Há muito pouco mais de meia-dúzia de anos conheci um senhor que tinha uma fábrica de uns produtos utilizados tanto para obras públicas como para construção civil. Um dia ouvi-o discutir ao telefone, com um colega, descontos de 65%, 70%, 75%. Fiquei intrigado, claro: descontos de 75%?
- É que nós temos os preços de tabela, que são os que aplicamos ao Estado, às Câmaras Municipais, etc. - esclareceu-me. - Entre nós, e para os privados, fazemos descontos.
- Está bem, isso percebo. Mas 75% de desconto? E a malta do Estado não se apercebe desse inflacionamento?
- Ah, eu dou uma avença mensal ao gajo da Câmara...
- E os outros, os teus concorrentes?
- Também, claro.
- ?
- Todos damos. Se dermos, ele escolhe-nos a todos, à vez. Se não dermos ele não nos escolhe nunca.
29.4.07
Aversão ao risco
Oiço muitas vezes dizer que, com a burocracia que temos actualmente, não poderíamos repetir os feitos de antanho. É indubitavelmente verdade. Mas também é inegável que não são os actuais empresários e gestores nacionais que fariam hoje o que os nossos antepassados fizeram (salvo, claro está, raras, e tanto mais honrosas, excepções).
A aversão ao risco é o traço distintivo da nossa personalidade actual. Não sei porquê. Provavelmente, tem a ver com a pobreza: não são os ricos, são os pobres que são avessos ao risco - se bem no séc. XV não fôssemos exactamente ricos; será por causa da mão protectora do Estado? Não sei. A burocracia, o que faz, é afastar os mais empreendedores para outros países.
(Gosto deste termo, "avesso ao risco": significa "cobardola" em economês).
A aversão ao risco é o traço distintivo da nossa personalidade actual. Não sei porquê. Provavelmente, tem a ver com a pobreza: não são os ricos, são os pobres que são avessos ao risco - se bem no séc. XV não fôssemos exactamente ricos; será por causa da mão protectora do Estado? Não sei. A burocracia, o que faz, é afastar os mais empreendedores para outros países.
(Gosto deste termo, "avesso ao risco": significa "cobardola" em economês).
28.4.07
La vita
Anteontem cheguei ao Rossio vindo dos Restauradores. Uma senhora, visivelmente doente mental, fazia as suas necessidades encostada a uma parede; continuo, e na outra extremidade da praça deparo com o senhor que tem aquela horrível disformidade "Elephant man". Pouco depois, esperava para atravessar a passadeira, e vem um homem explicar-me que "o Futebol Clube do Porto é uma grande equipa, ouviu?" - fiz que sim com a cabeça e afastei-me. Hoje, na mercearia, passa por mim uma senhora anã, corcunda e com o facies desfigurado; atrás dela, vem um senhor pobre, mas digno - e sem uma perna.
Bolas, eu gosto do Fellini, mas no cinema.
Bolas, eu gosto do Fellini, mas no cinema.
27.4.07
Fantasmas
Será que os fantasmas dos suicidas têm, no paraíso dos fantasmas (ou seja lá para onde for que eles vão), o mesmo estatuto que os outros fantasmas? Ou passam o resto da morte a ouvir "estás aqui porque queres"?
Le Pigeonnier, ou: O Poder das Palavras
Lembro-me como se fosse hoje: a senhora da loja tinha um decote até ao umbigo; e por baixo, um pigeonnier extremamente bem populado, ma parole. Enquanto me atendia e preparava a minha encomenda, ela falava ao telefone, e eu fazia os possíveis por desviar os olhos daquelas duas rolas, pujantes, redondas, a quererem saltar cá para fora, a quererem voar. Esfregava os olhos, ia ao exterior fazer inspirações profundas, explorava o tecto da loja milímetro a milímetro.
Até que, subitamente - tinha os olhos tapados, não a via - oiço-a dizer "é um serviço que a senhora quer que nós fáçamos...". Assim mesmo: "fáçamos". A magia desvaneceu-se, o desânimo invadiu-me, o decote volveu à sua vulgaridade original, e o mundo com ele.
Até que, subitamente - tinha os olhos tapados, não a via - oiço-a dizer "é um serviço que a senhora quer que nós fáçamos...". Assim mesmo: "fáçamos". A magia desvaneceu-se, o desânimo invadiu-me, o decote volveu à sua vulgaridade original, e o mundo com ele.
Sexta-feira à tarde
Chegar a casa, um bule de chá verde, Virginia Astley a cantar "All shall be well", ou "I live for the day / when you will return to my side "; os ingleses têm uma palavra para isto: solace.
Paraíso
Lá vai o fantasma, coitado, para o paraíso outra vez. Farto de estar morto, claro, mas o gajo que lhe tinha prometido a ressurreição andava sempre bêbado, nos pubs "irlandeses" da cidade, a beber cervejas nacionais e a mirar as empregadas, que não o viam, sequer, era um fantasma transparente, já nem força tinha para arrastar correntes ou aparecer de súbito à noite aos amorosos de mais de 40 anos, ainda sobravam uns poucos, nos jardins do asilo - era um fantasma velho, não gostava de jovens, sempre se dera melhor com amigos, e mulheres, mais velhos do que ele. Mas agora não havia ninguém mais velho do que ele.
A verdade é que ninguém o via, nem nos pubs nem no paraíso nem no bordel, onde ia aos sábados, em peregrinação, ver a sua puta favorita despachar clientes como quem, com uma dor de barriga, despacha Fernet-Branca - sabe mal mas faz bem.
Já não me lembro o nome do fantasma; ele tão-pouco, provavelmente: mas é irrelevante, de qualquer forma. Está morto, e continua a ter que ir ao paraíso todos os dias, à espera da ressurreição, coitado.
Já era velho, muito velho - a morte dura uma vida, e é muito chata.
A verdade é que ninguém o via, nem nos pubs nem no paraíso nem no bordel, onde ia aos sábados, em peregrinação, ver a sua puta favorita despachar clientes como quem, com uma dor de barriga, despacha Fernet-Branca - sabe mal mas faz bem.
Já não me lembro o nome do fantasma; ele tão-pouco, provavelmente: mas é irrelevante, de qualquer forma. Está morto, e continua a ter que ir ao paraíso todos os dias, à espera da ressurreição, coitado.
Já era velho, muito velho - a morte dura uma vida, e é muito chata.
26.4.07
Jorge Sampaio na ONU
A ONU é um grande conjunto de agências, das quais algumas (a maioria, de resto) são totalmente inúteis. Que uma pessoa fundamentalmente inútil vá dirigir uma das mais inúteis dessas agências, não aquece nem arrefece, antes pelo contrário.
Já o com Guterres é diferente: uma pessoa incompetente numa das duas agências da ONU (a outra é o WFP) que funciona bem - isso sim, pode ter consequências. O UNHCR exige à sua frente pessoas de pulso, capazes de fazer frente a Governos, e pouco dadas ao "diálogo".
PS - perdão, não é uma agência, é um alto comissariado. Sorry.
Já o com Guterres é diferente: uma pessoa incompetente numa das duas agências da ONU (a outra é o WFP) que funciona bem - isso sim, pode ter consequências. O UNHCR exige à sua frente pessoas de pulso, capazes de fazer frente a Governos, e pouco dadas ao "diálogo".
PS - perdão, não é uma agência, é um alto comissariado. Sorry.
Summer's almost gone
Eu gostaria de lembrar aos senhores do tempo que a Terra está a aquecer. Aquecer.
Jantar
-Fizeste-me jantar de pé, por toda a cozinha, um jantar miserável, quem te manda estar tão perto e tão longe, quem te manda nunca teres saído de mim, seres tão calma e tão bonita e tão parecida com uma praia no inverno, num daqueles dias de sol frios de inverno em que tudo está calmo mas tu sabes que tudo vai explodir de um momento para o outro, quem te manda seres tão calma, tanta doçura, tanta força escondida, como uma onda que tivesse ficado parada mesmo antes de rebentar, quem te fez assim, tão bonita, tão bonita, tão perto e tão longe... Tu és o tempo, és as letras todas de um alfabeto que ficou por criar, mas que nós vamos inventar, ou reinventar, vamos soletrá-lo todo do princípio ao fim e do fim ao princípio, vamos acariciá-las, as letras, afagá-las, tomá-las nas mãos e bebê-las como ofrendas de um deus atento e carinhoso. Um dia jantar-nos-emos, e nada nos separará, nunca mais.
25.4.07
Boubacar Traoré
Mais world music do que isto é difícil de encontrar, mas é francamente bonita:
http://www.youtube.com/watch?v=GfYVwXGD9-I
http://www.youtube.com/watch?v=GfYVwXGD9-I
Frank Sinatra
Ainda na série Mining the Past - enfim, talvez Mining Eternity seja mais apropriado.
Strangers in the Night:
http://www.youtube.com/watch?v=_AdnvXePifM
Strangers in the Night:
http://www.youtube.com/watch?v=_AdnvXePifM
Tidiane Koné (Bamako Rail Band)
Tidiane Koné foi o fundador da legendária Rail Band, da qual não encontrei, infelizmente, registos na net. Como não encontrei do Salif Keita ou de Mori Kante (então, os dois cantores da banda) de antes da World Music (deste género).
http://www.youtube.com/watch?v=UqRqQklN710
Strangers in the Night: http://www.youtube.com/watch?v=lQLeFMfp2hQ
Wali Mani Fiou: http://www.youtube.com/watch?v=9i2Ul8TNKeE
Notas da pessoa que filmou este último clip:
"Après une entrevue où nous parlions de sa vie et de sa musique, Tidiani m'a amené chez son "logeur" comme il l'appelait. Il m'a fait visiter la chambrette qu'il occupait. Un matelas à même le sol. Quelques instruments de musique. Ses seules possessions. Il a pris sa guitare, j'ai armé ma caméra, et nous sommes sortis. Un plan-séquence de plus de cinq minutes. On m'entend souffler. Comme une baleine. Il faisait extrêmement chaud. C'est une excuse, je sais. J'aurais pas dû respirer. Mais les vicelards qui se taperaient mes vidéos pour y débusquer le couac technique, ils ne sont pas à la bonne place. Ou plutôt ils y sont. Il y en a tout plein. Mais il y a autre chose aussi. Et c'est ce autre chose que depuis mon enfance je poursuis."
Devo dizer que acho a respiração do senhor um bocadinho chata...
http://www.youtube.com/watch?v=UqRqQklN710
Strangers in the Night: http://www.youtube.com/watch?v=lQLeFMfp2hQ
Wali Mani Fiou: http://www.youtube.com/watch?v=9i2Ul8TNKeE
Notas da pessoa que filmou este último clip:
"Après une entrevue où nous parlions de sa vie et de sa musique, Tidiani m'a amené chez son "logeur" comme il l'appelait. Il m'a fait visiter la chambrette qu'il occupait. Un matelas à même le sol. Quelques instruments de musique. Ses seules possessions. Il a pris sa guitare, j'ai armé ma caméra, et nous sommes sortis. Un plan-séquence de plus de cinq minutes. On m'entend souffler. Comme une baleine. Il faisait extrêmement chaud. C'est une excuse, je sais. J'aurais pas dû respirer. Mais les vicelards qui se taperaient mes vidéos pour y débusquer le couac technique, ils ne sont pas à la bonne place. Ou plutôt ils y sont. Il y en a tout plein. Mais il y a autre chose aussi. Et c'est ce autre chose que depuis mon enfance je poursuis."
