31.1.13

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 31-01-2013 / 2

Pouco a pouco o luto faz-se. Enfim, não é pouco a pouco. Tive ajuda, claro: o rum Mount Gay, o trabalho, o Don Vivo. E a razão, por estranho que pareça. Primeiro, porque é tolice ficar triste por acontecer algo que sabíamos aconteceria, mais tarde ou cedo; e pela qual, inclusivamente, lutámos. Segundo, porque recebi o mais belo texto de ruptura que jamais me foi dado ler. Inevitável por inevitável, ao menos que seja belo.


Claro que não é fácil estar outra vez sozinho, não ter uma casa onde possa ler e ouvir música, ser tratado como se tivesse sido eu o algoz, que não fui (por muito compreensível que seja, e eu compreendo. Mas estar sempre a compreender cansa). Acresce que o mercado de senhoras interessantes, disponíveis e - sim - com uma idade mais próxima da minha é extremamente limitado, nestas bandas.

A verdade é que o luto se está a fazer, muito mais depressa do que eu pensava. Há vida depois da morte. E nessa vida há vento, mar, prazer. A dor que vá dar uma volta ao bilhar grande, e por lá fique.

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Viver numa embarcação fundeada tem algumas vantagens - acordar no meio da baía de Falmouth Harbour é uma experiência que sugiro fortemente a todos - mas tem uma desvantagem muito grande: a partilha do bote. A partir de hoje somos só dois, mas temos vidas e horas completamente diferentes. Gostava de ir para bordo ler e descansar e celebrar, mas se o fizer sei que a meio da noite vou receber um telefonema para ir a terra buscar o co-inquilino.


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O Blues Shack é muito agradável quando o dono não canta nem fala, o que infelizmente é raro.

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 31-01-2013

Por uma razão que eu desconheço mas agradeço o rum não me provoca ressacas nem aumenta o nível da substância no sangue. Por outra, diferente e conhecida, é barato. Algumas pessoas acham que é uma bebida perigosa. Eu concordo.

Felizmente o perigo nunca me afastou do que quer que fosse.
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Começar o dia no Skullduggery é uma experiência desastrosa: temos o sol na cara, como se tivéssemos mergulhado numa piscina de água quente; somos acolhidos por duas senhoras que nos tratam como se fôssemos a razão de ser do dia delas, e por isso nos fazem uma tosta mista bastante maior do que a medida, e melhor do que qualquer tosta mista em qualquer parte do mundo; e temos a vidta da baía de Falmouth Harbour, com os barcos mais bonitos do mundo. É horroroso.

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Continua. Tenho de ir trabalhar. A felicidade é uma sucessão de maçadas que todos os dias começa assim.

O amor e o mundo

Não somos amados pela esmagadora maioria do mundo; mas não ser amado por uma pessoa é ser esmagado pelo mundo.

As palavras e o cu

Gosto muito das palavras, mas não tenho paciência para conversas de ir ao cu.

30.1.13

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 30-01-2013

Há poucas coisas em mim que não mudaram ao longo dos anos. Talvez, não sei. Pelo menos gosto de o pensar. Uma sei que não mudou: o meu gosto por abcessos que rebentam. Ou, se preferirem o meu desgosto por abcessos. Um dia meti-me na casa de banho com uma garrafa de whisky, outra de álcool puro e uma lâmina de barbear daquelas antigas e cortei uma série de abcessos que me estava a crescer nos sovacos e já tinham resistido a duas intervenções médicas. Ao whisky e ao álcool puro (que usei para desinfectar os cortes, claro) não resistiram.

 Hoje rebentou mais um abcesso. Não fui eu, mas fiquei feliz como se tivesse sido. Além de tudo o mais, serviu para confirmar aquilo que há muito tempo sabia. Não há anão que não se sinta gigante, quando isso acontece.

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Como previsto fui trabalhar. A primeira parte do dia foi chata, longa, monótona, pouco exigente. Tinha a cabeça noutras coisas, o tempo não passava, as coisas tão pouco. Mas depois passei a coisas mais exigentes e quando dei por mim eram cinco horas, hora de dar volta.

E de rum, que me faz dispensar o álcool puro.

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda 30-01-2013

Faz um ano que cheguei a English Harbour - o lugar de onde, mesmo tendo saído, parece que nunca cheguei a sair. Neste ano aprendi mais sobre mim do que em todos os anteriores. Acredito que, se não tivesse feito esta viagem, a viagem que fiz (e continuo a fazer) dentro de mim não me teria levado tão longe. Os passos são curtos, mas não são em volta. São degraus que subo e desço e às vezes uso para descansar.

