31.5.09
Solidões - II
Solidões
30.5.09
Textures, futur
Verão
As frentes da luta
Rosas e lichies
Et puis merde, Francisco!
(A quem vir semelhanças com o teatro: não é uma coincidência. Os marinheiros, habituados a lidar com cabos e com imprevistos eram as pessoas que os teatros contratavam para gerir os cenários. Para lá levaram bastantes das suas tradições.)
Aqui fica a fotografia de um pequeno momento daqueles a que todos nós, marinheiros, cedemos de vez em quando: as coisas verdadeiramente importantes não são visíveis, muito menos mostráveis.
28.5.09
Regras
Há, contudo, algumas regras que convém conhecer antes de desrespeitar as outras: a) Só o podemos fazer com pessoas de quem gostamos realmente e cujo afastamento, no caso de não apreciarem o nosso comportamento (por, mais frequentemente, o interpretarem mal) nos doer; b) só o podemos fazer (claro, mas nunca é de mais repetir) se soubermos que estamos a desrespeitar normas essenciais para a convivência civilizada e pacífica de humanos; c) não o devemos fazer frequentemente, e muito menos sempre com a mesma pessoa.
Desrespeitar as normas com pessoas de quem não gostamos é um desperdício, um excesso de respeito: as pessoas de quem não gostamos não merecem as nossas aparências, esforço, má-educação, mentiras.
27.5.09
Cansaço, tu
Bicicleta, demónios
Uma caixa de ti - Joni Mitchell
Just before our love got lost you said,
I am as constant as a northern star.
And I said, Constantly in the darkness
Where's that at?
If you want me I'll be in the bar.
On the back of a cartoon coaster
In the blue TV screen light
I drew a map of Canada
Oh Canada
With your face sketched on it twice
Oh, you're in my blood like holy wine
You taste so bitter and so sweet
Oh I could drink a case of you, darling
And I would still be on my feet
Oh I would still be on my feet
Oh I am a lonely painter
I live in a box of paints
I'm frightened by the devil
And I'm drawn to those ones that ain't afraid
I remember that time you told me, you said,
Love is touching souls
Surely you touched mine
'Cause part of you pours out of me
In these lines from time to time
Oh, you're in my blood like holy wine
You taste so bitter and so sweet
Oh I could drink a case of you, darling
Still, I'd be on my feet
I would still be on my feet
I met a woman
She had a mouth like yours
She knew your life
She knew your devils and your deeds
And she said,
Go to him, stay with him if you can
But be prepared to bleed
Oh but you are in my blood
You're my holy wine
You're so bitter, bitter and so sweet
Oh, I could drink a case of you, darling
Still I'd be on my feet
I would still be on my feet
Nós e eles; ou: contrição
Eu percebo, e acho legítimo: afinal, em Lisboa os automobilistas não cometem infracções nenhumas, sejam elas inócuas ou mais graves; não estacionam em cima dos passeios, não passam com o sinal encarnado, são atentos e respeitam todos os outros utilizadores do espaço público. É portanto compreensível que à mais pequena coisa que nós, ciclistas, façamos eles buzinem desvairadamente.
E eu faço um acto de contrição, cada vez que »respondo« à buzinadela.
26.5.09
Meta-post, múltiplas; ou: been there
http://donvivo.blogspot.com/search?q=perseverança
http://donvivo.blogspot.com/search?q=persistência
http://donvivo.blogspot.com/search?q=obstinado
http://donvivo.blogspot.com/search?q=obstinação
http://donvivo.blogspot.com/search?q=sonho
Desvio
25.5.09
24.5.09
21.5.09
João Bénard da Costa
18.5.09
Foutaises
17.5.09
Evolução
16.5.09
La Diferenza
Este meu irmão chama-se Hernâni Miguel e conheci-o há vinte anos nos Açores: era, creio, agente de um grupo de música da Guiné-Bissau chamado Issabari, ou coisa que o valha.
Depois perdemo-nos de vista, reencontrámo-nos naquele que foi para mim, durante algum tempo, o único bar potável do "novo" Bairro Alto (o Targus, para quem perguntar), perdemo-nos outra vez de vista até que há dois ou três anos nos reencontrámos.