Devo dizer que acho a respiração do senhor um bocadinho chata...
Buffy St. Marie
Aviso: o video é de uma foleirice sem nome: http://www.youtube.com/watch?v=hJShOx7NtNw
Este é "normal":
http://www.youtube.com/watch?v=H3q79HFjhBg
Da série Mining the Past, ou Vibrato forever
(Não encontrei Guess who I saw in Paris, que é a minha canção favorita dela).
Este é "normal":
http://www.youtube.com/watch?v=H3q79HFjhBg
Da série Mining the Past, ou Vibrato forever
(Não encontrei Guess who I saw in Paris, que é a minha canção favorita dela).
Urgência
Havia uma urgência na sua voz, ou melhor, uma mistura de urgência e de calma, que lhe fazia lembrar os madrigais de Gesualdo, um dia de vento forte num arquipélago grego, ou aquele momento imediatamente antes do primeiro beijo, em que tudo ainda é expectativa e já é inelutável.
Vinte mil vezes
"Take any bird and put it in a cage
And do al thyn entente and thy corage
To frostre it tenderly with mete and drinke
Of alle deyntees that thou canst bithinke
And keep it al-so clenly as thou may
And be his cage of gold never so gay
Yet has this bird by twenty thousand fold
Lever in a forest that is rude and cold
Gon ete wormes and swich wrecchedness."
Geoffrey Chaucer, "Maunciples Tale"
(Pega em qualquer ave e mete-a numa gaiola
E usa todo o teu empenho e todo o teu coração
Para ternamente a nutrires com alimento e bebida
De todas as requintadas iguarias que consigas imaginar
E mantém-na também tão limpa quanto possas
E não possa a sua gaiola de ouro ser mais alegre
Mesmo assim vinte mil vezes preferirá essa ave
Voar numa floresta inclemente e fria
Comer vermes e tais porcarias)
in Ultramarina, Malcolm Lowry, col. Dois Mundos, ed. Livros do Brasil. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues, com esta nota:
"Sem ter a pretensão de traduzir poesia, nem tão-pouco de ser entendida em inglês medieval, atrevo-me no entanto, para esclarecer o leitor na medida do possível, a dar uma tradução aproximada dos versos de Chaucer, penitenciando-me, desde já, de possíveis inexactidões."
And do al thyn entente and thy corage
To frostre it tenderly with mete and drinke
Of alle deyntees that thou canst bithinke
And keep it al-so clenly as thou may
And be his cage of gold never so gay
Yet has this bird by twenty thousand fold
Lever in a forest that is rude and cold
Gon ete wormes and swich wrecchedness."
Geoffrey Chaucer, "Maunciples Tale"
(Pega em qualquer ave e mete-a numa gaiola
E usa todo o teu empenho e todo o teu coração
Para ternamente a nutrires com alimento e bebida
De todas as requintadas iguarias que consigas imaginar
E mantém-na também tão limpa quanto possas
E não possa a sua gaiola de ouro ser mais alegre
Mesmo assim vinte mil vezes preferirá essa ave
Voar numa floresta inclemente e fria
Comer vermes e tais porcarias)
in Ultramarina, Malcolm Lowry, col. Dois Mundos, ed. Livros do Brasil. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues, com esta nota:
"Sem ter a pretensão de traduzir poesia, nem tão-pouco de ser entendida em inglês medieval, atrevo-me no entanto, para esclarecer o leitor na medida do possível, a dar uma tradução aproximada dos versos de Chaucer, penitenciando-me, desde já, de possíveis inexactidões."
Batalhas
Uma batalha tremenda contra uma garrafa de Murganheira meio-seco, o seu inimigo favorito - doce era uma vitória demasiado fácil, bruto um resultado sistematicamente ambíguo.
Joseph Heller
"Yossarian was in the hospital with a pain in his liver that fell just short of being jaundice. The doctors were puzzled by the fact it wasn't quite jaundice. If it became jaundice they could treat it. If it didn't become jaundice and went away they could discharge him. But this just being short of jaundice all the time confused them."
"She says that if I really like her I'd send her away and go to bed with one of the others"
"Yossarian was in love with the maid in the lime-colored panties because she seemed to be the only woman left he could make love to without falling in love with."
"Major Major had been born too late and too mediocre. Some men are born mediocre, some men achieve mediocrity, and some men have mediocrity thrust upon them. With Major Major it had been all three."
"...and he did not hate his mother and father, even though they had both been very good to him."
in Catch 22.
"She says that if I really like her I'd send her away and go to bed with one of the others"
"Yossarian was in love with the maid in the lime-colored panties because she seemed to be the only woman left he could make love to without falling in love with."
"Major Major had been born too late and too mediocre. Some men are born mediocre, some men achieve mediocrity, and some men have mediocrity thrust upon them. With Major Major it had been all three."
"...and he did not hate his mother and father, even though they had both been very good to him."
in Catch 22.
Baricco
"Une fois Poomerang demanda au professeur Mondrian Kilroy pourquoi il ne le publiait pas, son Essai sur l'honnêteté intelectuelle. Et il nondit que ça aurait pu faire un beau livre épais. Rien que des pages blanches et ici et là les six thèses, mises au hasard. Le professeur Mondrian Kilroy dit que c'était une bonne idée mais qu'il n'avait pas l'intention de le publier, cet essai, parce qu'en cherchant bien il n'était pas sûr qu'il soit follement naïf. Il le trouvait infantile."
"Elle aimait bien faire les courses le soir, elle prétendait que la marchandise était fatiguée et se laissait plus facilement acheter".
in City, ed. Albin Michel, Paris, 2000
"Elle aimait bien faire les courses le soir, elle prétendait que la marchandise était fatiguée et se laissait plus facilement acheter".
in City, ed. Albin Michel, Paris, 2000
24.4.07
Colour blindness
Trabalhei muito tempo num café em Genève chamado "Le Marchand de Sable", que era um café ligeiramente peculiar. Como, a certa altura, começámos a ter problemas com a polícia por causa da droga, proibimos os clientes de enrolar - e consumir, claro - charros no interior (mesmo que não inalassem). A ordem foi relativamente bem aceite, excepto por um senhor, africano negro, que um dia admoestei um bocadinho mais vigorosamente do que o habitual - afinal, era a terceira ou quarta vez que o fazia.
- Racista! - respondeu-me. Isto aborreceu-me, porque eu não tinha feito referência nenhuma à sua pele.
- Estás enganado, meu caro. Só seria racista se não soubesse que os pretos também podem ser estúpidos. Mas, como sabes, vivi muitos anos em África, e sei perfeitamente que há tantos pretos mentecaptos como brancos. Agora, se fazes favor, sais e não voltas a pôr cá os pés.
- Racista! - respondeu-me. Isto aborreceu-me, porque eu não tinha feito referência nenhuma à sua pele.
- Estás enganado, meu caro. Só seria racista se não soubesse que os pretos também podem ser estúpidos. Mas, como sabes, vivi muitos anos em África, e sei perfeitamente que há tantos pretos mentecaptos como brancos. Agora, se fazes favor, sais e não voltas a pôr cá os pés.
Os vacaclastas e os ícones sagrados
Se Pedro Arroja tivesse escrito este post sobre os chineses, os latino-americanos ou os africanos - povos em quem aceitamos perfeitamente a componente identitária da cultura - alguém teria levantado um sobrolho que fosse (excepto, eventualmente, em assentimento)?
Apesar de o achar um dos melhores e mais estimulantes bloggers nacionais, não estava, de vez em quando, de acordo com o que Pedro Arroja escrevia nos Blasfémias; acho o post em questão particular, e excepcionalmente, confrangedor - como acharia se se referisse a outros povos; mas continuo a não perceber porque é que ser anti-semita é um crime de lesa-majestade, muito mais grave do que qualquer outro crime - e estou tanto mais à vontade para o dizer quanto sou profunda, visceral, definitivamente, pró-semita.
O anti-semitismo é uma ideia como outra qualquer, e como tal pode e deve (por quem isso interessar. A mim, é um tema que interessa pouco) ser discutida. Entre o anti-semitismo de Pedro Arroja e o holocausto há a mesma distância que entre o socialismo de Mário Soares e o Gulag.
Apesar de o achar um dos melhores e mais estimulantes bloggers nacionais, não estava, de vez em quando, de acordo com o que Pedro Arroja escrevia nos Blasfémias; acho o post em questão particular, e excepcionalmente, confrangedor - como acharia se se referisse a outros povos; mas continuo a não perceber porque é que ser anti-semita é um crime de lesa-majestade, muito mais grave do que qualquer outro crime - e estou tanto mais à vontade para o dizer quanto sou profunda, visceral, definitivamente, pró-semita.
O anti-semitismo é uma ideia como outra qualquer, e como tal pode e deve (por quem isso interessar. A mim, é um tema que interessa pouco) ser discutida. Entre o anti-semitismo de Pedro Arroja e o holocausto há a mesma distância que entre o socialismo de Mário Soares e o Gulag.
Cenas do país real
Cenário: a loja de jornais da estação de Cascais;
Intervnientes: vendedor de jornais e dois clientes que não se conhecem entre eles;
Vendedor (dirigindo-se a um dos clientes): Olá, bom dia; então, tudo bem?
Cliente 1 (irónico): Tudo na maior. Não podia estar melhor. Nem sombra de problemas;
Vendedor (sem se aperceber da ironia): ainda bem!
Cliente 1: Você nem faz ideia. Estou metido num sarilho!
Cliente 2 (simultaneamente, dirigindo-se ao Cliente 1): vê-se que não tem negócios com o Estado, para lhe estar tudo a correr tão bem;
Cliente 1: oh amigo, tenho tenho, e você nem faz ideia do sarilho em que estou.
Os 3 simultaneamente: o Estado...
Intervnientes: vendedor de jornais e dois clientes que não se conhecem entre eles;
Vendedor (dirigindo-se a um dos clientes): Olá, bom dia; então, tudo bem?
Cliente 1 (irónico): Tudo na maior. Não podia estar melhor. Nem sombra de problemas;
Vendedor (sem se aperceber da ironia): ainda bem!
Cliente 1: Você nem faz ideia. Estou metido num sarilho!
Cliente 2 (simultaneamente, dirigindo-se ao Cliente 1): vê-se que não tem negócios com o Estado, para lhe estar tudo a correr tão bem;
Cliente 1: oh amigo, tenho tenho, e você nem faz ideia do sarilho em que estou.
Os 3 simultaneamente: o Estado...
23.4.07
Paraísos e paraísos
"Portugal", escreveu o Dr. Júdice no Público (sem link) de dia 20 (e citado hoje no Jornal de Negócios, link later), "tem que ser referenciado como um paraíso para investidores". Deve haver poucas pessoas - e não há seguramente advogado nenhum - por quem eu tenha tanto respeito como pelo Dr. Júdice. Mas esta frase faz-me suave e amargamente sorrir.