As pessoas que viajam não são melhores do que as outras, mas muitas das que tenho conhecido querem tanto sê-lo que só essa vontade as torna melhores. No outro dia falava dos meus dilemas (apercebi-me recentemente de que não tenho problemas dignos desse nome) a um viajante que me dizia «agora que começaste nunca mais vais parar», para ilustrar a minha inquietação. Há coisas que só os viajantes percebem. Não sei o que fazer da vida, mas isso parece não ter muita importância. A maior parte das pessoas que conheço limita-se a fazer o mesmo de sempre, torna-se o medo de mudar. Creio que a permanência sem sofrimento só funciona na ignorância ou na extrema humildade. Passei os limites da primeira e a última é, ainda, apenas algo a que aspiro. Desisti de querer a felicidade instantânea. É como o amor eterno, não existe. Que seja, como diz Vinícius, infinito enquanto dure.

Uma ovelha faz "Méééé"´e F. responde pensando que alguém disse "Hi!". Partilho o quarto com ela (a F., não a ovelha); poupo na renda e ganho na companhia -- é simpática, inteligente, bonita e engraçada. Graças a ela, no entanto, o meu português está cada vez pior. Em compensação, o meu português do Brasil está cada vez melhor. É outra língua. Penso na inevitabilidade que é o disparate do acordo ortográfico. O sotaque e o vocabulário brasileiros são totalitários, entranham-se na gente como cheiro de lenha queimada. Para desintoxicar, hoje pus-me a ouvir Amália e chorei. Estou a reler A Relíquia e rio, sem poder explicar aos outros de quê. Gosto de quando o totalitarismo vem de dentro. Só falo em português do Brasil com a F. porque há o João, o Tom e o Vinícius - e, confesso, o meu amor recente, Caetano).

Antígua está perigosíssima. Nunca vi uma concentração de gatinhos por metro quadrado tão grande. Com olhos e cabelos de todas as cores, ingleses, americanos, suecos, alemães, israelitas, australianos e mesmo antiguanos, imediatos, marinheiros, mecânicos, carpinteiros, veraneantes, bons dançarinos... enfim, um desassossego. Manter-se fiel aqui é modalidade olímpica, mas os atletas parecem, Deus me perdoe, não querer lograr o pódio.

Por falar em gatinhos, tenho muito más notícias. O gato Lager morreu. Ficámos todos inconsoláveis. A C. não quer mais gatos no Reef Gardens, teve de tomar a decisão de o abater por causa de um filho da puta de um tumor no estômago. Soube da notícia pelo B., que voltou do Canadá e continua a passar os dias a fazer quilómetros andando de um lado para o outro na Pigeon Beach, uma praia com apenas 300 metros. O cão mais gato que conheci está, pois, enterrado num canteiro do Reef Gardens. Decerto continuará, feito vento, a dar patadas nos mosquitos e a pedinchar comidas e afectos.

Casa

A única maneira de um gajo se manter sóbrio em Antigua é não saindo de casa. O que é difícil quando não se tem uma casa.

Educação assentimental

Aprender a ir para a cama com quem não se ama, e a não se amar quem acabou de nos proporcionar um orgasmo.

Tentações

De todas as tentações, aquela à qual é mais difícil resistir é a pedagógica.

Ainda bem, de certa forma.

29.1.13

Criminologia

Aquilo que passa pela cabeça de um homem quando se prepara para encontrar o tipo por quem foi substituído no coração (e outros orgãos) da mulher que acaba de o deixar faz um manual de tortura passar por um livro para escuteirinhos.

Indiferenças

Se é verdade que numa relação há sempre um que ama e outro que se deixa amar - do que não estou, de resto, convencido - será que quando as relações acabam há um que indifere e outro que se deixa "indiferir"?

Falmouth Harbour, Antigua, 29-01-2013

Arranjei um trabalho e uma casa. Enfim, quase uma casa: é um barco que está parado na baía  à espera de ser vendido; enquanto não for, fico lá a viver. É um Farr 65, tem espaço. Pena é estar parado, mas enfim.


O trabalho é uma troca que fiz com a empresa que me vai fazer a formação: vai servir para a pagar. Desta vez não demorou muito tempo encontrar um emprego. Era bom que tudo se resolvese tão facilmente; não vai acontecer, claro: esvaziar esta piscina vai levar o seu tempo, e enchê-la de novo ainda mais. Tenho sorte: sei nadar. Já por aqui nadei, muitas vezes. Demasiadas, mesmo.

Estava convencido de que não haveria mais. Enganei-me, como de costume.

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A Pineapple House, onde dormi estas duas noites, é uma casa linda com uma vista sublime para a baía. Durmo na varanda, num dormitório pouco habitual: só tem três camas, grandes, separadas umas das outras por mesas e cadeiras que fazem uns "recantos de estar" bastante agradáveis e estão protegidas por redes mosquiteiras. O efeito é engraçado, por causa do bom gosto da decoração e da vista (que desta vez inclui o MALTESE FALCON); e um bocadinho estragado pelo preço, demasiado elevado para o que no fundo não passa de um  hostel. L., a dona é oito dias mais nova do que eu e bebe quase tanto - não surpreenderá quem souber que o cão da casa se chama Rumdog. Ontem demos um encontrão valente na garrafa de rum e prometemo-nos amizade eterna.