O Hernâni abriu, em sociedade com um senhor simpatiquíssimo chamado Miguel Ruah, um novo bar no Bairro Alto. Chama-se La Diferenza. O nome não é um vago desiderato estético: é um programa - e, com o Hernâni e o Miguel à frente, é um objectivo que vai, de certeza, ser atingido.
Para nós, para todos aqueles que gostam de bares e não gostam do Bairro Alto (por uma simples e, reconheço, contestável necessidade de coerência interna) La Diferenza vai, realmente, fazer uma diferença. Porque a noite não tem nada a ver com aquelas massas de imbecis alcoolizados, agarrados a copos de plástico nas ruas outrora secretas, herméticas, e agora vomitadas e graffitadas do Bairro Alto. Para mim, pessoalmente, também: afinal é bom vermos um irmão fazer aquilo que sabe, vírgula, outra vez, vírgula, finalmente.
O La Diferenza fica na Rua da Atalaia, nº 172. É pequeno, bonito, tem música ao vivo, está no princípio e é uma sorte.
Erecção
É difícil saber a quem pertencem as erecções, na maioria dos casos. Por mim decidi, há já muito tempo, não ligar à propriedade delas, excepto em casos particulares, especiais, raros: aqueles em que se pode dizer não que "é minha", mas "é nossa".
Parece um bocado pateta, dito assim, eu sei. E se calhar é. Mas não sei dizer patetices disfarçando-as de coisas profundas, ou inteligentes. E a verdade é esta: as únicas erecções com as quais, a meu ver, se deve perder tempo é com aquelas que, não sendo minhas, não são de mais ninguém, se não nossas. Isto é, de hoje; não de ontem, nem de amanhã.
Nota: a ideia de erecções que se passeiam sem estar acompanhadas pelos respectivos donos é do filme "Providence", de Alain Resnais.
15.5.09
Contrabando de versos
Este ano a língua convidada foi o português: havia poetas de Portugal, Brasil, Guiné, Moçambique e Angola. Cada um deles fez equipa com um poeta alemão. O resultado é um livro (o qual pode ser adquirido amanhã no stand da Sextante na Feira do Livro, passe a publicidade - é mais do que publicidade, é uma fortíssima sugestão para acorrerem em massa).
Corrijo: o resultado é muito mais do que um livro; é um entusiasmante, estimulante, revigorante, refrescante encontro de pessoas e mentes, de línguas e dificuldades, de vontades e inteligências, de sons e soluções. Não sei como são criadas as equipas - não havia forçosamente qualquer afinidade entre tipos de poesia, à partida, o que só contribuíu para tornar o exercício ainda mais enriquecedor.
14.5.09
Catherine
Chamava-se, como disse, Catherine; era guitarrista num bar de jazz de uma cidade qualquer do Algarve. Cheirava mal, e tocava divinamente. Encontrei o bar porque quando chego a um porto qualquer a primeira coisa que faço é fugir da Marina - aliás começo em geral por evitar entrar em marinas, só o faço se não houver alternativa. Mas se tiver que ser, nunca páro nas imediações, que são todas um horror, todas iguais, todas foleiras.
Não conhecia a cidade; enfim, não a reconheci: costumava ir para lá quando era miúdo, e depois passei mais de trinta anos sem a visitar. Não era a mesma cidade, naturalmente. Fora a loja dos doces tradicionais, a fortaleza e a estação de caminho-de-ferro não havia nada que conhecesse, ou me dissesse alguma coisa.
O bar estava escondido numa zona nova, uma coisa um bocadinho estranha, mais parecida com um café de quarteirão do que com um bar com música boa, e uma guitarrista croata, ou serva (ou eslovaca?) com uma cabeleira loira densa como alguns dias de chuva no Burundi ou no leste do Zaire, dias em que não se vê nada senão a vida, quando a chuva acaba, o sol regressa e as plantas se põem a crescer a olho nu.
Menciono o Zaire porque foi assim que a conversa com ela começou: um solo que me fez pensar em África, uma confirmação da parte dela (tinha lá vivido, em criança, ou tinha lá ido em adolescente - pouco importa, de qualquer forma nada disto se passou assim). Conversámos bastante e quando lhe propus que fôssemos para um hotel - não estava sozinho a bordo, e não me apetecia encher a embarcação, já de si pequena, com aquele cheiro - ela disse que sim com naturalidade. "Só te peço uma coisa: não me penetres, não tentes penetrar-me".