Para começar, as grandes empresas internacionais (e algumas nacionais), que investem em Portugal têm enormes descontos nos impostos - ou seja, nós, a quem o Estado não paga o que deve, e a quem não tolera, apesar disso, o mais pequeno atraso no pagamento dos impostos, andamos a subsidiar multinacionais; paraíso sim, mas para alguns, portanto. A carga fiscal, realmente, não será um problema nesse éden que o Dr. Júdice antevê e eu não; mas o resto é - a educação, a burocracia, a lentidão, o medo de tomar decisões, a inveja, a arrogância dos que têm poder e o mau uso que dele fazem, a falta de pontualidade, a falta de respeito pelos mais fracos, a teia de quintas e quintinhas e capelinhas. Por enquanto, o paraíso para investidorees no qual o Dr. Júdice quer que nos tornemos parece-me inalcançável - por mim, ficaria satisfeito se nos tornássemos um país "normal".
Para começar, as grandes empresas internacionais (e algumas nacionais), que investem em Portugal têm enormes descontos nos impostos - ou seja, nós, a quem o Estado não paga o que deve, e a quem não tolera, apesar disso, o mais pequeno atraso no pagamento dos impostos, andamos a subsidiar multinacionais; paraíso sim, mas para alguns, portanto. A carga fiscal, realmente, não será um problema nesse éden que o Dr. Júdice antevê e eu não; mas o resto é - a educação, a burocracia, a lentidão, o medo de tomar decisões, a inveja, a arrogância dos que têm poder e o mau uso que dele fazem, a falta de pontualidade, a falta de respeito pelos mais fracos, a teia de quintas e quintinhas e capelinhas. Por enquanto, o paraíso para investidorees no qual o Dr. Júdice quer que nos tornemos parece-me inalcançável - por mim, ficaria satisfeito se nos tornássemos um país "normal".
Solidão
A solidão é simplesmente a prova de um erro, ou de um conjunto de erros, de timing - ou de um grande desprezo por ele.
Fragmento
...oui, je sais, inutile de le cacher, de le nier, de l’expliquer : je t’aime, encore et toujours, je t’ai toujours aimée, je t’aimerai jusqu’à la fin des jours.
Mais ne t’inquiète pas: je ne serai pas pesant, tu ne me sentiras pas, pas plus que l’air que je respire chaque jour ne sait qui je suis: il se limite à me faire vivre, et moi-même ne sais qu’il y est que si j'essaye de vivre sans lui.
Je ne peux pas. Comme la mer, d’ailleurs: elle est partout où je suis, car sans elle, sans toi, je ne suis pas.
Je ne suis pas.
Mais ne t’inquiète pas: je ne serai pas pesant, tu ne me sentiras pas, pas plus que l’air que je respire chaque jour ne sait qui je suis: il se limite à me faire vivre, et moi-même ne sais qu’il y est que si j'essaye de vivre sans lui.
Je ne peux pas. Comme la mer, d’ailleurs: elle est partout où je suis, car sans elle, sans toi, je ne suis pas.
Je ne suis pas.
Vive la France! - VIII
Alain Resnais
(Falta "Providence", um dos melhores filmes da - minha - história do cinema)
Truffaut...
~
...et Godard, et Chabrol, et Belmondo et Jean Seberg et Dieu Créa la Femme
(Falta "Providence", um dos melhores filmes da - minha - história do cinema)
Truffaut...
~
...et Godard, et Chabrol, et Belmondo et Jean Seberg et Dieu Créa la Femme
Vive la France! - VI
Rimbaud
APRÈS LE DÉLUGE
Aussitôt que l'idée du Déluge se fut rassise,
Un lièvre s'arrêta dans les sainfoins et les clochettes mouvantes, et dit sa prière à l'arc-en-ciel à travers la toile de l'araignée.
Oh ! les pierres précieuses qui se cachaient, -les fleurs qui regardaient déjà.
Dans la grande rue sale, les étals se dressèrent, et l'on tira les barques vers la mer étagée là-haut comme sur les gravures.
Le sang coula, chez Barbe-Bleue, - aux abattoirs, - dans les cirques, où le sceau de Dieu blêmit les fenêtres. Le sang et le lait coulèrent.
Les castors bâtirent. Les « mazagrans » fumèrent dans les estaminets.
Dans la grande maison de vitres encore ruisselante, les enfants en deuil regardèrent les merveilleuses images.
Une porte claqua - et, sur la place du hameau, l'enfant tourna ses bras, compris des girouettes et des coqs des clochers de partout, sous l'éclatante giboulée.
Madame *** établit un piano dans les Alpes. La messe et les premières communions se célébrèrent aux cent mille autels de la cathédrale.
Les caravanes partirent. Et le Splendide-Hôtel fut bâti dans le chaos de glaces et de nuit du pôle.
Depuis lors, la Lune entendit les chacals piaulant par les déserts de thym, - et les églogues en sabots grognant dans le verger. Puis, dans la futaie violette, bourgeonnante, Eucharis me dit que c'était le printemps.
Sourds, étang, -Écume, roule sur le pont et passe par-dessus les bois ; - draps noirs et orgues, éclairs et tonnerre, -montez et roulez ; - Eaux et tristesses, montez et relevez les Déluges.
Car depuis qu'ils se sont dissipés, - oh, les pierres précieuses s'enfouissant, et les fleurs ouvertes ! - c'est un ennui ! et la Reine, la Sorcière qui allume sa braise dans le pot de terre, ne voudra jamais nous raconter ce qu'elle sait, et que nous ignorons.
APRÈS LE DÉLUGE
Aussitôt que l'idée du Déluge se fut rassise,
Un lièvre s'arrêta dans les sainfoins et les clochettes mouvantes, et dit sa prière à l'arc-en-ciel à travers la toile de l'araignée.
Oh ! les pierres précieuses qui se cachaient, -les fleurs qui regardaient déjà.
Dans la grande rue sale, les étals se dressèrent, et l'on tira les barques vers la mer étagée là-haut comme sur les gravures.
Le sang coula, chez Barbe-Bleue, - aux abattoirs, - dans les cirques, où le sceau de Dieu blêmit les fenêtres. Le sang et le lait coulèrent.
Les castors bâtirent. Les « mazagrans » fumèrent dans les estaminets.
Dans la grande maison de vitres encore ruisselante, les enfants en deuil regardèrent les merveilleuses images.
Une porte claqua - et, sur la place du hameau, l'enfant tourna ses bras, compris des girouettes et des coqs des clochers de partout, sous l'éclatante giboulée.
Madame *** établit un piano dans les Alpes. La messe et les premières communions se célébrèrent aux cent mille autels de la cathédrale.
Les caravanes partirent. Et le Splendide-Hôtel fut bâti dans le chaos de glaces et de nuit du pôle.
Depuis lors, la Lune entendit les chacals piaulant par les déserts de thym, - et les églogues en sabots grognant dans le verger. Puis, dans la futaie violette, bourgeonnante, Eucharis me dit que c'était le printemps.
Sourds, étang, -Écume, roule sur le pont et passe par-dessus les bois ; - draps noirs et orgues, éclairs et tonnerre, -montez et roulez ; - Eaux et tristesses, montez et relevez les Déluges.
Car depuis qu'ils se sont dissipés, - oh, les pierres précieuses s'enfouissant, et les fleurs ouvertes ! - c'est un ennui ! et la Reine, la Sorcière qui allume sa braise dans le pot de terre, ne voudra jamais nous raconter ce qu'elle sait, et que nous ignorons.
Vive la France! - V
Baudelaire
Un soir, l'âme du vin chantait dans les bouteilles:
«Homme, vers toi je pousse, ô cher déshérité,
Sous ma prison de verre et mes cires vermeilles,
Un chant plein de lumière et de fraternité!
Je sais combien il faut, sur la colline en flamme,
De peine, de sueur et de soleil cuisant
Pour engendrer ma vie et pour me donner l'âme;
Mais je ne serai point ingrat ni malfaisant,
Car j'éprouve une joie immense quand je tombe
Dans le gosier d'un homme usé par ses travaux,
Et sa chaude poitrine est une douce tombe
Où je me plais bien mieux que dans mes froids caveaux.
Entends-tu retentir les refrains des dimanches
Et l'espoir qui gazouille en mon sein palpitant?
Les coudes sur la table et retroussant tes manches,
Tu me glorifieras et tu seras content;
J'allumerai les yeux de ta femme ravie;
A ton fils je rendrai sa force et ses couleurs
Et serai pour le frêle athlète de la vie
L'huile qui raffermit les muscles des lutteurs.
En toi je tomberai, végétale ambroisie,
Grain précieux jeté par l'éternel Semeur,
Pour que de notre amour naisse la poésie
Qui jaillira vers Dieu comme une rare fleur!»
Un soir, l'âme du vin chantait dans les bouteilles:
«Homme, vers toi je pousse, ô cher déshérité,
Sous ma prison de verre et mes cires vermeilles,
Un chant plein de lumière et de fraternité!
Je sais combien il faut, sur la colline en flamme,
De peine, de sueur et de soleil cuisant
Pour engendrer ma vie et pour me donner l'âme;
Mais je ne serai point ingrat ni malfaisant,
Car j'éprouve une joie immense quand je tombe
Dans le gosier d'un homme usé par ses travaux,
Et sa chaude poitrine est une douce tombe
Où je me plais bien mieux que dans mes froids caveaux.
Entends-tu retentir les refrains des dimanches
Et l'espoir qui gazouille en mon sein palpitant?
Les coudes sur la table et retroussant tes manches,
Tu me glorifieras et tu seras content;
J'allumerai les yeux de ta femme ravie;
A ton fils je rendrai sa force et ses couleurs
Et serai pour le frêle athlète de la vie
L'huile qui raffermit les muscles des lutteurs.
En toi je tomberai, végétale ambroisie,
Grain précieux jeté par l'éternel Semeur,
Pour que de notre amour naisse la poésie
Qui jaillira vers Dieu comme une rare fleur!»
Vive la France! - IV
Choderlos de Laclos
Revenez, mon cher Vicomte, revenez: que faites-vous, que pouvez-vous faire chez une vieille tante dont tous les biens vous sont substitués? Partez sur-le- champ; j'ai besoin de vous. Il m'est venu une excellente idée, et je veux bien vous en confier l'exécution. Ce peu de mots devrait suffire; et, trop honoré de mon choix, vous devriez venir, avec empressement, prendre mes ordres à genoux: mais vous abusez de mes bontés, même depuis que vous n'en usez plus; et dans l'alternative d'une haine éternelle ou d'une excessive indulgence, votre bonheur veut que ma bonté l'emporte. Je veux donc bien vous instruire de mes projets: mais jurez-moi qu'en fidèle Chevalier vous ne courrez aucune aventure que vous n'ayez mis celle-ci à fin. Elle est digne d'un Héros: vous servirez l'Amour et la vengeance; ce sera enfin une _ rouerie _ [Ces mots _ roué _ et _ rouerie _ , dont heureusement la bonne compagnie commence à se défaire, étaient fort en usage à l'époque où ces Lettres ont été écrites] de plus à mettre dans vos Mémoires: oui, dans vos Mémoires, car je veux qu'ils soient imprimés un jour, et je me charge de les écrire. Mais laissons cela, et revenons à ce qui m'occupe.