Depois fui dançar para o ex-Lime and Coconut, agora Lime Lounge. A mudança de nome é pequena, mas enganadora: aquilo estava cheio a abarrotar, nunca tinha visto tanta gente e tanta animação naquele sítio.

De maneira dancei e bebi e dancei e bebi e a piscina lá se esvaziou mais um bocadinho. Amanhã com o trabalho esvaziar-se-á mais e mais depressa. E depois encher-se-á, como tem vindo a fazer ao longo destes anos todos. Uma vez será a última.

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Hoje é a vez do Blues Shack, ex-qualquer coisa onde se comia, já por aqui o disse, o melhor caril de uma grande parte das Caraíbas. Agora é a qualidade da música que me fascina. A certa altura pensei que estava a ouvir um CD. O puto (chama-se Colin) é fabuloso.

Devemos, sempre que possível, embebedarmo-nos ouvindo boa música. Torna as coisas mais fáceis, de certa forma.

Coral Bay, Jost van Dyke, Cooper Island





White Bay, Jost van Dyke, BVI; Coral Bay, St. John, USVI






Falmouth Harbour, Antigua


Adstringência

Gosto da adstringência nos vinhos e nas pessoas. Não gosto de pessoas redondas, sem ponta por onde se lhes pegue, como os vinhos alentejanos. Gosto de pessoas com feitio, que em Portugal qualificamos, invariável e erradamente, de mau; a adstringência está para os homens, e para os vinhos, como o mamilo para o seio.

Pragmatismo

Uma amiga querida, bonita e generosa diz-me que quando teve que optar entre dois homens escolheu o que lhe dava mais prazer na cama. "Tudo o resto se compõe", explicou-me: "o dinheiro ou a falta dele, o trabalho, a beleza. Mas chegar a casa e não ter uma boa f... à espera, isso não tem conserto".

Retratos

Uma pessoa boa que faz coisas más é preferível a uma má que faz coisas boas.

O amor e os tempos verbais

Os tempos verbais do amor confundem-se um bocadinho: às vezes não há passado nem futuro; outras não há presente.

Pergunta

O verbo amar tem pretérito perfeito? 

Felicidade e algumas dúvidas

A felicidade está sobreavaliada? Sem dúvida. Mas alguém duvida de que é melhor ser feliz?

Liberdade, liberdade

É muito difícil ser livre. É preciso ser livre.

Amo-te, liberdade

Digo amo-te e vejo à minha frente o sol poente, a lua cheia, o teu sorriso inteiro como o vento que não vejo, mas sinto. Digo amo-te e amo-te como amo a vida, a liberdade, o vento que não vejo.

Digo amo-te e a liberdade responde-me "e eu a ti".

Família, amigos e países

Não escolhemos a família; os amigos sim. E se pudéssemos escolher o país de onde somos? Eu sou Antiguano.

Antigua, Don Vivo

É bom estar vivo. Mesmo quando se está morto.

28.1.13

Dores, eternidade

Uma dor deve ser limpa, cristalina, lapidar. E eterna; se não durar para sempre não merece ser chamada dor.

Falmouth Harbour, Antigua, 28-01-2013

Nada como a clareza para nos ajudar a olhar para a frente. O dia começou com uma boa decisão, já posta em prática. Assunto arrumado.

Outro assunto que me preocupava era a formação RYA (Royal Yachting Association). Sem ela não encontrarei trabalhos decentes e bem pagos. O curso começa dia 24 de Fevereiro. Falta acertar alguns pormenores e sobretudo, arranjar forma de viver até lá. Também está a ser tratado.

Das três tuiles, como dizem os nossos amigos gauleses, que me caíram em cima quase simultaneamente - o computador, a namorada e o trabalho, por ordem cronológica - já só me falta resolver o primeiro. É o que vai demorar mais tempo, mas também desta estação já o comboio saíu. Agora é uma questão de tempo: vender esta porcaria (por sinal bastente boa, de passagem se diga) do tablet e encomendar o novo portátil. Três semanas a um mês.

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Tuiles não é o termo apropriado. Qualquer delas foi provocada por mim, foi asneira minha. Não devia ter aceite o emprego no S., devia ter desembarcado logo que me apercebi de várias coisas relacionadas com a pretensa, e excessiva simpatia dos donos, o estado do barco e o programa do catamaran; e devia ter prestado mais atenção ao meu bem-amado Toshiba e menos aos passageiros do dinghy numa noite de vento forte em Redhook.

O conceito de culpa interessa-me pouco. A culpa de tudo o que me aconteceu é minha, exclusivamente minha. E depois? Isso não atenua a dor, por um lado; e por outro, dos três só há um que não repetirei: o primeiro, claro. Não há emprego que valha uma pessoa boa.

