31.12.07

Um erro frequente

Há uma ideia falsa, infelizmente bastante comum, segundo a qual os portugueses não são empreendedores. Nada mais errado: antes pelo contrário, há é que ficar surpreendido com a quantidade de empresas sub-capitalizadas, criadas por pessoas sem a menor ideia de gestão ou marketing que existem no nosso país.

Desde que cheguei a Portugal, vai para cinco anos, fui a inúmeros fórums, seminários, congressos, workshops sobre empreende-dorismo e similares. E cada vez mais confirmo que quem precisa de cursos e de formação e de encorajamentos na área do empreendedorismo em Portugal não são os empreendedores, que desses temos muitos e bons. São os financiadores. Esses é que, coitados, refugiados no imobiliário, nas tricas e na asa benemérita e protectora do Estado perderam o sentido e a necessidade do risco.

Encontrei, via Breaking Posts este post (a reprodução é parcial), com o qual não estou inteiramente de acordo mas que acho faz uma boa descrição do empreendedor:


Após consultar alguma bibliografia relacionada com este tema, seleccionei a seguinte lista de características do empreendedor:

Criatividade --- O empreendedor é, por natureza, criativo. O empreendedor actua para além dos limites dos meios colocados à sua disposição, usando a criatividade para atingir os seus objectivos.

Realização --- O desejo de realização pessoal é um dos principais factores que motivam o empreendedor. Muitas vezes mais importante que o ganho financeiro está a realização pessoal.

Tolerância ao risco --- O risco é uma constante na vida de um empreendedor. Compreender e tolerar o risco é uma das suas características.

Independência (ou autonomia) --- O empreendedor é autónomo, conseguindo prosseguir o seu caminho mesmo sem fazer parte de uma equipa ou empresa.

Perseverança --- O empreendedor não desiste enquanto não conseguir alcançar o seu objectivo, por mais adversidades que lhe sejam apresentadas.

Auto-confiança --- Para conseguir realizar tudo aquilo a que se propõe, o empreendedor acredita, acima de tudo, em si próprio.

Optimismo --- Todas as situações são abordados de um ângulo optimista. O empreendedor elimina rapidamente quaisquer dificuldades que se atravessem no seu percurso.

Será que o típico português possui as características necessárias ao empreendedorismo? Provavelmente terá algumas destas características mas não todas elas, sendo que muitas das vezes possui características inversas às desejadas (o caso da característica Optimismo).

Sim, o português é criativo (nós costumamos usar o termo "desenrascado"). Sim, o português deseja muito a sua realização pessoal, embora na maior parte dos casos isso se traduza somente na componente financeira (ou seja, ganhar a lotaria resolveria a questão).

Agora, será que o português é optimista? O português é fatalista, vislumbrando quaisquer problemas ou dificuldades antes de elas acontecerem (o célebre síndroma do "Velho do Restelo"). Será que o português possui auto-confiança em quantidade suficiente para assumir os riscos inerentes a uma actividade empreendedora?

Provavelmente sem uma "rede" não avançará, precisando de apoios externos (leia-se apoios financeiros) aos seus empreendimentos. Esta é provavelmente, a principal queixa por parte de quem tem ideias e quer montar empresas: a falta de subsídios ou de capital de risco.

Arbres et Lumières 2007

O Festival Arbres et Lumières deste ano, o 7°, é o melhor dos que vi até hoje. Imagens aqui, e aqui.

Títulos

Este vale ouro: SAIR DO ESTADO PARA TRABALHAR;
Este é intrigante: 2008: preços de bens e serviços sobem acima da inflação

Provérbios

"A descer todos os santos ajudam". E a subir, quem ajuda? Os demónios?

30.12.07

Amor eterno

Na Idade Média e na Renascença cada pessoa casava-se várias vezes durante uma vida: a esperança de vida era curta e o casamento também, por força das circunstâncias. Até finais do século XIX nunca passaria pela cabeça de ninguém que o amor devesse durar para sempre. Nesses tempos defendia-se mesmo que não se deve misturar o sexo, o amor e o casamento, que são três coisas com ritmos, timings e esferas diferentes e não necessariamente miscíveis.