Pessoalmente penso que fizemos amor, mas deixo o debate aos técnicos. Tomámos duche juntos, um duche longo que se prolongou por um ainda mais longo banho na enorme banheira do hotel; deitámo-nos no chão da casa de banho (era verão, e o chão estava fresco) e acariciámo-nos, beijámo-nos, apalpámo-nos, mordemo-nos, virámo-nos e revirámo-nos e viemo-nos como se as comportas do céu se tivessem abertas (aí já estávamos na cama). Mas eu não a penetrei, e não sei se conta. Acho que sim, não é? Não sei.
Na realidade lembro-me mal de Catherine; só a vejo aos bocados: os mamilos enormes, o monte-de-vénus com pelos que nunca deviam ter visto uma tesoura na vida - quanto mais uma lâmina, ou cera -, os olhos quase transparentes de tão azuis, os cabelos, que por vezes me pareciam cobrir a cama toda, o quarto todo, o mundo todo. Não creio ter trocado mais do que três ou quatro frases com ela, depois daquele estranho pedido. Nunca percebi porque mo fez. Quando acordei ela já se tinha ido embora.
Nesse mesmo dia largava e não tive oportunidade de voltar ao bar. Guardei - mecanicamente, porque tenho o hábito de guardar tudo - o bocado de papel que encontrei na secretária do quarto. Estive quase para guardar também um dos cabelos amarelos com que a cama tinha ficado coberta. Não o fiz: pareceu-me de uma pieguice sem fim (não devemos temer a pieguice: quando é demais ela própria se encarrega de fugir de nós. Mas era demasiado novo para saber isso).
Encontrei o bocado de papel. Lembrei-me imediatamente de onde vinha: de uma mulher que não possuí, e me deixou uma das melhores recordações que tenho de uma noite de amor - uma noite que começou há muito tempo, e nunca há-de acabar.
13.5.09
12.5.09
Pobrezas
Pedras piegas
Meço as palavras
11.5.09
Luminosa limpidez
Há um fio que os une: escrevem-se directamente na pele, todas as noites, longas circunvalações que se poderiam identificar como letras novas de um alfabeto antigo, numa língua ancestral.
"És o meu caderno, e nele reescrevo a minha vida", disse um. "Cuidado: esse caderno que agora abres, tão delicadamente, não tem fim: se o abrires completamente ele nunca mais se fecha", respondeu o outro. Talvez seja esse o fio que os une: letras e tempo, à flor da pele.
Passados, Descobertas
Devemos olhar para o futuro e arregaçar as mangas, se queremos voltar a ter um passado do qual nos possamos orgulhar.
10.5.09
Exercícios da língua portuguesa
Já imensas coisas mudariam se o sol, em vez de girar no sentido Leste - Oeste o fizesse no sentido Norte - Sul, ou Sul - Norte. Isso sim, seria uma mudança importante, de grandes e imprevisíveis consequências. Transformar-se-ia a Groenlândia numa espécie de Japão? Teria a terra um número infinito de equadores, e um só meridiano? Para onde iriam os gelos?
Claro que se pode considerar que tudo isto não passa de um exercício teórico, académico: o sol nasce a Leste e põe-se a Oeste. E contra isto nada, rigorosamente nada há a fazer - excepto eventualmente trocar os sentidos de "Leste" e "Oeste", mas isso seria semântica, semântica e nada mais.
Há, contudo, coisas que não mudariam, qualquer que fosse o sentido de rotação da terra: tu continuarias, por exemplo, a ser a razão pela qual o sol se levanta e deita, todos os dias em todos os lugares - pelo menos para mim, claro - (e continuarias a ser a razão pela qual a palavra "tu" existe em todas as línguas, mas isso é outra disciplina); continuarias a ser a razão pela qual te escrevo todos os dias, de manhã à noite e da noite à manhã, mesmo quando não te escrevo; um dia sem ti continuaria a ser como um domingo cinzento e triste no qual o sol se tenha levantado a Norte, e uma vida sem ti como uma Terra sem sol.
E contra isto nada há a fazer, rigorosamente nada - excepto talvez esperar que tu existas, claro.
Selvagens
Quem se interessa por meteorologia, ou precisa de informações mais aprofundadas do que "vai chover" deve visitar este site. Tem cartas de tempo animadas para todos os oceanos, com loops a 3 e 7 dias. O modelo utilizado pela NOAA não é infalível, claro, mas parece-me um dos melhores do vasto leque disponível.