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Hoje fui dar uma volta à casa: fui a St. John - a habitual e doce confusão; a mesma interminável espera pelo autocarro (cujo condutor reconheci, há lá melhor prova); em Falmouth, o Lime and Coconut deixou cair o coco e agora é só Lime; o sítio onde comia o melhor caril desta, e provavelmente muitas ilhas é um bar; o Skullduggery e o Mad Mongoose continuam a dar-me rum, amizade e net.

E fui almoçar ao Baba Rum. O almoço no Serge custou-me um terço do preço de uma daquelas infectas sandes das USVI e é pelo menos cinquenta vezes melhor.

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Vem aí um bom bocado de mau tempo; como todos, passará. A barca ficará com mais umas marcas e cicatrizes mas sobreviverá.

Remédios

Há três e só três remédios para a dor: as palavras, a clareza e o silêncio. Por esta ordem.

Dor, sentido

De certa forma, a dor legitima uma relação, dá-lhe sentido. É como se precisássemos de uma confirmação a posteriori de que estávamos a fazer a coisa certa.

Talvez não estivéssemos é a fazê-la bem, mas isso é outra história.

Sobriedade, doenças

Há momentos em que mais vale ser doente do que estar sóbrio.

Casa da comédia

Só há um sítio onde se pode ser infeliz: em casa. Alhures a infelicidade não passa de uma comédia.

Diabo e Cohen

Entre escrever e beber venha o diabo e escolha. Eu, que não sou o diabo, já escolhi. Para o resto, só o L Cohen. Que ainda menos sou.

Deserto

O maior deserto do mundo é uma cama vazia.

(Não é. É uma vida vazia. Mas isso é raro, felizmente. Ou pelo menos temporário, vá).

Abandonos

Antes ser abandonado por alguém que se ama. Ser rejeitado por de quem não se gosta é incomparavelmente pior.

Falmouth Harbour, Antigua, 27-01-2013

Foi um regresso a casa daqueles de não ter muitos. É como um temporal: um gajo sabe que ele está ali, e não há como fugir-lhe. Mais vale enfrentá-lo: a perpendicular é mais curta do que qualquer oblíqua.

A partir de hoje a Tatiana escreverá (espero) neste blog mas os seus bordos serão diferentes dos meus. Ainda bem. O blog ganhará; eu não. Ou muito indirectamente: é bom ver acontecer aquilo por que lutámos. 

De modo foi um múltiplo regresso a casa: primeiro a Antigua, que é a casa onde vivo - enfim, onde pelo menos vivem a minha imaginação e a minha memória, constituintes básicos daquilo que somos, ou gostaríamos de ser -; e à situação habitual: sem trabalho, sem dinheiro e sem mulher. Desta vez tenho uma casa, seja Deus louvado. Chama-se Falmouth Harbour, fica em Antigua, fica em mim.

Rectroactividade (citação)

"O amor é retroactivo: estamos sempre a tentar salvar a última relação."

27.1.13

As previsões do anão

Há uma espécie de prazer perverso em vermos confirmadas as nossas previsões; é isso que transforma qualquer anão em super-homem.

Descobertas

Durante muito tempo pensei que amamos quem nos ama: amar pouco mais seria do que um exercício narcísico. Não é. Uma descoberta tardia mas de certa forma reconfortante.

Dor: paráfrases e variações

Só os profissionais da dor deviam ter-lhe acesso. Quando os dilentantes se apoderam dela, a doce melancolia da vida transforma-se em farsa.

There's no pride without love.

Não deites fora a dor suja de ontem sem teres a limpa de hoje.

Há dois dias bons no clube dos corações solitários: aquele em que se é admitido e aquele em que se é expulso.

Devemos abordar a dor com as precauções de um Navajo e instalarmo-nos nela com a determinação de um colono.

A melhor forma de avaliar uma relação que termina é ver se as noites são tão difíceis, ou mais, do que os dias.

Dar tesão à dor: não há desafio mais interessante, apaixonante, estimulante.

A compreensão não atenua a dor. Quando muito torna-a mais suportável; como visitar as avós: antes a que faz bons pastéis de bacalhau.

O único lugar decente para a dor é a memória: é de onde desaparece mais depressa.

A dor é composta por cabeça, seios e pele. Curiosamente, o prazer também.

A dor não é incompatível com os trópicos; basta é a biblioteca que o demonstra. Mas é indubitavelmente melhor sofrer com calor do que com frio.

Mais vale bem magoado do que mal acompanhado.

Uma dor por dia, não sabe o mal que lhe fazia.

O mundo é pequeno: falta uma pessoa e nós somos o mundo.

25.1.13

Adeus, silabas

Adeus é uma palavra bissilábica. Ou seja: tem duas sílabas. Não tem cinquenta.

PS - Curiosamente, passa-se o mesmo com olá (e com amor, mas isso é outra historia).