Revenez, mon cher Vicomte, revenez: que faites-vous, que pouvez-vous faire chez une vieille tante dont tous les biens vous sont substitués? Partez sur-le- champ; j'ai besoin de vous. Il m'est venu une excellente idée, et je veux bien vous en confier l'exécution. Ce peu de mots devrait suffire; et, trop honoré de mon choix, vous devriez venir, avec empressement, prendre mes ordres à genoux: mais vous abusez de mes bontés, même depuis que vous n'en usez plus; et dans l'alternative d'une haine éternelle ou d'une excessive indulgence, votre bonheur veut que ma bonté l'emporte. Je veux donc bien vous instruire de mes projets: mais jurez-moi qu'en fidèle Chevalier vous ne courrez aucune aventure que vous n'ayez mis celle-ci à fin. Elle est digne d'un Héros: vous servirez l'Amour et la vengeance; ce sera enfin une _ rouerie _ [Ces mots _ roué _ et _ rouerie _ , dont heureusement la bonne compagnie commence à se défaire, étaient fort en usage à l'époque où ces Lettres ont été écrites] de plus à mettre dans vos Mémoires: oui, dans vos Mémoires, car je veux qu'ils soient imprimés un jour, et je me charge de les écrire. Mais laissons cela, et revenons à ce qui m'occupe.
Vive la France! - III
Joseph de Maistre
Je n'y comprends rien,_ c'est le grand mot du jour. Ce mot est très sensé, s'il nous ramène à la cause première qui donne dans ce moment un si grand spectacle aux hommes: c'est une sottise, s'il n'exprime qu'un dépit ou un abattement stérile.
(...)
On a remarqué, avec grande raison, que la révolution française mène les hommes plus que les hommes ne la mènent. Cette observation est de la plus grande justesse; et quoiqu'on puisse l'appliquer plus ou moins à toutes les grandes révolutions, cependant elle n'a jamais été plus frappante qu'à cette époque.
(...)
Chaque nation, comme chaque individu, a reçu une mission qu'elle doit remplir. La France exerce sur l'Europe une véritable magistrature qu'il serait inutile de contester, dont elle a abusé de la manière la plus coupable. Elle était surtout à la tête du système religieux, et ce n'est pas sans raison que son Roi s'appelait très chrétien: Bossuet n'a rien dit de trop sur ce point. Or, comme elle s'est servie de son influence pour contredire sa vocation et démoraliser l'Europe, il ne faut pas être étonné qu'elle y soit ramenée par des moyens terribles.
Les scélérats mêmes qui paraissent conduire la révolution, n'y entrent que comme de simples instruments; et dès qu'ils ont la prétention de la dominer, ils tombent ignoblement. Ceux qui ont établi la république, l'ont fait sans le vouloir et sans savoir ce qu'ils faisaient; ils y ont été conduits par les événements: un projet antérieur n'aurait pas réussi.
Je n'y comprends rien,_ c'est le grand mot du jour. Ce mot est très sensé, s'il nous ramène à la cause première qui donne dans ce moment un si grand spectacle aux hommes: c'est une sottise, s'il n'exprime qu'un dépit ou un abattement stérile.
(...)
On a remarqué, avec grande raison, que la révolution française mène les hommes plus que les hommes ne la mènent. Cette observation est de la plus grande justesse; et quoiqu'on puisse l'appliquer plus ou moins à toutes les grandes révolutions, cependant elle n'a jamais été plus frappante qu'à cette époque.
(...)
Chaque nation, comme chaque individu, a reçu une mission qu'elle doit remplir. La France exerce sur l'Europe une véritable magistrature qu'il serait inutile de contester, dont elle a abusé de la manière la plus coupable. Elle était surtout à la tête du système religieux, et ce n'est pas sans raison que son Roi s'appelait très chrétien: Bossuet n'a rien dit de trop sur ce point. Or, comme elle s'est servie de son influence pour contredire sa vocation et démoraliser l'Europe, il ne faut pas être étonné qu'elle y soit ramenée par des moyens terribles.
Les scélérats mêmes qui paraissent conduire la révolution, n'y entrent que comme de simples instruments; et dès qu'ils ont la prétention de la dominer, ils tombent ignoblement. Ceux qui ont établi la république, l'ont fait sans le vouloir et sans savoir ce qu'ils faisaient; ils y ont été conduits par les événements: un projet antérieur n'aurait pas réussi.
Vive la France! - II
Talleyrand
« Je promets de bannir ce vice affreux ( le tabac ), le jour ou on m 'indiquera une seule vertu capable de faire rentrer, chaque année 120 millions dans les caisses de l'État. »
"Il croit qu'il devient sourd parce qu'il n'entend plus parler de lui".
« En politique, ce qui est cru devient plus important que ce qui est vrai. »
« Les mécontents, ce sont des pauvres qui réfléchissent. »
« Les femmes pardonnent parfois à celui qui brusque l'occasion, mais jamais à celui qui la manque. »
« Si cela va sans dire, cela ira encore mieux en le disant. »
« Je promets de bannir ce vice affreux ( le tabac ), le jour ou on m 'indiquera une seule vertu capable de faire rentrer, chaque année 120 millions dans les caisses de l'État. »
"Il croit qu'il devient sourd parce qu'il n'entend plus parler de lui".
« En politique, ce qui est cru devient plus important que ce qui est vrai. »
« Les mécontents, ce sont des pauvres qui réfléchissent. »
« Les femmes pardonnent parfois à celui qui brusque l'occasion, mais jamais à celui qui la manque. »
« Si cela va sans dire, cela ira encore mieux en le disant. »
Vive la France!
Lautréamont
Je me propose, sans être ému, de déclamer à grande voix la strophe sérieuse et froide que vous allez entendre. Vous, faites attention à ce qu’elle contient, et gardez-vous de l’impression pénible qu’elle ne manquera pas de laisser, comme une flétrissure, dans vos imaginations troublées. Ne croyez pas que je sois sur le point de mourir, car je ne suis pas encore un squelette, et la vieillesse n’est pas collée à mon front. Écartons en conséquence toute idée de comparaison avec le cygne, au moment où son existence s’envole, et ne voyez devant vous qu’un monstre, dont je suis heureux que vous ne puissiez pas apercevoir la figure ; mais, moins horrible est-elle que son âme. Cependant, je ne suis pas un criminel... Assez sur ce sujet. Il n’y a pas longtemps que j’ai revu la mer et foulé le pont des vaisseaux, et mes souvenirs sont vivaces comme si je l’avais quittée la veille. Soyez néanmoins, si vous le pouvez, aussi calmes que moi, dans cette lecture que je me repens déjà de vous offrir, et ne rougissez pas à la pensée de ce qu’est le cœur humain. O poulpe, au regard de soie ! toi, dont l’âme est inséparable de la mienne ; toi, le plus beau des habitants du globe terrestre, et qui commandes à un sérail de quatre cents ventouses ; toi, en qui siégent noblement, comme dans leur résidence naturelle, par un commun accord, d’un lien indestructible, la douce vertu communicative et les grâces divines, pourquoi n’es-tu pas avec moi, ton ventre de mercure contre ma poitrine d’aluminium, assis tous les deux sur quelque rocher du rivage, pour contempler ce spectacle que j’adore !
Vieil océan, aux vagues de cristal, tu ressembles proportionnellement à ces marques azurées que l’on voit sur le dos meurtri des mousses ; tu es un immense bleu, appliqué sur le corps de la terre : j’aime cette comparaison. Ainsi, à ton premier aspect, un souffle prolongé de tristesse, qu’on croirait être le murmure de ta brise suave, passe, en laissant des ineffaçables traces, sur l’âme profondément ébranlée, et tu rappelles au souvenir de tes amants, sans qu’on s’en rende toujours compte, les rudes commencements de l’homme, où il fait connaissance avec la douleur, qui ne le quitte plus. Je te salue, vieil océan !
Je me propose, sans être ému, de déclamer à grande voix la strophe sérieuse et froide que vous allez entendre. Vous, faites attention à ce qu’elle contient, et gardez-vous de l’impression pénible qu’elle ne manquera pas de laisser, comme une flétrissure, dans vos imaginations troublées. Ne croyez pas que je sois sur le point de mourir, car je ne suis pas encore un squelette, et la vieillesse n’est pas collée à mon front. Écartons en conséquence toute idée de comparaison avec le cygne, au moment où son existence s’envole, et ne voyez devant vous qu’un monstre, dont je suis heureux que vous ne puissiez pas apercevoir la figure ; mais, moins horrible est-elle que son âme. Cependant, je ne suis pas un criminel... Assez sur ce sujet. Il n’y a pas longtemps que j’ai revu la mer et foulé le pont des vaisseaux, et mes souvenirs sont vivaces comme si je l’avais quittée la veille. Soyez néanmoins, si vous le pouvez, aussi calmes que moi, dans cette lecture que je me repens déjà de vous offrir, et ne rougissez pas à la pensée de ce qu’est le cœur humain. O poulpe, au regard de soie ! toi, dont l’âme est inséparable de la mienne ; toi, le plus beau des habitants du globe terrestre, et qui commandes à un sérail de quatre cents ventouses ; toi, en qui siégent noblement, comme dans leur résidence naturelle, par un commun accord, d’un lien indestructible, la douce vertu communicative et les grâces divines, pourquoi n’es-tu pas avec moi, ton ventre de mercure contre ma poitrine d’aluminium, assis tous les deux sur quelque rocher du rivage, pour contempler ce spectacle que j’adore !
Vieil océan, aux vagues de cristal, tu ressembles proportionnellement à ces marques azurées que l’on voit sur le dos meurtri des mousses ; tu es un immense bleu, appliqué sur le corps de la terre : j’aime cette comparaison. Ainsi, à ton premier aspect, un souffle prolongé de tristesse, qu’on croirait être le murmure de ta brise suave, passe, en laissant des ineffaçables traces, sur l’âme profondément ébranlée, et tu rappelles au souvenir de tes amants, sans qu’on s’en rende toujours compte, les rudes commencements de l’homme, où il fait connaissance avec la douleur, qui ne le quitte plus. Je te salue, vieil océan !
22.4.07
"Captain Corelli's Mandolin"
"Dr. Iannis had enjoyed a satisfactory day in which none of his patients had died or got any worse."
Louis de Bernières, Captain Corelli's Mandolin, Vintage, 1999
Louis de Bernières, Captain Corelli's Mandolin, Vintage, 1999
21.4.07
"They all laughed"
Ontem li, no Público, uma crítica a um dos filmes da minha vida. É raro: o filme foi mal acolhido, Peter Bodgdanovich estava na fase descendente e o filme é, como diz Vasco Câmara, o autor da recensão, um filme de olhares, não de diálogos.
Se para a semana o DVD não estiver esgotado, há muita, muita gente que fez um gigantesco erro.
Se para a semana o DVD não estiver esgotado, há muita, muita gente que fez um gigantesco erro.
Retroactivos (Retrocativos?)
Todos nós já tivémos, penso, relações que falharam por não estarem no nível certo. Isto é: um amor que não funcionou mas que, se tivesse sido uma amizade, por exemplo, ainda aí estaria hoje, pronta para as curvas; ou, ao contrário, uma amizade que morreu, mas que se tivesse sido uma verdadeira história de amor teria feito de nós as pessoas mais perenemente felizes desta terra.
Devia haver uma ferramenta qualquer que nos permitisse "corrigir", retroactivamente, as nossas relações sentimentais passadas. Claro que aplicá-la a toda a nossa vida seria batota, e da pior: só alguns casos sentimentais mais graves (ou profundos, se preferirem) seriam elegíveis para este tratamento.