A partir do início do séc. XX as condições de vida mudaram radicalmente: a saúde e o dinheiro ficaram acessíveis a fatias cada vez maiores da sociedade, e os ideais românticos de meados do séc. XIX também. Isso criou uma tensão muito grande no casamento e no amor: tinham que ser "pour la vie"; mas a esperança de vida aumentou muito mais do que o amor, ou o casamento, podiam suportar. As expectativas cresceram, exponencialmente: o casamento tinha que ser eterno, o amor também, o sexo perfeito, sempre e para sempre (a título de curiosidade: outro efeito disto foi o aparecimento do "instinto maternal", inexistente até aí).

A maioria das relações acaba mal (isto é, conflituosa, amarga ou dolorosamente) não porque a relação acabou (tudo tem um princípio, um meio e um fim), mas porque um ou os dois parceiros pensam que foram defraudados (e foram, as suas expectativas foram inegavelmente defraudadas).

Muita dor se pouparia, se as pessoas deixassem de pedir o impossível - ou se a espécie evolver para este novo paradigma, claro, mas isso parece-me mais difícil, ou pelo menos muito lento.

Elle a bon dos, Bruxelles

O Dr. António Nunes, da ASAE, deu uma entrevista ao Sol, na qual justifica as acções da ASAE com a "legislação comunitária". Eu passo metade de minha vida na União Europeia (admitidamente num número restrito de países), e não me apercebo dos efeitos dessa legislação. Em Paris vou frequentemente comer aos traiteurs chineses ou aos estaminés de Kebab, e não me parece que sejam muito melhores do que a Ginginha do Rossio.

Elle a bon dos, Bruxelles, mas por favor, não nos comam por parvos. Numa área que me é familiar, a da náutica de recreio, passou-se recentemente uma coisa gira: a UE fez uma daquelas legislações em que é farta, e que só pode ser aplicada na Lua, ou arredores. Metade dos países da União, pura e simplesmente, adoptou a parte da legislação que fazia sentido, e ignorou o resto. Portugal prepara-se para adaptar tudo, tal e qual. Elle a bon dos, Bruxelles...

Relações

Uma relação sustentável (e boa, rica, etc., mas isso é outra história) é um encontro de autonomias. Isto aplica-se a todo o tipo de relações, e a todas as áreas da autonomia.

29.12.07

Navios de vela

O grande problema do regresso da Marinha Mercante à vela como forma de propulsão são os mastros: ocupam espaço, são pesados e têm implicações na estabilidade do navio.

O Kite Surf veio resolver esse problema.

Aniversário

O Don Vivo faz hoje quatro anos.

28.12.07

Má fé e bons sentimentos

Não é com bons sentimentos que se faz literatura, ou uma carreira no jornalismo. Mas há limites à má-fé, à desonestidade intelectual, à falta de bom senso: "Le champion des droits de l'homme et le libérateur des otages célèbres ou l'ami complaisant de Bush, Hu Jintao, Poutine, Chavez, Kadhafi (série en cours)". Comparar Sarkozi e Bush a Chavez - este ficaria decerto contente, se soubesse ler (francês, quero dizer) - a Kadhafi e aos outros é realmente inexcedível, vindo de um dos responsáveis de um dos mais importantes media franceses.

O sabor do mês

Por estas bandas, os sabores do mês têm sido dois (pré-Benazir, claro): o namoro do Sarkozi com a Bruni (até hoje ainda só houve um jornal que observou a coisa como deve ser vista, a meu ver: "Carla Bruni: novo troféu no seu tableau de chasse" (Tribune de Genève); passemos, é pouco importante: o Chirac não falhava uma feira cheia de vacas e de agricultores e ninguém dizia nada;

E o julgamento da meia dúzia de iluminados da Arche de Noé. Não sou grande fã da ajuda humanitária, e ainda menos da de este tipo de cow-boys, incompetentes, arrogantes, e sem a mais pequena ideia do que estão a fazer. Só falta esperar que sirva para alguma coisa. Hoje regressam a França, daqui a um mês ou dois estão livres - mas talvez apanhem um susto, e façam outros pensar duas vezes antes de irem brincar aos Indiana Jones da solidariedade.