As vidas da pessoa, as pessoas da vida

A ideia que existe alguém a quem poderíamos chamar "a pessoa (homem ou mulher, tanto faz) da minha vida" é uma falácia: ninguém tem uma vida só. Pior: é um erro. Ninguem deve querer ter uma só vida.

24.1.13

Infelicidades

A vantagem desta ideia das infelicidades como se fossem bonecas russas, enfiadas umas nas outras, é que uma vez correctamente ordenadas podemos desfazer-nos delas todas com um só gesto.

Difícil é ordená-las, claro.

23.1.13

Coral Bay, St. John, USVI, EUA, 23-01-2012

O Island Blues tem um site (www.island-blues.com, não há maneira de me entender com este teclado). Vale a pena visitá-los, o sítio e o site. É lá que estou agora, a beber um Painkiller. A minha senhora velhota é uma chata e hoje resolveu perder o hélice. Gosto muito dela, da minha senhora velhota, mas estou a perder a paciência, bem escasso já de si, não precisa destes ameaços constantes, raios as partam, à paciência e à senhora de idade.

De maneira continuo em Coral Bay, no Island Blues a beber Painkillers e a pensar no sofrimento, na dor e na relação entre os dois.

Isto vem a propósito de umas palavras rabiscadas esta noite, ainda tinha hélice e pensava sair hoje:

"Vim dormir para o poço; a noite está bonita de mais para estar enfiado num camarote minúsculo. Quarto crescente, vinte nós de vento sem vagas, que a baía é muito protegida, as luzes das casas nas montanhas à volta a apagar-se uma a uma, como se fossem divisões de uma vivenda gigantesca percorrida por um Tati distraído. O vento acaricia-me melhor do que muitas mãos, talvez porque tenha começado mais cedo.

"A dor é inevitável; o sofrimento opcional", dizia a tatuagem (enfim, uma das muitas tatuagens) de um tipo com quem naveguei estes dias. É uma palermice, claro. Só um palerma se lembraria de tatuar o corpo daquela maneira, e com idiotices daquelas. Se o sofrimento fosse opcional psicanalistas, bares, farmacêuticas e muitos escritores famosos estariam falidos, ou noutro ramo de negócio. O que é opcional é a exibição do sofrimento."

Ou do prazer, acrescento agora.

22.1.13

Coral Bay, St. John, USVI, EUA, 22-01-2013

Um gajo acaba de escrever o título do post e já está cansado. Depois confronta-se com as inconsistências do "teclado" e perde a vontade toda de escrever.

Tanto mais que hoje é noite de karaoke no Island Blues, o bar onde ouvi a melhor música ao vivo dos últimos tempos.

Isto do karaoke é uma das incongruências da vida. Com tanta gente talentuosa que não quer cantar, por que raio de carga de água inventaram um mecanismo que permite a quem não tem talento massacrar os ouvidos dos inocentes?

O Island Blues é o único bar de Coral Ay que tem wifi...

Pseudo-hipérbole; ou: Retrato

A senhora parece uma versão feia da Patti Smith. Não é uma hipérbole. A poesia faz as pessoas mais bonitas, simplesmente. 

Infelicidades, grandes e pequenas

Que as pequenas infelicidades se dissolvem nas grandes (e no rum, mas isso agora não interessa) é sabido e conhecido; banal. Mas que as grandes se dissolvem nas pequenas - isso sim, é uma novidade entusiasmante.

20.1.13

Coral Bay, St. John, USVI, EUA, 20-01-2013

Pela primeira vez em muito tempo acordei com uma dor de cabeça de origem hepática. Como estou de turista, penitenciei-me com um passeio pela ilha. S. está no ferro e está bem, calmo. 

A caminhada foi curta, mas intensa: meia-hora de subida transformam em forno o mais fresco dos dias. Acabei a pedir boleia mais cedo do que tinha previsto. De qualquer forma estava um aguaceiro a chegar e e e.

O carro que parou explicou-me que não vinha directamente para Cruz Bay, o que agradeci profusamente. Eram o armador, respectiva namorada e skipper de um Sunreef 62 que está fundeado em Cruz Bay e andavam a dar uma volta pela ilha.

Que fiquei, portanto, a conhecer parcialmente. St. John é quase toda um parque nacional, com poucas casas e uma vegetação que deve ser a original destas ilhas. Conheci igualmente a "capital", Cruz Bay, uma cidadezinha pequena, à escala da ilha, e muito americana. A diferença entre St. John e St. Thomas é abismal. "Um mal necessário", chamou-lhe o meu colega de boleia no regresso, um senhor que vem a St. John desde 1981. Não sei se é necessário, mas mal é de certeza.

E assim, entre penitências e encontros simpáticos passou o dia; a primeira folga num mês e quase meio. 

19.1.13

Tempo, parênteses

Uma má notícia esperada durante muito tempo deixa de ser notícia; mas não deixa de ser má.