- Aquilo que nós vivemos, minha querida, e que erradamente tomámos por uma amizade rica, complexa, estimulante (e todas aquelas coisas que os adolescentes esperam, coitados, das amizades - ou dos amores...) - pois bem, deixou de ser uma amizade e transformou-se num verdadeiro e perpétuo amor. Estás de acordo? (Teria, se tal mágica varinha existisse, que se pedir a autorização do outro para a utilizar, claro. Porque senão as assimetrias, as terríveis assimetrias, manter-se-iam.)
- Um amor retroactivo?
- Sim, isso mesmo, um amor retroactivo. Ou retrocativo - mas isto é um jogo de palavras um bocado forçado.
Ou então:
- Sabes, Ana (ou Maria, Rita, Joana, Antonieta)? Aqueles dez anos que passámos juntos, a pensar que nos amávamos como se tivéssemos sido nós os inventores do amor, e que hoje desaguaram numa indiferença total...
- Sim (isto assumindo que ela ainda respondia, nem sempre é o caso).
- Pois bem, como seria hoje se, em vez de amantes perdidos, tivéssemos sido amigos amigos, daqueles...
- ...daqueles para a vida?
- Sim, isso mesmo.
- Se calhar, ainda hoje seríamos amigos.
- Talvez fosse uma amizade diferente, mas seria amizade, não achas?
- Provavelmente. - E ooops, um gesto da varinha e lá estariam os dez anos reluzentes, como novos, transformados "nos primeiros dez anos de uma amizade que já dura há vinte, ou trinta", ou seja lá o que for, depende da idade das personagens.
Pois.
Devia haver uma ferramenta qualquer que nos permitisse "corrigir", retroactivamente, as nossas relações sentimentais passadas. Claro que aplicá-la a toda a nossa vida seria batota, e da pior: só alguns casos sentimentais mais graves (ou profundos, se preferirem) seriam elegíveis para este tratamento.
- Aquilo que nós vivemos, minha querida, e que erradamente tomámos por uma amizade rica, complexa, estimulante (e todas aquelas coisas que os adolescentes esperam, coitados, das amizades - ou dos amores...) - pois bem, deixou de ser uma amizade e transformou-se num verdadeiro e perpétuo amor. Estás de acordo? (Teria, se tal mágica varinha existisse, que se pedir a autorização do outro para a utilizar, claro. Porque senão as assimetrias, as terríveis assimetrias, manter-se-iam.)
- Um amor retroactivo?
- Sim, isso mesmo, um amor retroactivo. Ou retrocativo - mas isto é um jogo de palavras um bocado forçado.
Ou então:
- Sabes, Ana (ou Maria, Rita, Joana, Antonieta)? Aqueles dez anos que passámos juntos, a pensar que nos amávamos como se tivéssemos sido nós os inventores do amor, e que hoje desaguaram numa indiferença total...
- Sim (isto assumindo que ela ainda respondia, nem sempre é o caso).
- Pois bem, como seria hoje se, em vez de amantes perdidos, tivéssemos sido amigos amigos, daqueles...
- ...daqueles para a vida?
- Sim, isso mesmo.
- Se calhar, ainda hoje seríamos amigos.
- Talvez fosse uma amizade diferente, mas seria amizade, não achas?
- Provavelmente. - E ooops, um gesto da varinha e lá estariam os dez anos reluzentes, como novos, transformados "nos primeiros dez anos de uma amizade que já dura há vinte, ou trinta", ou seja lá o que for, depende da idade das personagens.
Pois.
Uma longa, longa, história curta
Fiquei meia dúzia de anos sem a ver; mas a verdade é que nunca me saiu da mente - nem, pior ainda, do corpo. Tive, claro, outros casos depois dela, mas na realidade nunca a esqueci completamente.
Um dia telefonei-lhe, pretextando uma futilidade qualquer. Fomos jantar a um restaurante em Alfama; falámos de tudo, menos de nós, da nossa história. Ela tinha ficado com vista para o rio. Depois do jantar fui levá-la a casa. Parei o carro no meio da rua e desci, para lhe abrir a porta. Demos um beijo. "Boa noite", disse-lhe. "Eu também", respondeu.
Um dia telefonei-lhe, pretextando uma futilidade qualquer. Fomos jantar a um restaurante em Alfama; falámos de tudo, menos de nós, da nossa história. Ela tinha ficado com vista para o rio. Depois do jantar fui levá-la a casa. Parei o carro no meio da rua e desci, para lhe abrir a porta. Demos um beijo. "Boa noite", disse-lhe. "Eu também", respondeu.
Tempo
O tempo é uma pastilha elástica que mastigas e mastigas e mastigas - e depois te fica colada na sola do sapato e nunca mais te larga.
20.4.07
Apostasia
Por qualquer razão, Ricardo Araújo Pereira (por quem, de resto não partilho a admiração geral, acho que eles se queimaram meteoricamente, ainda mais depressa do que o Hermann) foi impedido de falar numa celebração do 25 de Abril organizada pela Juventude Comunista. Aparentemente, a justificação é ele ter saído do PCP (Porque já foi militante e como se sabe quem sai é proscrito não apenas do PCP mas de todas as coisas em que o PCP se possa envolver com outros).
Não percebo a admiração que esta coisa suscita: também para a Al-Qaeda a apostasia é o pior dos crimes. Para qualquer organização religiosa fundamentalista, de resto. O título do post de Daniel Oliveira também poderia ser "Diz que é uma espécie de apóstata"...
Não percebo a admiração que esta coisa suscita: também para a Al-Qaeda a apostasia é o pior dos crimes. Para qualquer organização religiosa fundamentalista, de resto. O título do post de Daniel Oliveira também poderia ser "Diz que é uma espécie de apóstata"...
Montepiex / Portugalex
Esta história devia ser divulgada por tudo quanto é sítio; não por se tratar do banco que é - ocorreu no Montepio como poderia ter ocorrido em qualquer outra empresa ou (reconhecidamente com mais probabilidades) organismo público - mas porque é exemplar, em bastantes sentidos. O menos importante dos quais não é, decerto, ter ocorrido numa instituição que acaba de gastar milhões para mudar a imagem velhota e ultrapassada que tinha.
Eu não sou engenheiro, 1
Eu não sou engenheiro, 2
Eu não sou engenheiro, 3
Eu não sou engenheiro, 4
Eu não sou engenheiro, 5
Eu não sou engenheiro, 6
Eu não sou engenheiro, 7
Eu não sou engenheiro, 8
Eu não sou engenheiro, 9
Resumo aqui.
Eu não sou engenheiro, 1
Eu não sou engenheiro, 2
Eu não sou engenheiro, 3
Eu não sou engenheiro, 4
Eu não sou engenheiro, 5
Eu não sou engenheiro, 6
Eu não sou engenheiro, 7
Eu não sou engenheiro, 8
Eu não sou engenheiro, 9
Resumo aqui.
Pergunta
A lei das 35 horas, em França, serviria, dizia a inefável Aubry, para reduzir o desemprego, "dividindo os empregos disponíveis". Alguém notou uma diminuição do desemprego desde a sua implantação?
"PS chumba combate ao enriquecimento ilícito"...
... dia o DN de hoje.
Bolas, não é de admirar. Já basta os problemas que têm com a legislação actual, não lhes peçamos para se criarem ainda mais. (Se fosse o PSD, também chumbaria, e pela mesmíssima razão - se houvesse a mais pequena probabilidade de a proposta ser aceite, teria sido apresentada?)
PS - gostam de dar tiros nos pés, mas de preferência nos nossos.
Bolas, não é de admirar. Já basta os problemas que têm com a legislação actual, não lhes peçamos para se criarem ainda mais. (Se fosse o PSD, também chumbaria, e pela mesmíssima razão - se houvesse a mais pequena probabilidade de a proposta ser aceite, teria sido apresentada?)
PS - gostam de dar tiros nos pés, mas de preferência nos nossos.
As bibliotecas, o tempo e a memória
Ia deitar-me; qualquer coisa me fez voltar atrás. Resolvo procurar um dos meus "livros da vida" e apercebo-me que já não o tenho. Mais um buraco no tempo, e na estante. Chama-se "Mistérios", é de Knut Hamsun, e é a história de um "estrangeiro" numa pequena vila de província na Noruega.
Choca-me ter perdido esse livro. E aos poucos vou-me lembrando que faltam centenas de outros. Qué vaya!, alguns voltarão, outros não. Fico-me com um poema de Borges - de quem mais falar, quando se quer falar do tempo, da memória, do que somos e fomos?
El Hacedor
"Somos el rio que invocaste, Heráclito.
Somos el tiempo. Su intangible curso
Acarrea leones y montañas.
Llorado amor, ceniza del deleite,
Insidiosa esperanza interminable,
Vastos nombres de imperios que son polvo,
Hexámetros del griego y del romano.
(...)
La Tarde
"Las tardes que serán y las que han sido
son una sola, inconcebiblemente.
Son un claro cristal, solo y doliente,
inaccesible al tiempo y a su olvido.
(...)~
La tarde elemental ronda la casa.
La de ayer, la de hoy, la que no pasa."
(In Jorge Luis Borges, Obras Completas, ed. Emecé, Barcelona 1989, 3º vol.)
Choca-me ter perdido esse livro. E aos poucos vou-me lembrando que faltam centenas de outros. Qué vaya!, alguns voltarão, outros não. Fico-me com um poema de Borges - de quem mais falar, quando se quer falar do tempo, da memória, do que somos e fomos?
El Hacedor
"Somos el rio que invocaste, Heráclito.
Somos el tiempo. Su intangible curso
Acarrea leones y montañas.
Llorado amor, ceniza del deleite,
Insidiosa esperanza interminable,
Vastos nombres de imperios que son polvo,
Hexámetros del griego y del romano.
(...)
La Tarde
"Las tardes que serán y las que han sido
son una sola, inconcebiblemente.
Son un claro cristal, solo y doliente,
inaccesible al tiempo y a su olvido.
(...)~
La tarde elemental ronda la casa.
La de ayer, la de hoy, la que no pasa."
(In Jorge Luis Borges, Obras Completas, ed. Emecé, Barcelona 1989, 3º vol.)
19.4.07
Pietra Montecorvino
Escrevo estas reminiscências (espero não estar à beira de outra mid-life crisis, só temos uma mid-life...) e oiço Pietra Montecorvino, essa esquisita mistura de tradição e cosmopolitismo (no disco de onde estas músicas vêm até músicos de Moçambique há; o disco chama-se "Napoli mediterranea"... - Mas, na realidade, haverá melhor definição do Mediterrâneo do que esta?).
O som destes filmes do Google é atroz. Para quem, como eu, é sensível às vozes, um conselho: Pietra Montecorvino, Napoli mediterranea, ed. L'Empreinte Digitale 13172 ou aqui.
O som destes filmes do Google é atroz. Para quem, como eu, é sensível às vozes, um conselho: Pietra Montecorvino, Napoli mediterranea, ed. L'Empreinte Digitale 13172 ou aqui.
"A ideia da igualdade"
Em 1974 (provavelmente) descobri que havia mais Aldous Huxley do que o Brave New World: "Que todos os homens são iguais é uma proposição à qual, em tempos normais, nenhum ser humano sensato deu, alguma vez, o seu assentimento. Um homem que tem de se submeter a uma operação perigosa não age sob a presunção de que tão bom é um médico como outro qualquer. Os editores não imprimem todas as obras que lhes chegam às mãos. E quando são precisos funcionários públicos, até os governos mais democráticos fazem uma selecção cuidadosa entre os seus súbditos teoricamente iguais".
