30.9.05
Portas
Metáforas e analogias
Gosto de cocktails, e bebo neste instante um Alexander, o meu favorito. Está perfeito: o Alexander é um equílibrio delicado entre contrários, é uma bebida simultaneamente densa e aérea, e é bonito, o que não estraga nada, antes pelo contrário. Gosto de vinho, também: "um bom vinho é aquele que me faz dar um salto na cadeira", lembras-te?
Também tu me fizeste dar um salto na cadeira, na vida.
28.9.05
Desejo - II
(Desaguaste em mim, mistério dos mistérios).
27.9.05
"Fragmentos de um discurso amoroso"
O mar está, naturalmente, ausente da política portuguesa porque está ausente do imaginário português, há muitos anos. De um país de marinheiros, de um país que revia o seu presente e inventava o seu futuro no mar, tornámo-nos um país de emigrantes "a salto": a Europa, que nós ajudamos a inventar e a quem démos muita da forma que tem, ultrapassou-nos, deixou-nos para trás.
Não sou historiador, sou marinheiro; e é nessa qualidade que imagino que muito do nosso declínio começou com o abandono do mar como projecto, como vector de futuro.
Tal como a personagem do poema com que comecei estas linhas, vivemos "num deserto, num deserto rodeado por uma longa ausência de mar", "à procura de uma saída que dê para a vida".
Essa saida é o mar. Ele foi no passado o nosso futuro, e deve ser hoje o nosso presente, e o futuro do nosso futuro.
Portugal tem à sua volta uma vasta mina de ouro - azul, mas ouro tout de même.
26.9.05
A um filho
Racismo
O prazer da escrita...
24.9.05
Álgebra elementar
23.9.05
Memórias
Põe uma pedra / uma pedra nessa infância*
O vento é frio, cortante, estimulante, e puseste, finalmente, puseste uma pedra nesse passado.
* (Manuel Gusmão).
22.9.05
Vácuo
21.9.05
Planos
Declaração
Porque fugira ela: teria detectado a mentira? Talvez. Mas enganara-se: só na forma era mentira. Ele queria, realmente, "casar-se e ter filhos" - continuando solteiro, claro, e com os filhos que já tinha. "Quero tudo e o seu contrário: é a única forma de aceder à plenitude". Talvez a felicidade não passe disso - conjunção de opostos.
Sensualidade
- Acha-se sensual?
- Acha que a sensualidade necessita de empatia?
- Acha que a sensualidade se auto-realiza?
- A insatisfação gera sensualidade, ou destrói-a?
- A relação ente a sensualidade e o desejo é de complementaridade? Existe?
17.9.05
Questões de confiança
13.9.05
Les Brasseurs
Se um dia, por acaso, passarem nos Brasseurs, em Genève (é fácil - basta chegar, ou partir, de comboio: é mesmo à frente da estação), não vão em cantigas: a "Blonde Pure Malt" é de longe a melhor; a "Ambrée Pure Malt" é doce e enjoativa, e a "Agave au Citron Vert" é um engano sustentado no nome exótico: evoca-me o Shandy do British Bar quando era bom (ou quando era sempre bom), mas em pior - e sem o British Bar, claro.
II
Há dias em que gosto de mulheres feias. Nem sempre, reparem; só às vezes, como hoje. Gosto daquela mulher com uma caneca de litro à frente. O amigo, ou namorado também tem uma (ela "Ambrée", ele "Blanche") e tem aquilo a que os franceses chamam "bonne tête". Ela não. São os dois gordos, o que num casal me parece uma redundância.
Riem-se muito. Mas o riso não a faz bonita: usa uns óculos pequenos, rectangulares e de aros grossos numa cara grande e redonda, lábios demasiado maquilhados, cabelos encaracolados mas que começam muito atrás, deixando à vista uma testa enorme. Porque me é simpática? Está na hora de ir para casa, suponho.
12.9.05
Poema de adolescência
Tome-se um homem,
Feito de nada como nós,
e em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
De uma certeza
Aguda, cruel, irracional
Como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agitem-se os pendões, e
Toque-se um clarim.