O tempo parece uma concertina tocada por um gajo que tomou LSD: às vezes estica-se até  parecer que vai rebentar, outras encolhe-se até desaparecer.

Eu trato disso com parênteses: abro-os e espero que eles se fechem. Com pouca dor e pouco barulho, se possível.

Coral Bay, St. John, USVI, EUA, 19-01-2013

Um dia acabarei assim: um bar caótico com uma vista linda de morrer, uma mulher feia com cara de quem viveu muitas vidas e um barco sublime como a vida e as mulheres feias fundeado em frente (do bar). Será como agora o fim de um dia sem vento, o fim de uma história, um parênteses que se fecha.

Coral Bay lembra-me Bequia, já por aqui o disse. Com uma excepção: o Island Blues, que agora me acolhe tem uma vista mais bonita. Mas é o mesmo bar, em branco. E a música é incomparavelmente melhor.

Estou apaixonado pelo S., a minha senhora rabugenta, o meu encantador chaço. Um dia ele retribuirá.

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Coral Bay é a "cidade" (isto precisava de um quilómetro de aspas) para onde os hippies do mar se retiram. Está cheio de velhos de cabelo comprido e de gente nova que - suponho - os inveja. Mas, seja  Deus louvado, não tem yachties. Tem mosquitos - toneladas deles - hippies, músicos, senhoras sozinhas, muitos barcos e um "super" (sai um quilómetro de aspas para a mesa do canto)-mercado. Mas não tem yachties.

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Há outra diferença: aqui um gajo tem a impressão de estar numa cadeira de cinema; em Bequia está no palco.

Beleza, idade

Passada uma certa idade as mulheres deixam de se preocupar com a beleza. Pelo menos algumas, com alguma.

Redhook, St. Thomas, USVI, EUA,18-01-2013

Pela primeira vez sinto-me bem em Redhook; a melancolia feliz é a minha casa. Ou a sua fundação, quem sabe.

A substância no sangue baixa, à custa de muita água e salada. Para não lhe dar falsas expectativas (ao sangue) encarrego-me de a fazer subir, com uns Mount Gay e - já que regressei ao Pub - Irish Coffees (sem açúcar, não gosto deles doces. Nem delas, de resto; mas isso é outra história). Ainda não me apreenderam a carta de dinghies.

No Latitude 18 tocava uma banda que me fez pensar nos Fruto de la Manga. Mais velhos e americanos, mas com o mesmo espírito. É uma função nobre, devolver a melancolia à felicidade - ou, ao invés, esta àquela.

«Esta é a canção favorita da minha avó» anunciou o chefe da banda numa das canções. Abençoada avó (o senhor tem pelo menos setenta anos).

Os Irish Coffee são demasiado doces. E caros, o que ainda é pior. Mas num pub "irlandês" a única pessoa feliz tout court é o dono. Sem melancolias, a julgar pelo facies do homem, um irlandês obeso com uma orelha permanentemente atrás de um auscultador de telefone. A musica é boa, a comida também, parece. Para o resto há braços, pernas e um bocadinho de cabeça.

18.1.13

Velhice, paz

A senhora da mesa em frente terá aquela cara quando morrer; a mesma expressão pacífica, o mesmo sorriso generoso.

A paz é tão bonita como a felicidade; e muito mais contagiante.

Rir é a minha profissão

Há uns anos li um romance cuja personagem principal tinha por profissão emprenhar senhoras - amas de leite que precisavam de estar grávidas, claro. Exercia esta nobre função seis dias por semana (ainda não havia semana inglesa, no tempo da história). Aos domingos consagrava-se à esposa.

Cada vez que vejo na televisão aquelas pessoas cuja profissão é rir, estar permanentemente de bom humor, contagiar as audiências e os outros participantes penso no senhor e pergunto-me como farão em casa. Terão um dia reservado para rir?

Mundo, vida

Meia duzia de dias sem acesso ah net. Agora tenho, mas sem acentos (jah agora, alguem me pode dizer como os ter num tablet Toshiba?).  Dizer que regresso ah vida eh um exagero. Mas sinto-me de regreso ao mundo, isso sinto.

Ainda não é isto, mas já está mais perto.


9.1.13

Redhook, St. Thomas, USVI, EUA, 09-01-2013

A minha senhora velhota continua com as crises de rabugice e ontem lá pegou fogo outra vez. Exagero: curto-circuito, muito fumo e um cheiro atroz a queimado, mas nada de chamas, graças a Deus. Desta vez um extintor foi suficiente. A boa notícia é tudo indicar que este está relacionado com o anterior: prefiro um problema com várias ramificações a vários problemas independentes.

S. é um barco magnífico. Só precisa de um bocadinho de cirurgia - não plástica, refiro-me a cirurgia a sério.

Agora está fundeada na baía, trinta pés de fundo e quase duzentos de amarra, para ter a certeza de que não sai do sítio. Está vento, e se lhe dá para a asneira é uma chatice.