Tirando esta última observação sobre os funcionários públicos, que não se aplica, infelizmente, a Portugal, o resto da frase continua válido. Nem tudo, porém sobreviveu à passagem do tempo, em Aldous Huxley. Fica-me o formidável sopro de liberdade que representou, para mim, atulhado que vinha de Nietszche e de whisky.
"[Sobre os utópicos e as utopias]: É como se os astrónomos escrevessem livros sobre o que sucederia se não houvesse tal coisa como a gravitação e como se a Terra, consequentemente, se movesse numa linha recta e não numa elipse. Tais livros poderiam ser muito edificantes, se os seus autores começassem por demonstrar que o movimento em linha recta é melhor do que o movimento em linha curva."
Aldous Huxley, "Sobre a Democracia e Outros Estudos", col. Dois Mundos, ed. Livros do Brasil, Lisboa
Tirando esta última observação sobre os funcionários públicos, que não se aplica, infelizmente, a Portugal, o resto da frase continua válido. Nem tudo, porém sobreviveu à passagem do tempo, em Aldous Huxley. Fica-me o formidável sopro de liberdade que representou, para mim, atulhado que vinha de Nietszche e de whisky.
"[Sobre os utópicos e as utopias]: É como se os astrónomos escrevessem livros sobre o que sucederia se não houvesse tal coisa como a gravitação e como se a Terra, consequentemente, se movesse numa linha recta e não numa elipse. Tais livros poderiam ser muito edificantes, se os seus autores começassem por demonstrar que o movimento em linha recta é melhor do que o movimento em linha curva."
Aldous Huxley, "Sobre a Democracia e Outros Estudos", col. Dois Mundos, ed. Livros do Brasil, Lisboa
"Éloge du Cosmpolitisme"
Em 1981 eu tinha 24 anos. Em Abril desse ano (nessa altura escrevia a data em que comprava os livros por baixo da minha assinatura. Depois comecei a escrever a data em que os lia. Depois deixei de escrever a data, e mais tarde deixei de os assinar) comprei - e li - "Éloge du Cosmopolitisme", de Guy Scarpetta. Não sabia ainda - mas já o devia pressentir - que toda a minha vida giraria em torno do desenraizamento.
Foi esse o tema do mid-life crisis dos quarenta e poucos. O livro de Scarpetta ajudou-me até essa altura. Agora, precisava de um "Elogio do Enraizamento", e ficaria bastante grato a quem me pudesse indicar um.
"Je l'ai déjá suggeré: le cosmopolitisme se "définit" moins qu'il ne s'"éprouve" - il se laisse mal enfermer dans des principes ou des théses, mais passe à travers tout un jeu de circulations et de branchements, de rencontres et de regroupements transgressant les identités purement nationales. Et c'était cela peut-être le plus important de ces journées: non pas une contre-parole homogène et programmée, mais un ensemble, parfois discordant, de voix singulières, parlant chacune depuis son expérience la plus intime et la plus irréductible; (...)"
"Lorsque je suis arrivé à Venise (...), ce fut le même choc qu'à chaque fois devant la ville surgissant de l'eau, (...) l'impression troublante d'une ville précaire, suspendue, sans sol, sans racines."
Foi este livro que me fez ver as relações "troublantes" das ideologias da terra e das ditaduras, as inesperadas ramificações da ecologia - ainda não suspeitava que a ecologia seria o próximo dogma, a próxima ditadura.
Guy Scarpetta, "L'Éloge du Cosmopolitisme", col. Figures, ed. Grasset, Paris 1981.
Foi esse o tema do mid-life crisis dos quarenta e poucos. O livro de Scarpetta ajudou-me até essa altura. Agora, precisava de um "Elogio do Enraizamento", e ficaria bastante grato a quem me pudesse indicar um.
"Je l'ai déjá suggeré: le cosmopolitisme se "définit" moins qu'il ne s'"éprouve" - il se laisse mal enfermer dans des principes ou des théses, mais passe à travers tout un jeu de circulations et de branchements, de rencontres et de regroupements transgressant les identités purement nationales. Et c'était cela peut-être le plus important de ces journées: non pas une contre-parole homogène et programmée, mais un ensemble, parfois discordant, de voix singulières, parlant chacune depuis son expérience la plus intime et la plus irréductible; (...)"
"Lorsque je suis arrivé à Venise (...), ce fut le même choc qu'à chaque fois devant la ville surgissant de l'eau, (...) l'impression troublante d'une ville précaire, suspendue, sans sol, sans racines."
Foi este livro que me fez ver as relações "troublantes" das ideologias da terra e das ditaduras, as inesperadas ramificações da ecologia - ainda não suspeitava que a ecologia seria o próximo dogma, a próxima ditadura.
Guy Scarpetta, "L'Éloge du Cosmopolitisme", col. Figures, ed. Grasset, Paris 1981.
O tempo e as bibliotecas
Vou à estante procurar um livro duma determinada altura, e apercebo-me da horrível quantidade de livros que falta, tanto dessa época como de outras. As viagens enriquecem talvez o homem, mas não fazem o mesmo pela sua biblioteca.
"Le voyageur altéré"
84 (L'Offrande lyrique)
"C'est l'angoisse de la séparation qui s'épand par tout le monde et donne naissance à des formes sans nombre dans le ciel infini.
...
C'est cette envahissante peine qui s'épaissit en amours et désirs, en souffrances et en joies dans les demeures humaines, et, de mon coeur de poète, c'est toujours elle qui fond et ruisselle en chansons."
54 (L'Offrande lyrique)
"Je ne réclamais rien de toi; je n'importunais pas de mon nom ton oreille. Lorsque tu m'as laissée, je suis restée silencieuse. J'étais seule près de la source, où l'arbre porte un ombre oblique, ...
Je n'entendis point ton pas lorsque tu vins. Tes yeux étaient tristes lorsqu'ils reposèrent sur moi; ta voix était lasse quand tu me disais tout bas: "Ah!, je suis un voyageur altéré."
6 (La Corbeille de fruits)
"Où les routes sont tracées, je perds mon chemin.
Sur la vaste mer, dans le bleu du ciel, il n'y a point de lignes marquées.
Le sentier est caché par les ailes des oiseaux, le feu des étoiles, par les fleurs des saisons différentes.
Et je demande á mon coeur: ton sang ne porte-t-il point la connaissance de l'invisible chemin?"
in L'Offrande lyrique suivi de La Corbeille de fruits, col. Poésie, ed. Gallimard. Trad. Hélène du Pasquier.
"C'est l'angoisse de la séparation qui s'épand par tout le monde et donne naissance à des formes sans nombre dans le ciel infini.
...
C'est cette envahissante peine qui s'épaissit en amours et désirs, en souffrances et en joies dans les demeures humaines, et, de mon coeur de poète, c'est toujours elle qui fond et ruisselle en chansons."
54 (L'Offrande lyrique)
"Je ne réclamais rien de toi; je n'importunais pas de mon nom ton oreille. Lorsque tu m'as laissée, je suis restée silencieuse. J'étais seule près de la source, où l'arbre porte un ombre oblique, ...
Je n'entendis point ton pas lorsque tu vins. Tes yeux étaient tristes lorsqu'ils reposèrent sur moi; ta voix était lasse quand tu me disais tout bas: "Ah!, je suis un voyageur altéré."
6 (La Corbeille de fruits)
"Où les routes sont tracées, je perds mon chemin.
Sur la vaste mer, dans le bleu du ciel, il n'y a point de lignes marquées.
Le sentier est caché par les ailes des oiseaux, le feu des étoiles, par les fleurs des saisons différentes.
Et je demande á mon coeur: ton sang ne porte-t-il point la connaissance de l'invisible chemin?"
in L'Offrande lyrique suivi de La Corbeille de fruits, col. Poésie, ed. Gallimard. Trad. Hélène du Pasquier.
Diálogos possíveis, ou: Os jogos e as palavras
- Quero ser f... por ti.
- Se continuas, minha querida, a utilizar a voz passiva para designar essa actividade, não nos antevejo grande futuro.
Um tempo.
- Eu quero f...-te.
- Ah, assim sim, está mais perto da minha experiência histórica.
(Este post é de uma extrema injustiça para a esmagadora maioria das duas ou três senhoras com quem, por algum milagre da sua inexcedível generosidade, tive a sorte de ter relações íntimas. Eu quero deixar aqui bem claro e explícito que muito do que escrevo no Don Vivo é ficção - impura, mas simples.)
- Se continuas, minha querida, a utilizar a voz passiva para designar essa actividade, não nos antevejo grande futuro.
Um tempo.
- Eu quero f...-te.
- Ah, assim sim, está mais perto da minha experiência histórica.
(Este post é de uma extrema injustiça para a esmagadora maioria das duas ou três senhoras com quem, por algum milagre da sua inexcedível generosidade, tive a sorte de ter relações íntimas. Eu quero deixar aqui bem claro e explícito que muito do que escrevo no Don Vivo é ficção - impura, mas simples.)
Os supermercados e os critérios
Pergunto a mim mesmo se escolher um supermercado pela beleza das suas clientes será um critério socialmente aceitável. Ds senhoras da caixa já sabemos que não - mas das clientes?
Timidez
Era tão tímido, tão tímido, que quando conhecia uma rapariga dava-lhe o nome do blog, não o dele.
18.4.07
17.4.07
Como?
O homem que se propôs mudar Portugal de cima abaixo não é sequer capaz de falsificar uma m... dum diploma? Ou será que só dá para grandes obras, tipo Ota e TGV?
16.4.07
Lamu
Estive, por duas ou três vezes, para lá ir. Acabei por ficar, não sei se por falta de oportunidade, se por falta de imaginação.
Hoje, por causa de um post no Corta-Fitas, fui ao Google procurá-la.
Fazemos muitas asneiras na vida, mas algumas são imperdoáveis, não é?
"Donkey Sanctuary
A man without a donkey is a donkey.
Swahili proverb
With around 3,000 donkeys active on Lamu, Equus asinus is still the main form of transport here, and this sanctuary was established by the international donkey Protection Trust of Sidmouth, UK, to improve the lot of the islands hard-working beasts of burden. The project provides free veterinary services to donkey owners and tends to injured, sick or worn ot animals; there’s even a small ambulance for donkey-mergencies."
Hoje, por causa de um post no Corta-Fitas, fui ao Google procurá-la.
Fazemos muitas asneiras na vida, mas algumas são imperdoáveis, não é?
"Donkey Sanctuary
A man without a donkey is a donkey.
Swahili proverb
With around 3,000 donkeys active on Lamu, Equus asinus is still the main form of transport here, and this sanctuary was established by the international donkey Protection Trust of Sidmouth, UK, to improve the lot of the islands hard-working beasts of burden. The project provides free veterinary services to donkey owners and tends to injured, sick or worn ot animals; there’s even a small ambulance for donkey-mergencies."
Estrada
Não bebi muito, ontem, felizmente. Duas garrafas de vinho, meia-dúzia de runs, dois ou três whiskies... Nada como daquela vez que fomos para o Algarve, e eu na véspera tinha bebido tanto que antes do meio de metade da viagem tive de parar o carro para dormir. A certa altura fartaste-te de esperar e fizeste-me um fellatio em plena área de estacionamento; eu não quis acordar, aquilo parecia-me um sonho bom demais e não queria interrompê-lo. Só no fim, quando já não podia continuar a fingir, é que acordei.