Afinal, se a incompetência e a arrogância merecessem oito anos de trabalhos forçados, três quartos da função pública portuguesa estava a partir pedra ou a construir auto-estradas.

27.12.07

Ruptura

"Só tens amor para me dar", disse enquanto se levantava. Estávamos num café, não me lembro onde nem qual. "E isso para mim não chega", terminou, já a caminho da porta.

23.12.07

Baricco

"De Langlais, elle apprit que parmi toutes les vies possibles il faut en choisir une à laquelle s'ancrer, pour pouvoir contempler, sereinement, toutes les autres."

in "Océan Mer", Alessandro Baricco.

Baricco

"...Nous serions invisibles, pour n'importe quel ennemi. Suspendus. Blancs comme les tableaux de Plasson. Imperceptibles même pour nous. Mais quelque chose vient gâter ce purgatoire. Quelque chose à quoi tu ne peux pas échapper. La mer. La mer ensorcelle, la mer tue, émeut, terrifie, fait rire aussi, parfois, disparaît, par moments, se déguise en lac ou alors bâtit des tempêtes, dévore des bateaux, elle offre des richesses, elle ne donne pas de réponses, elle est sage, elle est douce, elle est puissante, elle est imprévisible. Mais surtout: la mer appelle. Tu le découvriras, Elisewin: elle ne fait que ça, au fond: appeler. Jamais elle ne s'arrête, elle te reste collée après, c'est toi qu'elle veut. [...] Sans rien expliquer, sans te dire où, il y aura toujours une mer qui sera là, et qui t'appellera."

in
"Océan Mer", Alessandro Baricco.

22.12.07

Não é, em rigor,

espantoso, mas já vai em 15162.

Pergunta

O nosso Governo, por intermédio do Turismo de Portugal, pagou uma real pipa de massa a um fotógrafo inglês para fazer umas fotografias (os posters que daí saíram são pirosos como um barrete da Nazaré, mas isso é outra história). Pergunto a mim mesmo se terão pago a tempo a e horas, ou se demoraram meses.

(Aposto que pagaram muito, muito depressa).

21.12.07

Humor feminino

Humour 'comes from testosterone' . Men are naturally more comedic than women because of the male hormone testosterone, an expert claims.

Para os homens que gostam de mulheres com sentido de humor esta é uma notícia interessante.

(Via 31)

Vírgulas

Uma vírgula mal colocada num número deixa-me indiferente; numa frase, provoca-me horas de agonia.

18.12.07

Porquê? Querem rir-se um bocadinho com as desgraças alheias?

CDS quer ouvir Manuel Pinho «com urgência».

Jacob Zuma destrona Mbeki na liderança do ANC

Thabo Mbeki tinha bastantes defeitos, e uma grande, incomensurável qualidade: sabia que a África do Sul não é um país africano.

A transição acabou, e agora vai começar a ser.

Aviso

Hoje estive a pôr etiquetas nos posts ("receitas" e "restaurantes" - os únicos, provavelmente, que têm alguma utilidade). Apercebi-me que devo deixar um aviso aos eventuais jogadores de futebol e similares (traficantes de droga, funcionários europeus, gestores públicos, políticos, etc.) que, coitados, os leiam e sejam tentados a visitar os restaurantes que menciono: é que, salvo raríssimas e bem assinaladas excepções estão longe, muito longe, de corresponder às suas (deles, jogadores de futebol e similares) legítimas expectativas: são, é certo, restaurantes bons, mas são baratos; são mais consentâneos com a situação de uma vítima de erros seus e amores ardentes - isto é, um empreendedor na área da vela - do que com a de quem tem da vida a perspectiva da águia, ou do ministro.

Em Portugal chamar-lhes-íamos "tascas". Em Paris são bons, baratos, sabem servir e sabem de vinhos - mas têm uma total, assinalável (e apelativa, para alguns desgraçados) falta de standing.

Hoje vim a um deles, por sinal já aqui mencionado várias vezes (Le Petit Baigneur, rue des Sablières, o tal da empregada portuguesa e do vinho excelente). Será por falta de imaginação, ou de curiosidade, que vou sempre aos mesmos? Não: prefiro o conhecimento à descoberta, conhecer bem uma pessoa a mal mil.