Adenda: as pessoas que porventura pensem dar grandes passeios de bicicleta na semana a seguir à que aí vem deviam rezar para que aqueles H que se vêem no quarto inferior direito da carta se mantenham por ali.
Maio
Dicionários
Hoje tropecei na palavra inconho, que inicialmente pensei ser o contrário de conho, mas não é.
Firmes são as verticais do desejo
"Nunca se deve oferecer jarros a uma senhora que não se conhece bem", dizia-me já não sei quem. Nunca os ofereci - mas ofereci-me eu a eles. Tantas vezes: tão direitos, tão firmes, tão sólidos. E agora recebo-os: se fosse uma senhora teceria um comentário inteligente sobre as formas horizontais um pouco difusas; falaria do tempo que levaram a crescer, do hirto que eles são; mas não falaria das verticais, essas verticais do desejo que sabem que o essencial não se vê, e só raramente se deixa fotografar.
O essencial está nas horizontais. De tão deitadas me fazem pensar em ti, quando nos amámos pela primeira e última vez. O teu sorriso era aquele: amplo, difuso, belo, quase monocromático - porque a felicidade o é - tão leve, alegre.
Só depois de te amar te vi. Eras a porta que todos sonhamos na Índia, ou numa daquelas possessões que perduraram até hoje. Eras a porta e a folha o verde da água e da árvore, numa só: eras tu, "inesgotável e pura", reflexo de um desejo límpido num outro desejo límpido, defendido por uma porta impugnável, e escancarada.
Espaço
Tempo
8.5.09
As coisas e a pele das coisas
Fragmento
E depois lá aparece uma a boiar, porque as palavras andam sempre a banhar num líquido semiótico - ou será amniótico? Nunca sei - e há uma que lá vem à superfície como as garrafinhas do "Era uma vez na América" e por ali fica até que alguém a venha apanhar e beber.
Hoje a que me calhou na rifa foi "Juízo", e de como a falta dele é tão benéfica, ou de como quantas vezes nos enganamos na definição da coisa e aquilo que nos aparecia como falta de juízo no fundo se revelou um juízo enorme. Mas isto só acontece quando as palavras estão todas misturadas e muitas vezes andam - quase sempre, aliás.
"Juízo" anda sempre misturado, por exemplo, com "razão", e nunca aparece com "intuição" - assim como andam misturadas, as palavras por vezes criam inimigas, ou antagonismos estúpidos e recusam-se a aparecer juntamente com outras. "Juízo" e "intuição" são dessas, nunca aparecem juntas, mas eu cá para mim acho que deviam andar muito mais juntas do que andam pela razão simples e irrefutável que na vida real não se largam. Refiro-me à vida onde não há palavras, à vida onde pelo menos não são elas que mandam, porque há uma vida assim, uma vida sem palavras, uma vida onde a gente quer dizer as coisas e as coisas não se deixam dizer e depois há outra vida em que é preciso conter as palavras, se bem muitas vezes nem duas barragens cheguem, quanto mais uma só.
... "juízo" e "medo" também andam sempre juntas, amam-se sem parar e adquiriram uma respeitabilidade enorme ..."
7.5.09
Apresentação
A apresentação do projecto Mares - Olhares da Língua Portuguesa correu magnificamente bem. Na mesa estavam representantes dos Ministros da Cultura e do secretário de Estado dos Assuntos do Mar, o Secretário Geral da CPLP, o Embaixador do Brasil junto à CPLP. Na sala, cerca de 70* pessoas.
Rão Kyao estava em estado de graça. Tocou cerca de meia-hora e foi sublime. Os organizadores do evento deixam aqui expresso, explícito, um grande Obrigado! pela enorme gentileza de Rão e dos seus músicos.
* - de trás das cortinas dizem-me "80 pessoas".
Aproveito para deixar aqui o meu agradecimento a todas e todos aqueles que nos encorajaram, que partilharam connosco o desejo e a esperança de ver este projecto concretizar-se. Bem hajam, Luísa, Arábica, Catarina, Fugidia (o link fugiu). Esqueço-me decerto de alguém.
Inquietante
Hallelujah!