Serve-se morto.
Duas pequenas observações:
a) Os cobardes também se servem mortos (se bem que, admitidamente, um pouco mais tarde);
b) Os pendões não têm forçosamente que se agitar, nem os clarins tocar, perto do fim;
Os pessimistas têm sempre razão
O hospital e a caridade
É por isso que tenho certa dificuldade em entender o discurso francês sobre a fractura social, a exclusão, a pobreza e a miséria nos Estados Unidos.
9.9.05
Todos iguais
Eu acho, humildemente, que ele tem toda a razão. A tendência das empresas para fazer variar os seus preços de revenda quando os custos da matéria prima variam é bem conhecida, e é claramente um comportamento anti-cidadão - ou a-cidadão? - e anti-social (excepto quando baixam os preços, naturalmente, mas quando a variação é nesse sentido nem se fala no assunto).
Por uma razão incompreensível, quase todas o fazem - com a excepção notável dos agricultores, que são depois recompensados pelo seu "comportamento cidadão" com latas subvenções - o que de resto demonstra que se pode ter um "comportamento cidadão" e ganhar muito dinheiro com isso (neste caso, duplamente "cidadão" porque são, claro, os cidadãos quem paga os subsídios).
Mas há, senhor Ministro, mais áreas de actividade que, acho eu humildemente, requerem urgentemente a sua intervenção benigna e atenta.
Em primeiro lugar, refiro-me, está bem de ver, aos restaurantes; os quais, ao adoptar uma lista de preços independente do estado emocional e afectivo do cliente dão provas de uma intolerável indiferença ao sofrimento humano. Por exemplo, ainda recentemente comi um sublime, um magnífico, um enorme desgosto de amor - que me custou 60 euros! Sessenta euros, senhor Ministro. É manifestamente exagerado para quem sofria como eu sofria - mesmo tendo em conta o facto singelo, irrefutável mas compreensível de eu ter bebido vários aperitivos e um conhaque (ou ao contrario, não me lembro bem). Outro exemplo: ontem, acometido que estava de ligeira nostalgia - muito ligeira (tingida, é verdade, de uma ponta de dor: mas leve, muito leve): 33 euros. 33 euros por uma nostalgia ligeiramente tingida de sofrimento? Senhor Ministro, por favor, veja como essa corja de restauradores enche os bolsos à custa das emoções dos cidadãos! Imagine quanto vou pagar se tiver, um dia, de pagar uma euforia ou - tudo é possível - uma vitória? Eu acho, senhor Ministro, que o senhor devia chamar os restaurantes à pedra e obrigá-los a ter uma lista de preços com preços estabelecidos em função do estado afectivo e emocional do cliente. Começava na dor profunda, com uma redução muito grande, a qual iria gradualmente decrescendo á medida que as emoções das pessoas se fossem tornando mais positivas, mais ligeiras.
Repare, senhor Ministro, que o controle seria facílimo: quem, mas quem, se atreveria a pedir um desconto "dor profunda" se entrasse no restaurante, por exemplo, a sorrir alarvemente? Quem iria, suponhamos, pedir uma tarifa "dor de corno" se estivesse acompanhado por uma bonita mas ingénua loira, ou com uma morena densa e misteriosa?
Quem ousará pedir uma "nostalgia dolorosa" se estiver, visivelmente, em estado de "nostalgia ligeira"? Acresce, senhor Ministro, que quem usufrui dos restaurantes são os cidadãos, incapazes, eles, de adoptarem o comportamento ganancioso, especulativo e anti-social das maléficas empresas petrolíferas que se aproveitam de um mísero aumento de 200 ou 300% no preço do crude para nos aumentarem a gasolina 5 ou 10%? Que desplante!
