da saída da escola, o tempo derrete-se como um gelado deixado fora do congelador, e a noite chega, cega, surdo, muda.

Em terra, uma senhora zanga-se outra vez com um candeeiro que ali está, à espera dela, há anos. "Deixa-me de mão, larga-me, vai ver se estou ali, vai dar uma volta, vai passear o cão, vai morrer deitado, vai chorar para outro lado, deixa-me" - mas não se lembra que o candeeiro não pode, coitado, andar, e que se a fita com o seu grande olho único é porque não pode olhar para mais lado nenhum.

Saberá o candeeiro que o resto do mundo existe?

Retrato

O seu único objectivo na vida era, ou parecia ser, apaixonar-se. Objectivo esse que atingia, em média, uma vez por semana, com uma mulher diferente. Era enjoativo, ouvi-lo falar de cada uma das paixões como se fosse a definitiva, a verdadeira, a última, a melhor de todas.

Na semana seguinte recomeçava, com outra.

Amo-te Porto - II

Outra coisa de que gosto sem fim no Porto são os táxis. Há alguns meses, um estudo da DECO demonstrou que no Porto 100% dos taxistas enganaram as pessoas que fizeram o teste. Em Lisboa, esse nº foi de 70%, creio - o que explica os intensos estágios que a ANTRAL está a organizar no Porto para os nosso taxistas (em Lisboa, se o estudo se cingisse aos taxistas do Aeroporto, a percentagem seria de 300% ou mais - eles conseguem o milagre de enganar várias vezes o mesmo passageiro).

Recentemente, fui de táxi, no Porto, do ponto A ao ponto B - e paguei 4 euros e qualquer coisa. No regresso, do ponto B para o ponto A, mandei parar o táxi quando o taxímetro ia nos 9 euros - e ainda tive que andar dez minutos a pé para regressar ao ponto de partida. Tenho que reconhecer que não me zanguei com o condutor - ele foi de uma gentileza inexcedível: até me explicou o caminho, apontando para a direcção contrária daquela para onde seguíamos (se fosse em Lisboa, ele ter-me-ia enganado também na indicação do caminho a pé, e teria sido mal-criado).

Porto

Imagino que um dos posts abaixo vai revoltar os meus amigos portuenses, e desde já quero aqui deixar uma grande e inequívoca declaração de amor pela cidade do Porto - afinal, não é preciso um lugar ser civilizado para se gostar dele, para ser amável. Eu gosto, por exemplo, muito do Burundi e do ex-Zaire e são dois países que estão longe, muito mais longe do que o Porto, da civilização.

Há coisas que eu adoro no Porto. Uma delas é a política social. Recentemente apanhei um autocarro do Aeroporto Sá Carneiro - terna ideia, esta, dar a um aeroporto o nome de uma pessoa que morreu num desastre de avião - e reparei que no Porto os atrasados mentais, em vez de estarem fechados em instituições psiquiátricas ou de vadiar, selvaticamente como em Lisboa, pelas ruas da cidade, conduzem autocarros. Acho a política excelente, porque assim andam uniformizados, e a obrigação de ir trabalhar todos os dias dá-lhes um aspecto quase normal. Claro que depois continuam incapazes de distinguir um autocarro de um automóvel de corridas, mas isso é um pormenor a que só uma mente doentia como a dos lisboetas (que ainda há bem pouco tempo tinham a mesma política, note-se) atribui importância.

No regresso apanhei a mesma carreira, mas com outro chauffeur, e a coisa repetiu-se: um atrasado mental a conduzir um autocarro cheio de passageiros, a fazer slalom nas faixas da auto-estrada (o que só faz jus à fama de poupados que os portuenses têm, porque assim pelo menos utilizava todas as faixas a que tinha direito) e a provocar uma animada e boa disposição entre os passageiros, alguns dos quais se precipitaram para as canetas e blocos para, suponho, ali deixarem escrito o testamento. Penso que ambos os chauffeurs tinham amigos cirurgiões, especialistas em operações às cervicais, porque as travagens e acelerações eram tantas e tão bruscas que eles só podiam estar a colaborar para o bem estar material dos seus amigos.

Também gostei imenso do Aeroporto - sobretudo da área das partidas - que deixei com um doce suspiro de saudades antecipadas.

Douce Lisbonne...

...sans toi si amère.

Doce e boa Lisboa

O Restaurante Palmeira é bonito, tem um vinho tinto sublime - digo-o sem ironia: é muito bom, e com o que sobrar da pequena garrafa que se obtém encomendando um copo podem pintar as paredes da adega ou tingir os sofás da sala.

Lisboa é a melhor cidade do mundo, porque é a única cidade civilizada que conheço onde se pode engraxar os sapatos, comprar um pingalim de dressage lindo e almoçar no restaurante Palmeira por pouco mais de uma vintena (já uma vez engraxei os sapatos no Porto, mas depois comi pessimamente - o que no Porto é difícil - e além disso o Porto não é bem uma cidade civilizada, apesar de parecer e apesar de lá ter os ingleses do vinho há tanto tempo).

No Restaurante Palmeira a média de idades é ligeiramente superior a 60 (anos), o que só por si indicia, como diria eu se fosse jornalista, que estamos no sítio certo para, mais do que comer bem, sermos apaparicados. A carta é dilemática, multi-dilemática: como escolher entre Caras de Bacalhau com Grão e Corvina Cozida (ambas a seis euros)? Como resistir a passar fome até amanhã e não encomendar já uma cabeça de Pescada a 12 euros (para duas pessoas, claro, e infelizmente só por encomenda)? Como resistir à simpatia do Sr. Rodrigo e não encomendar a carta toda, uma dose de cada, só para experimentar - Sr. Rodrigo esse que não me fez pagar a aguardente só porque não gostei dela?

O Restaurante Palmeira é bonito, serve comida boa, barata e rápida, e fica situado na Rua do Crucifixo, 69 - 73 (é nestes momentos que aprecio o facto de o Don Vivo ter tão poucos leitores: posso revelar estes endereços sem depois precisar de começar a reservar o restaurante com três meses de antecedência).

2.5.05

Memória

Como chamar fogueira a um incêndio, mesmo controlado?

1.5.05

Pequenos passos

Sócrates preferirá ser o menos mau dos Primeiro-Ministros, ou um bom Primeiro-Ministro?

PS - A ler: Pequenos Passos versus Reformas Estruturais, I e II, no Bloguítica.