"Acabou a guerra dos contentores. Lisboa vai ter um jardim"
Mais aqui e aqui.
6.5.09
Destinos, magnetismo
Nomes
Mas alguns atraem-me especialmente. Digo-os devagar enquanto os escrevo, enrolo-os, retenho-os... oops, desculpem, estava a falar de nomes.
Sono
Procuro-o na leveza, que é o teu verdadeiro nome. E quando o sono chega é leve, finalmente.
PS - a expressão "coivara dos dedos" é de um poema brasileiro cujo autor não recordo e que li há muitos anos na revista Nova, da qual só saiu um exemplar, infelizmente. "Coivara" quer dizer incêndio. É uma palavra bonita. Como um incêndio, ou alguns dedos. Nem todos os dicionários a registam.
As coisas não se passaram assim (1ª parte, cont. e fim)
Nada como o meu: mas isso que importa, agora? As coisas não se passaram assim.
Inspiração
Não penses em nada, aliás: nem a certeza tenho de que pensar produza, sempre, bons resultados. Lembra-te do dia em que pensei amar-te, por exemplo.
Foi assim que as coisas não se passaram
Por exemplo: vejamos as "coisas" de hoje. Duas raparigas estão sentadas ao meu lado no restaurante. Outras duas na mesa em frente. As duas ao meu lado estão "sozinhas" - com aspas; e são bonitas, sem elas. As que estão à minha frente têm dois gajos. Uma delas (a que está de costas para mim) tem o rego do cu à vista. São feias, as duas.
Depois foram-se embora. Isto é: as bonitas, que estavam ao meu lado, foram-se embora. Não quero sequer sonhar que há uma relação entre o rego do cu à vista e as outras terem ficado no restaurante, com dois gajos. Nem pensar nisso. Mas há, de certeza. Uma conspiração universal (e se calhar involuntária, inconsciente) contra um velho lúbrico, gordo e careca mas com um certo sentido de estética, que se sente mais estimulado por uma cara bonita do que por umas costas que não acabam a tempo.
Agora apercebo-me que um dos gajos da mesa à minha frente é uma gaja, afinal. São três. As coisas não são, portanto, como as vemos: um dos gajos é uma gaja, porque, simples e irrefutavelmente eu a olhei melhor. O rego do rabo continua à vista, o que é desagradável. Uma delas é italiana. São feias, todas. Mas isso é irrelevante: as coisas não se passaram assim.
Nada, nunca, se passou assim. É por isso que precisamos de aspas nas coisas. Às vezes, pelo menos.
A italiana faz jogos com a palavra "coniglio". Rola-a na boca, devagar, sensualmente, para que o gajo ao lado dela e a gaja que há bocadinho tomei por um gajo reajam. Mas as coisas não se passaram assim. Se se tivessem passado não teriam sido assim. As mulheres bonitas que estavam na mesa ao lado da minha teriam ficado, e as feias que estão com o rego do cu à vista ter-se-iam ido embora.
As coisas nunca se passam como queremos, quando queremos. São misteriosas. Por isso precisamos, tantas vezes, de pôr aspas nas "coisas". Ou de as deixar correr, como cascos de cavalo numa rua empedrada, num coração empedrado, num olhar. Ou comovido, subitamente comovido, porque se lembrou de ti e te viu, no lugar daquela fealdade toda.
5.5.09
Gravata, ou: Nada como a Primavera
Compras
Retratos possíveis
Agora está visivelmente rico - e de bom gosto, ainda por cima: tudo do bom, do melhor e do discreto. Fomos almoçar, e explicou-me a razão da metamorfose. "Sabes, eu pensava que era honesto, naqueles tempos. Mas não era: não tinha imaginação, apenas. O que dá formas profundas, mas provisórias, de honestidade". Fez um esgar e acrescentou "felizmente".
Videossincrasias
Adenda - com um obrigado ao Plúvio, pela correcção.
4.5.09
Bisturis
Na verdade podem coabitar, as duas imagem: umas vezes uma, outras a outra. A única coisa que se mantém é a necessidade de um bisturi.
Dúvida
As paredes em chamas
Os incêndios eram breves mas violentos e, ao contrário do que ele pensava, ou dizia, ou desejava, deixavam cicatrizes terríveis. Todos os que o rodeavam as viam, menos ele. Um dia decidiu que o incêndio devia durar para sempre, e destruiu a casa.