Defenda, senhor Minsitro, os cidadãos do seu pobre país, que estão nas garras malvadas das sociedades que ganham dinheiro a vender esse inútil e poluente produto que é a gasolina. (Já agora, por solidariedade: eles que baixem também o preço da cerveja. Imagine que acabo de pagar 5 euros por uma imperial. Cinco euros!!! - apesar de estar num estado emocionalmente neutro, acho que devia ter um desconto porque me comportei como um verdadeiro cidadão quando pedi e esperei - oh se esperei - pela cerveja: não cuspi no chão, não arrotei antes de beber, não acariciei os seios à senhora da mesa ao lado (se bem tivesse muita vontade); nem sequer me zanguei com o empregado por causa da espera. Apesar disso paguei cinco euros por um copo de Fosters. Senhor Ministro, acuda!.
(cont.)
Mais uma palavra bonita
8.9.05
Notícias da blogosfera
Revista de Imprensa
Um dia em cheio.
PS - Os bébés, além do inglês, deviam começar a aprender também espanhol, para poderem emigrar em boas condições.
PS2 - Devia haver um IDH por profissões. Em Portugal, a de burocrata estaria, certamente, no topo da tabela.
7.9.05
Diálogos possíveis (numa livraria de Cascais)
- Infelizmente, o inverso não é verdade.
6.9.05
Post aberto ao Major Scobie,
Meu caro Major Scobie,
Pela primeira vez, pobre de mim, li um post seu com o qual desacordo inteira, completamente:
- Primo: o ténis não é um jogo; aspira a ser um desporto - se bem que mais aborrecido do que muitos jogos.
- Secundo: o desporto mais "civilizado, desgastante e inteligente do planeta" é a vela, não o ténis; os outros, todos, (ténis incluído) não passam de meras actividades físicas (cf. acima).
- Tertio: Quem "inventou" a vela como desporto foram os holandeses - daí o termo "jacht".
- Quarto: a "supremacia da Ilha" manifesta-se justamente porque se diverte com algo inventado por outrém.
E por ter feito o favor de tornar essa actividade universal.
Drogas
- Uma merda, como tudo o que inclui o termo "Popular".
- "Merda" talvez seja exagerado, não?
- Que vale o que não é exagerado?
- Merda.
- Ecco.
Pata-roxa II
Toujours est-il que notre saumonette volante s'est trouvée, à quelques berges de la fin, tabassée par une stupide porte en verre, une - ou plusieurs - noix de coco sur-dimensionnées, une maîtresse fuyante, une sorcière irréaliste - pêché majeur, faut-il le dire, chez les sorcières, même blondes - e com um stock de chá para emagrecer do qual não sabia que fazer. As - e o - palhinhas davam-lhe um ar de herói da banda desenhada, mas a quantidade de merda que com ele transportava não.
-Joder, chico - dizia, lembrando-se das suas lições de espanhol arcaico. Mais uma vez pensava estar sozinho, mas não estava: um bando de pargos legítimos escutava atentamente tudo o que ele dizia, e contavam às corvinas, ávidas.
Pôs o Gould na caixa, lembrou-se algures do Boléro, e continuou a bater com a cabeça nas portas de vidro.
En attendant, a luna batia no mar, também ela, e esparramava-se por ele fora, em forma de I maiúsculo, falo enorme e tão útil, tão útil. Os namorados olhavam para aquela luz irreal, tão irreal, os compositores também, os fotógrafos, as artistas todas, Deus me valha, e achavam tão bonito, ai tão bonito, ai que obrigados estamos todos, pela inspiração, pela oportunidade.
O nosso pata-roxa ouvia o Boléro, ouvia-se gozar com o Boléro, ouvia-se, tout court, e pensava que sem rum a vida não é viável, não é rum, não é vida, não é nada, não é, não.
Sem ti.
- O Boléro, meu caro, não passa de um resumo das drogas todas que você nunca tomou por falta de coragem, dinheiro, vontade ou ocasião. Podemos, claro, viver. Não podemos, contudo, viver sem certas coisas, certas pessoas, certos olhares, certos seios. Vá, très cher, bater com a cabeça em alguns sons, já que lhe faltam ventres para isso. Boa noite. E lembre-se: Boléro é "Espanha" em francês.