O Boeuf Bourguignon e o sorriso da senhora quando lhe falei português logo à chegada justificam amplamente a opção.

Ambiente

Ao fim de cinco dias começo a adaptar-me ao frio. Ou melhor: à falta de acessórios para lhe fazer face.

O problema não é o frio, é a maneira de nos relacionarmos com ele.

Neologismos

Hoje descobri a receita ideal para dormir: esta mistura de frio, falta de dinheiro e "sozinhês".

Portugal

É quando oscilamos entre o Brasil e a França (ou, mais ainda, a Suíça), que percebemos verdadeiramente porque gostamos tanto de Portugal. E porque nos exaspera ele tanto.

17.12.07

Zeitgeist

À cause de quelle maladive injustice l'"Air du temps" est-il synonyme de "Connerie du temps"?

PIB per capita

PIB per capita português é o mais baixo da Zona Euro - e se Deus quiser em breve não será só o da zona Euro.

10499

10499

Não é bem contra a europeização de Portugal (o que seria um rotunda idiotice), ou contra a necessidade de normas: é simplesmente em prol do bom senso, contra o formalismo e a cultura digital (zeros e uns, nada no meio) que impera neste país (e noutros, particularmente os africanos, ou os do Terceiro Mundo em geral, também, mas eles que tratem disso).

PS - 11801

Fragilidades

Quando estamos fracos, vulneráveis, fragilizados, é difícil amar, e ser amado. Em contrapartida, é muito fácil apaixonarmo-nos, ou sermos detestados.

16.12.07

Serviço Público - Restaurantes, Paris

Já aqui falei destes dois, mas cá ficam de novo, nunca é demais (para qualquer deles, é fortemente aconselhável reservar):

"Au Vin des Rues", 21 Rue Boulard, 75014, Tel. 01 43 22 19 78;
"L'Opportun", 62 Boulevard Edgar Quinet, 75014, Tel. 01 43 22 19 78.

À "Brasserie Péret", 6 Rue Daguerre, 75014, Tel. 01 43 22 57 05 ainda não fui comer.

Paris, ruas e livros

Por várias razões diferentes, o “meu” Paris é o dos XIV e XV arrondissements. Do XV não gosto: é calmo (e doloroso) demais. Já do XIV gosto muito: tem a rua Raymond Losserand, onde fica o Cana’Bar e mais duas ou três centenas de pequenos e divertidos restaurantes cujo nome não recordo, mas que reconheço quando lá vou. E tem a Rue Daguerre, que é um concentrado de tudo o que a França tem de melhor: a Brasserie Péret (“La Passion du Vin depuis 1910”), as lojas de queijo, os talhos, as peixarias, as lojas de vinhos, o Restaurante “Au Vin des Rues” e a livraria L’Arbre à Lettres, onde hoje comprei livros de bolso.

Depois vim para o café Péret apalpar os livros, porque, contrariamente às senhoras, eles devem apalpar-se logo no primeiro encontro.

Amor

O amor não se procura. Quando muito encontra-se, se tivermos sorte (ou azar, mas isso é outra história).

15.12.07

ASAE

Estou em Paris, e pergunto-me que faria uma ASAE aqui. Não teria decerto um minuto de descanso - e seria trucidada pela populaça, claro, ao fim de um dia de "trabalho".


PS - 8109 and counting.

PS2 - Acabo de encontrar online a crónica de António Barreto sobre o tema. De longe a melhor coisa que sobre ele vi escrita. Aqui (1) e aqui (2 - Comentários ).

12.12.07

Outros síndromes

Pior do que as mulheres que se sabem bonitas, só as que pensam que são feias.

Síndrome de Lisboa

"O Síndrome de Estocolmo é um estado psicológico particular desenvolvido por pessoas que são vítimas de sequestro, em que a vítima desenvolve sentimentos de lealdade para com o sequestrador apesar da situação de perigo em que se encontra colocada".

Um síndrome semelhante, mas que se aplica a pessoas dependentes de organismos públicos que não pagam o que devem, e desenvolvem a bizarra ideia que a culpa é delas chama-se Síndrome de Lisboa.