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Escrevo no Café Gourmet do  American Yacht Harbour, a marina local. Gourmet sempre me pareceu um termo bastante abusado, mas neste caso o abuso é escandaloso. Vale a vista, bonita; e a música, entre o aceitável e o bom.

Não posso ouvir nada a bordo enquanto não tiver o problema resolvido, espero que amanhã. Tem sido um prazer inesperado, este reencontro com a minha música.

Já as BVI são o que esperava: uma seca; bonita, mas seca. As Caraíbas acabam em St. Martin, quando se vem do Sul; e começam em Antigua, quando se vai.

8.1.13

Charlotte Amalie, USVI, EUA, 07-01-2013

Voltei ao Twisted Cork, para celebrar algo que o será de novo em breve. Comi um pato que vai estabelecer padrões para todos os patos daqui para a frente. É uma chatice, isto de aos cinquenta e cinco anos ser surpreendido por um pato.

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Faz hoje um mês que cheguei a Miami. Como é possível viver sem viver tanto, num só mês?

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As BVI são demasiado brancas para o meu gosto. Daqui a 3 dias andarei por lá, desta vez com o filho de C. e amigos. Pode ser que comece a gostar mais.

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Clément 10 anos - o rum francês, à falta de El Dorado, Mount Gay e alguns outros é excelente.

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S. é uma senhora velha, rabugenta e gorda. Coo consegue ser amável apesar disto tudo é um mistério - ou um teste.

Zona de conforto

Há poucas expressões mais estúpidas do que zona de conforto: os problemas que encontramos fora dela são tão melhores do que os que tínhamos quando lá estávamos.

7.1.13

Charlotte Amalie, USVI, EUA, 06-01-2013

Amanhã os queridos armadores vão-se embora.

Soper's Hole, Tortola, BVI, Reino Unido, 05-01-2013

É um daqueles dias em que preciso desesperadamente de net; para me lembrar que não devemos nunca precisar desesperadamente seja do que for - vento, amor, net, seja o que for. Vento há muito, por aqui; e amor tenho. Mas net não. E depende tanto de mim como este ou aquele: nada. Vou dormir. Daqui a três dias faz um mês que trabalho ininterruptamente, muitas vezes mais de doze horas por dia.

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Pela primeira vez em muito tempo estou completamente sozinho. Os armadores foram jantar a terra, convidados por um casal amigo a um restaurante luxuoso, pelo menos a julgar pelas fotografias que C. me mostrou. E. está-se nas tintas. Descendente de russos que vieram para os EUA no princípio do século XX, self made man, riquíssimo, ainda se lembra do que é ser pobre. É uma das coisas de que gosto nele.

Mas é forçoso reconhecer que um tipo incapaz de usar a expressão "o meu chefe", a quem dizer "o meu patrão" provoca um irrepressível e incompreensível incómodo não é feito para ser skipper de proprietário, por adorável que este seja.

O charter tem várias vantagens: os clientes só ficam uma semana, não têm hábitos e não conhecem o barco. Posso fazer as coisas como gosto, pela ordem que me parece melhor, quando acho que é preciso fazê-las.

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A Marina de Soper's Hole parece-se furiosamente com a de Marigot Bay, em St. Lucia. Em maior: Soper's Hole é muito maior do que Marigot. Mas a sensação de estar num buraco é igualzinha.

5.1.13

Spanish Town, Virgin Gorda, BVI, Reino Unido, 04-01-2012

G. foi desembarcado hoje com uma limpeza que me deixou admirativo. Gosto de coisas bem feitas, e esta foi-o, sem dúvida. A ver como se o rapaz se safa, e como.

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Mais um dia, mais uma ilha, mais uma avaria. S. é uma velha senhora rabugenta que todos os dias tem um achaque, para nos lembrar que quem gosta do que é bom paga. Hoje foi o frigorífico; ontem o gerador; anteontem a grande - o rasgão é pequeno, mas tem de ser tratado assim que chegar a St. Thomas. Devia ser antes, mas não tenho tecido a bordo e não quero coser o pano e deixar os pontos à vista. De qualquer forma aguenta o que nos espera, meia dúzia de horas à popa.

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A ilha do dia é Virgin Gorda, uma das grandes e a mais a leste do grupo central. Como sempre não vejo nada: a marina - simpática, mas não mais; e o caminho, muito curto, até ao restaurante Chez Bamboo, uma maravilha à qual o site não faz de todo justiça.

Comer nas Ilhas Virgens requer uma certa capacidade financeira, mais do que estomacal (enfim, a maioria das vezes). Felizmente não sou eu que pago as refeições; precisaria doutro salário, se fosse.

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Daqui a três dias E. e C. vão-se embora; três dias depois chegam M. e um grupo de amigos. Depois tenho duas semanas de "férias" - entre aspas porque uma delas vai ser passada a trabalhar.

A outra vai ser em Antigua.

Podia ser pior.