5.9.05
Vitórias
Pata-roxa
Ao fim de alguns anos ficou tonto, e pensou que talvez fosse boa ideia encontrar uma solução alternativa. Conseguiu: em vez de bater à porta (ou contra ela, mais precisamente), lembrou-se de a abrir com um raio de luar. A ideia era boa, claro: todos sabemos o poderoso efeito que a luz da lua tem nos porteiros dos castelos e nas princesas que neles mandam. Falhou, contudo: na véspera a lua fora ao bordel, e o raio saíu-lhe torto e fraco.
- Pata que a pôs! Pata que a pôs! - O pata-roxa voador gritava no meio da planície, onde, acreditava, ninguém o ouvia. Mentira: ao longe, um bando de pardais, periquitos e bêbedos coxos observavam-no e regozijavam-se barulhentamente. Exultavam.
O que há de interessante no pata-roxa, a sua única característica digna de nota, é ser ele um parente afastado do tubarão; é um tubarão mutante, por assim dizer. Este era duplamente desviante (o termo é muito mais apropriado) porque voava - embora mal - e tinha um bico pelo qual absorvia chá de ervas por uma palhinha.
A receita do chá tinha-lhe sido dada por uma bruxa loira, linda, que ele encontrara quando aprendia a voar, agarrado a uma vassoura emprestada. A vassoura era uma merda, mas a bruxa encheu-se de simpatia por aquela espécie de híbrido e levou-o para casa, onde lhe deu aulas de vôo, com sucesso, e de realismo, com um insucesso flagrante.
Morava na capital das bruxas, uma cidade chamada Floguilópolis, onde ele se passeava enquanto ela ganhava a vida a pretender que o tempo não existe. Para as bruxas, é verdade, o tempo não existe: tudo é só hoje, ou só amanhã, ou só ontem. Mas para todos os outros o tempo existe, e tem um nome: chama-se morte.
Um dia fugiu. Voou durante horas, dias, semanas, meses, sofreu vidas inteiras de pesadelos, e acabou por aterrar numa palmeira grande, gorda, com uns bigodes que tinham a forma de um violino cortado ao meio. A palmeira produzia côcos enormes, do tamanho dos tomates do Papa (os quais crescem sem parar há, pelo menos, 200 anos - antes disso, é sabido, esvaziavam-se regularmente. Como tudo, a Igreja melhora à medida que se afasta da princípio). A palmeira, gorda e feia, era generosa e albergou o nosso herói exausto.
Quando o viu recomposto encheu-o de sumo de palmito fermentado e falou-lhe num castelo com portas de vidro onde morava uma princesa rica, bonita, e sedenta de amor.
- Aqui vou, de novo equivocado - lamentava-se à quadragésima nona tentiva. - Porque mora essa princesa num castelo inacessível, se está sedenta de amor? Porque não sai, e vem comigo voar ao luar? - (Foi quando se lembrou de utilizar o raio de luz da lua, sem se lembrar que até os satélites têm vontades próprias, e imprevísiveis).
Morreu afogado em Bach, nas Suites Inglesas, mais exactamente, tocadas por Glenn Gould para a Sony.
Diálogos imaginários
- Eu nunca arrisquei o que quer que fosse, e cheguei onde estou.
- Está bem, mas tu chegaste lá por causa da tua inteligência, e eu tenho que conseguir apesar da minha...
Retratos possíveis
4.9.05
O fim de uma história
Por vezes lembrar-te-ás de quanto era bom acariciá-la, ouvir-lhe uma ironia, apertá-la nos teus braços. Mas pouco mais: as histórias que acabam bem acabam assim, e dela reterás uma imagem, talvez duas: sentada no muro da igreja, a primeira vez que a viste no aeroporto, uma vez ou outra vez que o amor a tenha deixado particularmente bela.
Essas imagens não desaparecerão. "Solo una cosa no hay", lembra-te: "Es el olvido". Mas aprenderás a viver com elas: ido o desejo, e depois a dor, apenas fica uma mistura difusa e agradável da nostalgia que a felicidade deixa, sempre, por onde passa.
3.9.05
1.9.05
Cenas da vida na rua
- Então? É um gordo - oiço-o claramente dizer-lhe.