O fim de um blog

O Terapia Matatísica acaba. Es ist schade.

Não ao fundamentalismo da ASAE

Junte-se às 3040 pessoas que assinaram esta petição:

http://www.petitiononline.com/naoasae/

11.12.07

Imagem de Portugal

O Turismo de Portugal anda por aí atarefadíssimo a vender uma "nova imagem" de Portugal.

O TP anda há meses para me pagar um evento (passo os pormenores, porque não é o sítio para os expôr); uma empresa pública idem; e uma empresa privada anda há meses a tergiversar sobre um pagamento que, há meses, prometeu fazer; por mim, proponho o slogan "Portugal, o país onde o tempo não conta" e para hino nacional a canção Ó Tempo, volta para Trás.

Portugal é, reconheço, o país ideal para traficantes de droga, jogadores de futebol e funcionários europeus - não menciono os políticos porque mais tarde ou mais cedo descambam em funcionários europeus - mas para outras categorias profissionais é um país difícil.

E se o Governo começasse por construir a imagem de um país sério, como seria?

Um bom comentário



(Via Blasfémias, Portugal dos Pequeninos e Hole Horror)

Chocolate

Uma mulher inteligente é como chocolate preto: tem todas as vantagens do outro, e nenhum dos inconvenientes.

Chocolat Noir Yves Thuriès
Cacao 90%

À venda na Mesa Francesa pela quantia módica e quase injusta de 3 euros a tablette de 80gr.

(Não, não tenho comissão, mas se tivesse convertê-la-ia em chocolate Yves Thuriès e em vinho do Porto da Casa de Sta. Eufémia. E não, não sou machista, mas tenho um fraco por mulheres inteligentes, apesar do desequilíbrio que isso traz a um casal do qual eu faça parte).

As time goes by

Com uma dedicatória especial para uma jovem e muito bonita senhora, por causa de quem passei um belo serão:

10.12.07

Definição

Alfabeto é o nome que sé dá a um líder na Linha de Cascais .

9.12.07

Depois de um dia de mar

Não conheço Frida Kahlo para além da vulgata dos anúncios de exposição e uma ou outra capa de livro.

Mas conheço e gosto de Angélique Ionatos, o complemento ideal para um dia no mar.

Aqui fica:



Nada é completamente mau (ou bom)

A grande vantagem de se ter um vizinho alcoólico é poder passar-se os "Cânticos do Êxtase" em altos gritos às duas da manhã.

African Fractals

Por razões que, a esta hora, me escapam totalmente, eu acho que toda a gente devia ver isto.

7.12.07

Serviço Público - Discos

Para quem gosta - ou precisa - de uma explosão de energia, não devo deixar de aconselhar um disco de um jovem saxofonista chamado James Carter, "Jurassic Classics", Atlantic Records, ou DIW-886.

Não é do disco, e o melhor é tomar uma pílula anti-enjôo antes de verem, mas cá vai uma amostra:

Linha de Cascais

A quecalhada da Linha de Cascais produz mulheres magníficas quando são bonitas (mesmo quando feias são soberbas). Os senhores são uma simpatia e, provavelmente, um prazer para os olhos das senhoras como elas o são para os nossos; tudo e todos e todas são muito bonitas, mas não tenho paciência, não tenho, Deus me perdoe.

Isabel Mello

É muito embaraçoso ter amigos que "fazem coisas" (isto é, são artistas) e as coisas que fazem serem horríveis. Nunca sei o que lhes hei-de dizer: oscilo entre a mentira mais abjecta (para mim, porque se calhar para eles seria uma boa mentira, se soubessem a verdade) ou a cobarde fuga.

Felizmente, com a Isabel Mello tal não é preciso: a Isabel faz realmente coisas lindas, e fá-las com simpatia, amor, emoção, criatividade e uma técnica esplêndida.

Hoje (até à meia-noite, quem estiver a jantar na Linha e ler este post agora ainda tem algumas horas), amanhã e depois atè às 8 da noite a Isabel faz uma exposição de algumas das suas peças no Atelier da Avenida de S. Pedro no Monte Estoril, e é um prazer poder aconselhar a visita sem ser por hipocrisia, ou conveniência.