Xaman
De vez em quando apercebia breves lampejos da imagem dela, rápidos como o bater das asas de um colibri em plena tempestade
De vez em quando apercebia breves lampejos da imagem dela, rápidos como o bater das asas de um colibri em plena tempestade. "Há dois tipos de silêncio", pensou. "Aquele que é provocado pela ausência de sons, e o que, pelo contrário, resulta da mistura de todos os sons de todas as vidas. Prefiro este último". Era um conceito que lhe tinha ficado do aturado estudo das cores, a que dedicara grande parte da sua vida.
Feliz por esta descoberta recente deixou-se levar pelas diferentes visões: o colibri num dia de tempestade; um túnel circular em que as palavras giravam a velocidades vertiginosas; um exército de espantalhos vivos e sorridentes; uma esfera armilar de ruídos, que o envolve e isola dos outros ruídos todos; o olhar de um ciclone adormecido, atónito primeiro, e depois interrogativo, dubitativo, quase terno - para terminar numa aceitação total, passiva, incondicional da nudez de um silêncio que o perseguia há anos.
"Era um ciclone feminino. Há ciclones masculinos e ciclones femininos. Não sabia". Mais uma descoberta. Cansado, retirou-se; foi rezar os alfabetos que conhecia, como se fossem terços. Mas todas as letras, todos os caracteres de todas as línguas o conduziam ao mesmo sítio, ao lugar de onde partira: uma vida, um campo de silêncio. Tu. Assim se chamava esse lugar, fonte de todas as palavras, de todas as vidas, de todos os silêncios.
"Não vale sequer a pena mencionar os encontros fugazes em escadas de metro de sentidos opostos", ocorreu-lhe subitamente. "Algures há uma força capaz de fazer as duas escadas tomarem uma direcção comum, diferente das que tinham antes. Mas não sei como se chama, essa força. Provavelmente nem nome tem".
Não tinha nome, claro: o que não existe não se chama, não precisa de nome. Nascemos com as palavras, e elas morrem connosco. O que permanece é o silêncio. Tu. Um silêncio feminino.
Definição, opção
Definições
3.5.09
Hipérion - uma breve citação, ou duas
Hipérion - uma breve citação
O Estado nada mais é do que a casca crua que envolve a essência da vida. Ele é o muro que cerca o jardim das flores e dos frutos do homem.
Mas de que serve o muro que cerca o jardim se o solo está seco?"
2.5.09
L'infirmier mélomane
Il gémissait sourdement dans un coin quand un infirmier mélomane l'a vu, et l'a soigné: les Vêpres de Rachmaninov trois fois par jour pendant un mois; ensuite, une fois par jour jusqu'à complète disparition des symptômes. Et le silence, total, nu comme un alphabet. Pas un bruit, pas un mot, ni entendus, ni dits. Même pas pensés. Surtout pas pensés.
Uma barragem contra as palavras
Empatia
Nevoeiro, ressurreição
Mahler, final da Segunda Sinfonia, Simon Rattle e Anne-Sofie von Otter.
Serviço Público - Vinhos
"Um bom vinho é aquele que me faz dar um salto na cadeira", dizia um crítico de vinhos que já aqui citei várias vezes. Este fez-me dar saltos na cadeira a cada gole. Redondo, macio, encorpado, taninado mas sem ser agressivo, complexo, com um ataque claro, limpo, marcado e um fim de boca que se eterniza, e faz pedir mais mal acaba.
Não sei infelizmente (ou felizmente) o preço; é um grande, grande Douro.
Combinações
Claro que não. Mas o PCP, que só faz e diz asneiras (e faria muitas mais se estivesse no poder) prestou um óptimo serviço a Vital Moreira, o que é chato. Quanto às consequências para si próprio não devem ser graves: os militantes aprovam, naturalmente; e no grupo dos não militantes não deve haver ninguém com mais de 12 anos que ainda tenha ilusões sobre o comunismo.
Tragédias
1.5.09
15 - 10, um objectivo ambicioso
O cheiro da AR
Acho bem: ficaria extremamente desiludido com os nossos políticos se de repente me demonstrassem que a sensação de desconforto que sinto cada vez que passo à frente da Assembleia vem dos esgotos, ou coisa que o valha.
(A este respeito, posts excelentes aqui e aqui).