Não sei quantos chauffeurs de camião pusémos a masturbar-se, mas a verdade é que lá consegui fazer mais uma ou duas centenas de quilómetros, até que o desejo me atasanasse, e a tua cabeça de novo se aproximasse do meu ventre e dali extraísses mais umas quantas horas de estrada.
Não sei quantos chauffeurs de camião pusémos a masturbar-se, mas a verdade é que lá consegui fazer mais uma ou duas centenas de quilómetros, até que o desejo me atasanasse, e a tua cabeça de novo se aproximasse do meu ventre e dali extraísses mais umas quantas horas de estrada.
Inventário
Um blog que começa (enfim, pelo menos para quem o descobre hoje) com "Vincent", de Don McLean, e uma coreografia de Bob Fosse; e ao qual (esta condição é cumulativa com a outra) cheguei via Tradução Simultânea, vai directamente para a lista dos links, sem passar pela lista de favoritos.
(O que, reconheço, é de uma inexcedível irrelevância).
(O que, reconheço, é de uma inexcedível irrelevância).
Entretanto, no país real...
Pobres estão mais pobres apesar das políticas sociais.
(O "apesar das políticas sociais" era de dispensar. As políticas sociais nunca tiraram ninguem da pobreza: o que muda a situação dos pobres é uma política económica sensata. As políticas sociais servem apenas - quando servem - para aliviar as consequências da pobreza.)
(O "apesar das políticas sociais" era de dispensar. As políticas sociais nunca tiraram ninguem da pobreza: o que muda a situação dos pobres é uma política económica sensata. As políticas sociais servem apenas - quando servem - para aliviar as consequências da pobreza.)
15.4.07
Antecipações
Antecipar é, todos o sabemos, importante. Hoje, por exemplo, a música que não me largou os ouvidos foi "Summer's almost gone / where will we be, when the summer's gone?"
Summer's almost gone
Summer's almost gone
Almost gone
Yeah, it's almost gone
Where will we be
When the summer's gone?
Morning found us calmly unaware
Noon burn gold into our hair
At night, we swim the laughin' sea
When summer's gone
Where will we be
Where will we be
Where will we be
Morning found us calmly unaware
Noon burn gold into our hair
At night, we swim the laughin' sea
When summer's gone
Where will we be
Summer's almost gone
Summer's almost gone
We had some good times
But they're gone
The winter's comin' on
Summer's almost gone
Summer's almost gone
Summer's almost gone
Almost gone
Yeah, it's almost gone
Where will we be
When the summer's gone?
Morning found us calmly unaware
Noon burn gold into our hair
At night, we swim the laughin' sea
When summer's gone
Where will we be
Where will we be
Where will we be
Morning found us calmly unaware
Noon burn gold into our hair
At night, we swim the laughin' sea
When summer's gone
Where will we be
Summer's almost gone
Summer's almost gone
We had some good times
But they're gone
The winter's comin' on
Summer's almost gone
Vida, vidas
Já muitas peles me passaram pelas mãos, muitos ventres; já fiz alguns olhares felizes, outros nem tanto. Já amei muitas vezes, e desamei - vida, vidas.
Burocracias de base
Li hoje no Público Digital um artigo segundo o qual a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, que faz investigação de alto nível, tem uma máquina da qual necessita urgentemente parada na Alfândega, por questões burocráticas, há três semanas. Não seria possível punir os funcionários responsáveis por estes disfuncionamentos? Não acredito que não haja na lei uma maneira de dar andamento a estas situações - pelo menos, as que eu vivi foram, nas sua esmagadora maioria, devidas à ma-vontade, à incompetência ou à preguiça dos funcionários públicos, não a um qualquer artigo dos regulamentos - que, aliás, eles muitas vezes nem se davam ao trabalho de citar.
Devia criar-se um provedor dos utentes dos serviços públicos - se bem, coitado, imagino que ficasse submergido de trabalho em dois dias úteis...
(O mesmo artigo menciona que a Faculdade recebe os fundos para as suas pesquisas com dois anos de atraso...)
Devia criar-se um provedor dos utentes dos serviços públicos - se bem, coitado, imagino que ficasse submergido de trabalho em dois dias úteis...
(O mesmo artigo menciona que a Faculdade recebe os fundos para as suas pesquisas com dois anos de atraso...)
14.4.07
Keynesianismo de base
Se o Estado português quisesse, realmente, revitalizar a economia, bastava-lhe começar a pagar atempadamente as suas dívidas. Só isso teria um impacto maior do que Otas, TGVs e elefantes brancos que só ao fim de 40 anos sabem para que servem.
12.4.07
Projecto de vida
Podia, realmente, ter sido uma bela história de amor. Mas ele não queria histórias de amor, nem bonitas nem feias. Não queria histórias, sequer: queria casar e ter filhos.
Fragmento
-Je ne te crois pas. Si j'étais mariée et infidèle, que dirais-tu?
- Mariée et infidèle est un oxymoron.
- Mariée et infidèle est un oxymoron.
Fragmento
... mariée et fidèle est, ma chère, un pléonasme fatal. En tout cas por moi. Ou pour moi, maintenant.
9.4.07
Music and Lyrics
O género não permite grandes vôos, mas permite grande porcarias. O facto de "Music and Lyrics" ser inócuo já quase o recomenda.
8.4.07
Doutores e engenheiros
Já por aqui a devo ter contado, não sei, mas agora o contexto exige-a. Passa-se no tempo em que na Doca de Belém não havia pontões; os barcos estavam amarrados longe dos paredões da doca; iamos para bordo numa chata tripulada por um senhor conhecido por Zé da Viola.
O Zé da Viola arrefinfava-lhe bem no tinto e/ou no whisky e/ou no que viesse; era grande, enorme. Cada braço dele parecia uma das minhas coxas e cada coxa duas das minhas; e era, como se vai ver, bruto como as casas.
Um dia o barco em que eu na altura navegava foi vendido e o proprietário, um engenheiro de esmerada educação, resolveu apresentar o novo dono ao Zé. Chamou-o e disse-lhe "Zé, apresento-lhe o novo dono do ..., o Senhor Fulano de Tal". "Boa tarde, senhor Fulano de Tal. É Doutor ou Engenheiro?"
- Boa tarde, Senhor Zé, pode tratar-me só por Senhor Fulano de Tal, eu não ...
- Senhor Fulano de Tal o caralho - interrompeu-o o Zé. - Eles aqui são todos doutores e engenheiros e você não há-de ser porquê?
O Zé da Viola arrefinfava-lhe bem no tinto e/ou no whisky e/ou no que viesse; era grande, enorme. Cada braço dele parecia uma das minhas coxas e cada coxa duas das minhas; e era, como se vai ver, bruto como as casas.
Um dia o barco em que eu na altura navegava foi vendido e o proprietário, um engenheiro de esmerada educação, resolveu apresentar o novo dono ao Zé. Chamou-o e disse-lhe "Zé, apresento-lhe o novo dono do ..., o Senhor Fulano de Tal". "Boa tarde, senhor Fulano de Tal. É Doutor ou Engenheiro?"
- Boa tarde, Senhor Zé, pode tratar-me só por Senhor Fulano de Tal, eu não ...
- Senhor Fulano de Tal o caralho - interrompeu-o o Zé. - Eles aqui são todos doutores e engenheiros e você não há-de ser porquê?
40 anos?
Um dos (raros) defeitos que aponto à democracia directa, feita à base de referendos e iniciativas populares, da Suíça, é a lentidão das decisões.
Afinal, em Portugal, andamos há 40 (quarenta!?) anos a discutir a localização de um novo aeroporto... Referendo, já.
Afinal, em Portugal, andamos há 40 (quarenta!?) anos a discutir a localização de um novo aeroporto... Referendo, já.
Ora bolas!
Isto é o que aconteceu regularmente ao longo destes últimos 40 anos em África. Só que os "coelhos" foram biliões e biliões de dólares.
Notes on a scandal
Tenho lido que "Notes on a Scandal" é um filme sobre a solidão. Prefiro a maldade, que é, parece-me, o verdadeiro tema deste excelente filme. Judi Dench destrói as vidas de quem dela se aproxima (ou das colegas de quem ela se aproxima) e é em consequência disso que vive numa solidão horrorosa.
Uma boa história, com uma realização escorreita, uma grande representação (Judi Dench) e outra (Cate Blanchett) que, não sendo fantástica, é bastante boa. (Jacqueline Bisset teria dado outra densidade à personagem...)
O sotaque irlandês do rapaz não atrasa nem adianta, não serve para a construção da personagem mas tão-pouco a estraga.
Uma boa história, com uma realização escorreita, uma grande representação (Judi Dench) e outra (Cate Blanchett) que, não sendo fantástica, é bastante boa. (Jacqueline Bisset teria dado outra densidade à personagem...)
O sotaque irlandês do rapaz não atrasa nem adianta, não serve para a construção da personagem mas tão-pouco a estraga.
Vizinhança
Um blog que começa com uma epígrafe de Cioran não pode ser mau. E se partilha uma admiração sem fim por Jacqueline Bisset, ainda menos. A prova dos nove é gostar de "Rich and Famous", o último filme de George Cukor, um grande filme sobre a amizade, a criação, e os dilemas de uma e outra.
Não foi bem um texto,
foram duas linhas, na Minguante. O tema foi "A Ausência", provavelmente a única coisa que se manteve constante, na minha vida. E, tenho que reconhecer, é a única coisa sobre a qual escreverei, um dia.
7.4.07
Diferenças culturais
- Pai, despacha-te, vamos chegar atrasados a casa da tia.
- Não vamos, querida. Em Portugal nunca se chega atrasado, infelizmente.
- Não vamos, querida. Em Portugal nunca se chega atrasado, infelizmente.
6.4.07
Teste
Chamava-se, disse-me, Cynthia Days e era preta como um copo de vinho tinto numa noite de tempestade. Queria "trabalhar para mim: lavar roupa, passar a ferro, cozinhar" e, "se fosse verdadeiramente indispensável", fazer-me "um broche ou dois". A expressão é dela, não é minha: "um broche ou dois", verbatim, a primeira vez que a vi, muito séria, sentada numa cadeira à minha frente, austera, com os dentes da frente separados por uma larga fenda e lábios de fazer um anjo sonhar com beijos ou outra coisa.
Achei que devíamos fazer um teste. "Dou-lhe uma camisa para passar", disse-lhe. "O resto pode esperar". Mais tarde vi a saber que era (ou tinha sido), professora de literatura portuguesa na universidade de Lubumbashi, uma cidade - e uma universidade - que conheço bastante bem. O que explicava a separação entre os dentes da frente, o domínio perfeito que tinha do portugês; mas não explicava o que a fazia lavar roupa em Portugal, nem propôr felações a qualquer patrão potencial.
Tão pouco explicava o nome: no Congo as pessoas têm nomes africanos, as mais jovens; ou franceses "clássicos" (isto é, antigos, velhos, fora de moda), as outras. Mas não têm nomes ingleses. Excepto se um dos antepassados próximos (um avô, ou bisavô, mais provavelmente) fôr português, Dias de seu apelido e um dos filhos achar que Days é mais chique do que "Dias", ou "Jours".