Se eu quisesse

Se eu quisesse enchia três páginas A4 com o teu nome escrito à mão, com aquela caligrafia pequenina, tão feia e tão ilegível com que escrevo por vezes quando quero escrever-te; se eu quisesse, escreveria o teu nome nas ruas de Pretória, em todas as ruas, sobretudo aquelas que levam à Villa Sterne, onde, pela última vez, nos amámos como se fosse a primeira, e comemos o melhor pequeno-almoço da nossa vida, na varanda com vista para a cidade, com a J. a contar-nos histórias do rei de Marrocos e nós perdidos de riso, e perdidos em nós; se eu quisesse, cobria as ruas de Lisboa com flores, como eles fazem na Ponta Delgada, mas não deixava ninguém andar-lhes em cima porque em cada pétala teria escrito o teu nome; se eu quisesse punha um avião no ar a escrever Amo-te Amo-te Amo-te até o piloto não saber se é ele que te ama, ou eu; se eu quisesse, mandava o Calígula buscar um bocado da Lua e entregar-to de joelhos, humildemente, esmagado por ti e pelo amor por ti; se eu quisesse, comprava todos os livros de poesia de todos os poetas de todas as livrarias de todas as cidades do mundo e lia-te os poemas todos, um a um, verso a verso, palavra a palavra, sílaba a sílaba, vírgula a vírgula, silêncio a silêncio, se eu quisesse.

Se eu quisesse, serias minha outra vez, e o nosso amor renasceria das vontades todas que tive, e não quis.

6.12.07

Sangria, ASAE e um restaurante de que gosto muito

Às vezes vejo pessoas a jantar, mesmo num magnífico restaurante como o Merca-Tudo (na rua do mesmo nome mas sem hífen, creio mas não tenho a certeza) e a beber sangria.

Eu tenho desde já de avisar que gosto do Merca-Tudo por razões absoluta e assumidamente subjectivas: quaisquer que sejam os critérios pelos quais se avaliam um restaurante, o Merca-Tudo estará entre o bom e o muito bom, sem nunca chegar aos píncaros. É um bom restaurante, com uma boa música de jazz, um serviço atencioso e sorridente, preços mais do que aceitáveis, cuja dona é uma senhora que faz pensar nas tias que todos nós sonhámos ter, em crianças (e quando adultos também, mas não como tia): bonita, dinâmica, sorridente, uma voz de fazer sonhar com "sentimentos imperfeitos e vastas sensualidades"; e é um daqueles lugares que não muda: há vinte anos e três donos que lá vou comer couscous, por exemplo, e que o décor é rigorosamente o mesmo.

Só há uma coisa que não percebo: como raio de carga de água é que a ASAE permite que num restaurante destes se beba sangria? A sangria é uma bebida horrorosa, que só serve para se dar aos meninos nos lanches de verão; e a ASAE, no seu afã para nos salvar de uma morte certa, devia, sim, devia, proibir as pessoas de beber sangria ao jantar - o mau gosto não mata, mas magoa.

Zanga

Ela estava zangada, verdadeiramente zangada:
- Velho! Gordo! Só queres é sopas e descanso!
- Isso é verdade, querida - respondi. - Mas descanso metafísico e sopas dietéticas, se não te importas.

Retratos possíveis

Era daqueles gajos pequenos, rascas, foleiros, que fumam SG Ventil e dizem que "engatam uma pequena" quando vão às putas.

Sines, Lota, 1978 (?)

Monólogo do gato e do jantar

Estou com fome. Apetece-me ir jantar. Lembras-te de quando te dizia "vamos jantar-nos?" e tu dizias "sim, vamos. Onde?" "Pouco importa". "Sim, importa". "Não, nada, desde que tu estejas e o jantar seja tão bom como tu és bonita" e tu respondias uma coisa que não posso contar aqui e depois íamos para tua casa, a que tinha os gatos de que eu não gostava. "Não gosto de gatos em casa, nem de cães", "e eu não gosto de barcos" e entre uma casa com gatos ou um barco sem ti eu te escolhia a ti, a eles; um dia chegámos a um acordo: quando os gatos morressem não os substituirias mas infelizmente eu fui-me embora - ou foste tu? - antes de eles morrerem, se calhar eram muito novos e tu já sabias - ou eu? - e nunca mais nos vimos, só tenho uma fotografia de um braço e um gato no meu lugar, não se te vê a cara, e eu que te achava tão bonita, tão bonita.