Aniversário

O Don Vivo fez nove anos vai para cinco dias. Não me lembrei da data (não é a primeira vez e não será decerto a última), mas não a quero deixar passar sem menção.

Nestes nove anos aconteceram muitas coisas, boas e más; e das boas a grande maioria foi provocada pelo DV. Dizer-lhe obrigado não seria tão espúrio, ou arrogante, como à primeira vista pareceria. 

4.1.13

Marina Cay, BVI, Reino Unido, 03-01-2012

G., o insubstituível tripulante suíço caíu em desgraça. Goza demasiado a viagem.   Um tripulante pode gostar do que faz - e eu não tenho a certeza de que ele goste por aí além - mas não pode gozar. Dormir ao sol com os auscultadores nos ouvidos não se faz, por exemplo.

Tenho pena, por um lado; o rapaz é simpático e eficaz. E acho injusto, por outro: a verdade é que sem ele a viagem até St. Thomas teria sido muito mais complicada. Vi o filme todo em antestreia, mas não intervim. Não só não fui eu que o contratei como propus uma pessoa impecável para estes dias. Não quiseram, o problema é deles.

E dele, que vai ser desembarcado amanhã sem saber como nem porquê. Um dia perceberá, é inteligente e tem tempo.

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Marina Cay é uma ilhota minúscula à beira de Tortola onde há muitos anos viveram um senhor chamado Robert White e a sua mulher. Três anos, ao que parece, até ele ser chamado para a tropa (decorria a Segunda Guerra Mundial) e nunca mais cá voltaram.

Hoje tem um hotel, um Pusser's e nada que a distinga de centenas de outras ilhas, grandes ou pequenas, das BVI, apesar dos esforços - bem sucedidos, a julgar pela quantidade de clientes - do departamento de marketing da empresa.

É nas BVI que vou ficar baseado esta época. Não é muito longe de Antigua, mas os bilhetes, via LIAT Airlines, são caríssimos. Malditos monopólios, malditas empresas estatais, maldita distância.

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Navegar aqui faz-me lembrar os passeios no lago Léman. Não é provocação: não consigo deixar de pensar no lago, quando olho para estas montanhas que nos rodeiam como se lá estivéssemos, estas "navegações" de hora e meia... enfim, tudo o resto é diferente, reconheço. Incluindo a gigantesca barata que acaba de percorrer o topo do monitor do meu computador, com uma desfaçatez inaceitavel - que ficou por punir, infelizmente beneficiou do meu espanto e conseguiu escapar-se ilesa.

2.1.13

The Bight Bay, Norman's Island, BVI, Reino Unido, 01-01-2012

As BVI não são o meu canto favorito das Antilhas; mas devo reconhecer que há sítios piores para começar o ano - ou para o continuar, que isto de pôr cancelas no tempo vale tanto como pedir-lhe para esperar um bocadinho, que o dia está lindo. Ou despachar-se, que o fim do ano é uma seca.

E., C. e eu fomos deitar-nos cedo; ainda ouvi o concerto de sirenes à meia-noite, mas já de fugida. G. foi à terra. A julgar pelo que vi durante a tarde não deve ter sido uma experiência inesquecível - dinghies atulhados de putos de copo na mão a dizer adeus a tudo o que passava, "música" de dança (entre aspas porque não me habituo a chamar música àquilo e não quero habituar-me), miúdas histéricas e rios de rum.

O amanhecer foi surpreendente, porque a maioria dos barcos levantou ferro bastante cedo. Nós também: fui a terra comprar água e viemos para Norman's Island, a ilha que inspirou a Stevenson A Ilha do Tesouro. Há pouco a dizer desta navegação que não seja repetitivo: a maravilha - esta repetição de verde, azul e vento - é monótona.

Mas nem sempre a monotonia é aborrecida, muito antes pelo contrário.

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Que longe está Palma! E Portugal, ainda mais. Parece que o Cavaco mandou o orçamento para o TC. Qualquer dia desligo-me de todos os blogues portugueses que leio e começo a preocupar-me apenas com o que é importante: tu, uma embarcação de vela e uma ilha nas Caraíbas. O resto é paisagem, história, espuma, periferia.

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Tanto quanto percebi há dois restaurantes em Norman's Island. O outro chama-se Willie T. e é onde os armadores foram comer. Nós viemos ao Pirates Bight. Não sei de onde vem o Pirates - talvez da relação quantidade / preço (a qualidade é indiscutivelmente óptima, mas as porções são minúsculas) -. G., que tem um apetite capaz de envergonhar Gargantua, olha desesperado para o prato vazio e diz que sabe a pouco. Acabei por encomendar Conch Fritters, uma especialidade local que raramente é bem feita e desta vez não foge à regra; pelo menos a quantidade é a habitual. Ofereço o último a G., que agradece e me diz "sinto-me como um aspirador humano". O meu pai chamar-lhe-ia triturador, ou coisa que o valha.