Não levou muito tempo a passar do aspirador para a minha cama - primeiro durante as horas de trabalho (cujo pagamento recusava, de resto) e depois durante as noites, todas as noites. Na realidade chamava-se Tschombé e fazia um molho de piripiri que por si só justificava a sua presença na minha cama, na minha casa, na minha vida.
Há pessoas que dizem que o piripiri é afrodisíaco. Outas dizem que são as ostras. Casanova, esse gandulo genial, acreditava nos ovos crus. Eu só conheço um afrodisíaco: é a mistura de um corpo perfeito com a inteligência e a sensualidade. Chamava-se Tschombé, tinha trinta e muitos, ou quarenta e poucos anos e dizia-me: "quero foder contigo" de uma maneira que ainda hoje, anos depois, me faz tremer desde a ponta dos pés até à ponta dos cabelos. A primeira vez que ela me disse isso foi à saída de um restaurante do outro lado do Tejo. Sentámo-nos no muro que dava para o rio e, como se me dissesse que o jantar tinha sido bom - como tinha dito que me faria, "se fosse indispensável, um broche ou dois" - disse-me que queria foder comigo. "Mas não aqui", acrescentou. "Na tua cama". Nessa altura já ela tinha passado algumas largas dezenas de noites comigo, já nos tínhamos amado, comido e fodido de todas as formas e feitios - mas aquela noite foi, penso, a primeira vez.
Não sou muito dado a mistérios, nem a profundezas místicas - sou um ser simples, a roçar o primário, que acredita em coisas simples e primárias. Mas a verdade é que nunca mais voltei àquele restaurante.
Um dia disse-me "adeus" e foi-se embora.
Achei que devíamos fazer um teste. "Dou-lhe uma camisa para passar", disse-lhe. "O resto pode esperar". Mais tarde vi a saber que era (ou tinha sido), professora de literatura portuguesa na universidade de Lubumbashi, uma cidade - e uma universidade - que conheço bastante bem. O que explicava a separação entre os dentes da frente, o domínio perfeito que tinha do portugês; mas não explicava o que a fazia lavar roupa em Portugal, nem propôr felações a qualquer patrão potencial.
Tão pouco explicava o nome: no Congo as pessoas têm nomes africanos, as mais jovens; ou franceses "clássicos" (isto é, antigos, velhos, fora de moda), as outras. Mas não têm nomes ingleses. Excepto se um dos antepassados próximos (um avô, ou bisavô, mais provavelmente) fôr português, Dias de seu apelido e um dos filhos achar que Days é mais chique do que "Dias", ou "Jours".
Não levou muito tempo a passar do aspirador para a minha cama - primeiro durante as horas de trabalho (cujo pagamento recusava, de resto) e depois durante as noites, todas as noites. Na realidade chamava-se Tschombé e fazia um molho de piripiri que por si só justificava a sua presença na minha cama, na minha casa, na minha vida.
Há pessoas que dizem que o piripiri é afrodisíaco. Outas dizem que são as ostras. Casanova, esse gandulo genial, acreditava nos ovos crus. Eu só conheço um afrodisíaco: é a mistura de um corpo perfeito com a inteligência e a sensualidade. Chamava-se Tschombé, tinha trinta e muitos, ou quarenta e poucos anos e dizia-me: "quero foder contigo" de uma maneira que ainda hoje, anos depois, me faz tremer desde a ponta dos pés até à ponta dos cabelos. A primeira vez que ela me disse isso foi à saída de um restaurante do outro lado do Tejo. Sentámo-nos no muro que dava para o rio e, como se me dissesse que o jantar tinha sido bom - como tinha dito que me faria, "se fosse indispensável, um broche ou dois" - disse-me que queria foder comigo. "Mas não aqui", acrescentou. "Na tua cama". Nessa altura já ela tinha passado algumas largas dezenas de noites comigo, já nos tínhamos amado, comido e fodido de todas as formas e feitios - mas aquela noite foi, penso, a primeira vez.
Não sou muito dado a mistérios, nem a profundezas místicas - sou um ser simples, a roçar o primário, que acredita em coisas simples e primárias. Mas a verdade é que nunca mais voltei àquele restaurante.
Um dia disse-me "adeus" e foi-se embora.
5.4.07
Sócrates
Uma coisa que me fascina neste governo é que, ao fim de dois anos, ainda estamos na dúvida. Estas reformas são o prelúdio para verdadeiras reformas, ou vão esgotar-se com o manancial que para aí vem, em vésperas de eleições?
Será Sócrates de facto um bom Primeiro-Ministro, ou só o melhor dos últimos tempos (o que, reconheçamos, não é muito difícil, dada a baixa altura a que a fasquia tem sido colocada)?
Vão de facto "as coisas" mudar para um patamar superior de qualidade, ou vão apenas ficar "melhores", e Portugal continuar a ser um país pobre, e triste para quem não tem possibilidades de beneficiar apenas do que ele tem de bom, e tem de suportar os nossos serviços públicos, a nossa burocracia, o permanente dilapidar de dinheiros públicos?
Será Sócrates de facto um bom Primeiro-Ministro, ou só o melhor dos últimos tempos (o que, reconheçamos, não é muito difícil, dada a baixa altura a que a fasquia tem sido colocada)?
Vão de facto "as coisas" mudar para um patamar superior de qualidade, ou vão apenas ficar "melhores", e Portugal continuar a ser um país pobre, e triste para quem não tem possibilidades de beneficiar apenas do que ele tem de bom, e tem de suportar os nossos serviços públicos, a nossa burocracia, o permanente dilapidar de dinheiros públicos?
Carga fiscal
Hoje, no Jornal de Negócios (à hora a que escrevo o artigo ainda não está online) Camilo Lourenço desfia, lapidarmente, a ideia que a carga fiscal em Portugal "é mais baixa do que em outros países da União Europeia". Diz ele que
a) em termos absolutos, a carga fiscal não é elevada, realmente. Mas foi a que maior subida teve na Europa;
b) há aumentos inevitáveis em perspectiva (devido ao aumento das despesas sociais e ao descongelamento dos salários da Função Pública);
A estes argumentos, eu acrescento outro: a qualidade dos serviços públicos que recebemos em troca dos nossos impostos é francamente baixa, é horrível.
Por isso, acho que se devia reduzir os impostos o mais cedo possivel: a única maneira de domar o monstro é asfixiá-lo.
a) em termos absolutos, a carga fiscal não é elevada, realmente. Mas foi a que maior subida teve na Europa;
b) há aumentos inevitáveis em perspectiva (devido ao aumento das despesas sociais e ao descongelamento dos salários da Função Pública);
A estes argumentos, eu acrescento outro: a qualidade dos serviços públicos que recebemos em troca dos nossos impostos é francamente baixa, é horrível.
Por isso, acho que se devia reduzir os impostos o mais cedo possivel: a única maneira de domar o monstro é asfixiá-lo.
4.4.07
Comparaison n'est pas raison
- A carga fiscal em Portugal é muito alta.
- Não é, se a comparares à da Suécia, da Dinamarca ou da Finlândia.
- No aeroporto de Lisboa, as bagagens demoram muito tempo a chegar.
- Compara com o de Madrid, em que as bagagens são sistematicamente roubadas.
- Os salários em Portugal são muito baixos.
- Tivémos o maior aumento de carga salarial da Europa.
- A educação nacional está péssima.
- A nossa educação é um exemplo para a Europa - nenhum país da Europa teve a diminuição dos índices de analfabetismo que Portugal teve nos últimos 30 anos.
Há, realmente, um Portugal real e um país imaginário, como lhe chama Vasco Pulido Valente. Para quem vive no país real, o que conta é o presente; para os do país imaginário, é a comparação entre o que fomos e o que vamos ser. Eu, que sou optimista por escolha, formação e fatalidade, gostava imenso que a malta do país imaginário tivesse razão (e gostava ainda mais de fazer parte desse país).
Quem vai hoje a um hospital público não quer saber se há 30 anos eles eram muito piores - quer é que eles sejam bons hoje. O mesmo se aplica a quem tem filhos na escola, a quem paga impostos ou tenta criar empresas: nós não queremos um país melhor do que ontem, nem um país melhor do que A, B ou C - queremos um país bom, tout court.
- Não é, se a comparares à da Suécia, da Dinamarca ou da Finlândia.
- No aeroporto de Lisboa, as bagagens demoram muito tempo a chegar.
- Compara com o de Madrid, em que as bagagens são sistematicamente roubadas.
- Os salários em Portugal são muito baixos.
- Tivémos o maior aumento de carga salarial da Europa.
- A educação nacional está péssima.
- A nossa educação é um exemplo para a Europa - nenhum país da Europa teve a diminuição dos índices de analfabetismo que Portugal teve nos últimos 30 anos.
Há, realmente, um Portugal real e um país imaginário, como lhe chama Vasco Pulido Valente. Para quem vive no país real, o que conta é o presente; para os do país imaginário, é a comparação entre o que fomos e o que vamos ser. Eu, que sou optimista por escolha, formação e fatalidade, gostava imenso que a malta do país imaginário tivesse razão (e gostava ainda mais de fazer parte desse país).
Quem vai hoje a um hospital público não quer saber se há 30 anos eles eram muito piores - quer é que eles sejam bons hoje. O mesmo se aplica a quem tem filhos na escola, a quem paga impostos ou tenta criar empresas: nós não queremos um país melhor do que ontem, nem um país melhor do que A, B ou C - queremos um país bom, tout court.
Realidade
"Sócrates é o melhor Primeiro-Ministro de Portugal em muito, muito tempo". É incontestável; e um bocadinho assustador, não é?
3.4.07
Cidadania
Não sei, e não vou procurar agora, se é o Público se é o Diário Económico que traz hoje uma notícia interessante: o Ministro das Finanças teria dado instruções para que as entidades públicas diminuam os prazos de pagamento.
Pessoalmente, penso que o deviam fazer o mais depressa possível: face aos prazos de pagamento habituais, qualquer cidadão tem, mais do que o direito, o dever de defraudar o Estado, o mais possível, o mais frequentemente possível, sempre que possa, sempre.
Esquecemo-nos, infelizmente, de duas coisas: a primeira é que o Estado é composto por pessoas; e quem nos rouba e nos engana não é o "Estado", são as pessoas que trabalham no, ou para, o Estado. A segunda é que se as coisas chegaram a este ponto é porque nós deixámos.
Pessoalmente, penso que o deviam fazer o mais depressa possível: face aos prazos de pagamento habituais, qualquer cidadão tem, mais do que o direito, o dever de defraudar o Estado, o mais possível, o mais frequentemente possível, sempre que possa, sempre.
Esquecemo-nos, infelizmente, de duas coisas: a primeira é que o Estado é composto por pessoas; e quem nos rouba e nos engana não é o "Estado", são as pessoas que trabalham no, ou para, o Estado. A segunda é que se as coisas chegaram a este ponto é porque nós deixámos.
2.4.07
À atenção dos verdadeiros patriotas
Os verdadeiros patriotas são, estou seguro, a favor da entrada da Turquia na União Europeia: a Grécia passou-nos em todos os indicadores; os países de leste, não tarda, farão o mesmo. Ao ritmo das "reformas" do nosso Governo, daqui a meia-dúzia de anos ficamos sem ninguém para nos disputar o último lugar da tabela. Que venha a Turquia.
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