Lembro-me desses braços, tão longos (e parece tão pequeno na fotografia, não é?, o braço no qual se aninha o gato), e de como eu pensava que um barco sem um braço como o teu não era nada, era um deserto, uma gruta, um buraco e hoje vivo sem ti e de ti só me lembro dos gatos, dos braços e do amor que por ti tinha, apesar dos gatos, e do barco sem ti, e de quanto gostava de nos jantar; "os olhos também comem", diziam-me os olhos de todos os outros clientes do restaurante, e eu pensava "sim, mas com as mãos é melhor, com os cabelos nos olhos, com a boca aberta, os cotovelos em cima da mesa", a mesa era o teu ventre a tua pele o teu desejo os teus braços os teus olhos

e o futuro agora é uma fotografia.





Nota: como tudo neste blog, algumas das fotografias que aqui publico existem, e outras não.

Toots Thielmans, Zürich, 1980 (?)





La Chaux-de-Fonds, 1980

Morro de S. Paulo

Imagens de um dos aeroportos da ilha







O Morro de S. Paulo é uma aldeia de férias que fica cerca de 20 milhas náuticas a sul de Salvador. Só tirei fotografias do aeroporto, não tive oportunidade para mais.

No Eco Resort Patachocas ("under construction") come-se bem, as caipiroskas são fenomenais, o músico muito bom e a simpatia dos patrões inegualável.

Imagens de Salvador

Barra

Imagens de Salvador

3ª-Feira da Benção / Dia da Consciência Negra




Cascais

Casa da Guia

Imagens de Salvador

Pôr-do-Sol na Barra


Rua

Serviço Público - Wine Bar

Não sei se já aqui falei do Néctar, um bar de vinhos que fica na Rua dos Douradores, 33 (em Lisboa, claro), e cujo telefone é 912 633 368.

Se não falei, já devia ter falado, para benefício dos habitantes desta cidade, e quiçá do Universo, que lêem o Don Vivo.

5.12.07

Conversas de ponte

Uma vez naveguei com comandante que era louco, totalmente louco. Via bacalhaus no sextante, por exemplo, ou o sol quadrado.

Eu gostava dele: por vezes ficava na ponte a conversar, quando eu entrava de quarto, à meia-noite, e contava-me as coisas mais inverosímeis que imaginar se possam. (Sempre detestei as conversas de ponte, em que as pessoas se contam tudo, despudoradamente. O pudor é uma qualidade parcamente distribuída, infelizmente, sobretudo nos navios. Mas destas conversas gostava, porque a questão não era o pudor, ou falta dele, mas sim o abismo, por muito esperado, ou previsível, que fosse).

Um dia, estávamos no mar da China a caminho das Filipinas, voltou-se para mim, com o seu habitual ar compenetrado e disse-me "sempre gostei de mulheres altas, magras e mamalhudas". Não sabia que responder, para além de apoiar com um certo entusiasmo, e não disse mais nada. "Mas dessas tive poucas, até hoje", continuou.

Acho um bocado insuficiente julgar as mulheres pelo aspecto físico: gostar de loiras, morenas, grandes, pequenas ou magras é, parece-me, redutor e estúpido. Não é o corpo o que define uma pessoa, se bem seja, por assim dizer, a sua porta de entrada, perdoem-me a falta de gosto na analogia, a sua montra.

"Já tive, repara", insistia com uma intensidade desconfortável, "mulheres de todas as formas e feitios: grandes, pequenas, redondas, secas, com mamas ou sem elas. Todas eram diferentes, mas todas tinham uma coisa em comum: compreendiam-me". Não respondi, porque ele era dado a acessos de melancolia de tal forma violentos que um dia tivémos que lhe pôr um marinheiro de guarda, não fosse atirar-se ao mar.

"Uma mão das minhas não abarcava um mamão dos dela", disse-me doutra vez, sonhador, com rara e inexcedível elegância. Desembarcámo-lo no Egipto, e nunca mais o vi.

4.12.07

Solidão

Enquanto houver telefones portáteis não há solidão, forçoso é reconhecer.

Lisboa

I
Um gajo qualquer quer ser ministro. Está no seu direito: se calhar (não o conheço) já não tem idade para dar uma queca fora do penico, ou acha que a sua reforma é insuficiente e quer complementá-la com um lugar na administração de uma grande empresa, depois do sacrifício; ou por outra razão, seja ela qual for, ele lá sabe.

Mas para chegar a ministro acha que é preciso fechar a Ginjinha do Rossio, obrigar a outra (a melhor, entre nós seja dito) a servir em copos de plástico ("recipientes descartáveis", dizem eles. "Descartáveis". "Recipientes"), proibir a venda de bolas de Berlim sem uma parafernália de equipamento, ou invadir restaurantes com um bando de palhaços disfarçados de terroristas.

E ninguém se revolta, ninguém se manifesta, ninguém lança uma pedra que seja à janela do carro do homem (excepto, verdade seja dita, alguns bloggers e alguns cronistas nos jornais, mas não é a isso que me refiro).

II
Vou a pé de Santos ao Chiado, para comprar uma porcaria qualquer sem a qual não posso fazer café. Todas as lojas que têm o raio da coisa estão fechadas. Todas. São sete da noite.

III
Acabo no Mal Amanhado, na Praça da Alegria, um restaurante decente, sólido, português, tradicional, onde há tempos servia uma jovem senhora pela qual metade da clientela se babava e a outra (refiro-me ao universo masculino, largamente maioritário, ao meio dia) salivava.

Começaram por fechar ao almoço. Hoje, vejo no menu: “Estamos a implementar um sistema HACCP (Hazard Analysis and Critical Points Control – Análise de Perigos e Pontos Críticos de Control*)”. E não há quem os mande para o raio que os parta? (Eu não mando, dá-me para ser cobarde, às vezes).

Possuímos formação em Higiene e Segurança Alimentar”, continua o menu. Pata que os pôs, pata que os pôs, pata, pôs. Começo a perceber porque irei pagar dezoito euros por um prato de bacalhau na telha (excelente) e meio jarro de vinho da casa (idem).

IV
Felizmente, antes disto tudo, passei na Mesa Francesa (http://www.mesafrancesa.pt/): o meu amigo Brice, atarefado até às orelhas com os cabazes de Natal, oferece-me dois dedos de conversa, e um copo de Sta. Eufémia Branco, o melhor porto branco que jamais me passou pelo estreito (não é bem verdade, mas como o melhor Porto branco que jamais bebi também é da Casa de Sta. Eufémia, a coisa quase que passa).

É esta, a Lisboa que quero deixar aos meus filhos; não a do sinistro cabrão que quer ser ministro. Merci, Brice.

V
Por vezes, por razões diversas, vou ao Snob beber um whisky (hoje comecei por um Alexander, bom sem mais). Na mesa do canto (do outro canto, preciso para os eventuais habitués) um jovem, muito jovem, casal janta. Ele perora sobre as “dificuldades” de tradução da primeira frase do Temps Perdu: “Longtemps, je me suis couché de bonne heure” é, seria, muito difícil de traduzir. A rapariga acena que sim, vagamente. Pouco depois, o senhor do bar põe um disco do Sinatra. Ela trauteia todas as músicas: uma rapariga, por muito jovem que seja, que conhece Sinatra não vai em balelas.


* - "Controlo de Pontos Críticos", eu sei. Mas já não me lembro se copiei verbatim ou não. Que se lixe, es ist nicht so schlimm.

3.12.07

Verdades

"...com a opinião dos outros não me assopro."

João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.

Descobertas

"...um José Quitério: comia de tudo, até calango, gafanhoto, cobra;"

in "Grande Sertão: Veredas", João Guimarães Rosa, etc.

Obrigação moral

Uma obrigação moral de todos é assinar esta petição. Enfim, não só moral: auto-defesa, também.