31.10.25

Depois

Olha: e se depois do amor fizéssemos amor? Como seria? Isto é, fazer amor depois de fazer amor é a mesma coisa ou é diferente? Porra, não consigo explicar isto como deve ser. Fazer amor e fazer amor. Não sei são a mesma coisa, percebes? Há um antes e um depois. Antes do depois. Depois do antes.

Raio de confusão que para aqui vai. Que mesclas, estas mariquices. Comes a gaja e acabou-se. 

Talvez seja ao contrário: comes a gaja e tudo começa. Enfim, vamos a ver e nem sequer foi ela que tu comeste. Não comeste ninguém. Foste comido, na melhor das hipóteses e não foste nada, caso contrário. 

30.10.25

Andaluzia, meu amor / II

Por razões demasiado longas para serem expostas aqui, hoje saí da parte de La Linea que conheço. 

Confirmei outra vez (como se fosse preciso) que não gostamos do que não conhecemos. Basta dar meia dúzia de passos fora da linha e La Linea torna-se agradabilíssima. E faz sentido enquanto entidade autónoma. Não precisa de Gibraltar para nada.

Amo-te, Andaluzia. 

Andaluzia, meu amor

Se por um lado é verdade que nem tudo o que anda luz, é igualmente vero que tudo o que luz anda. O que, de certa forma, explica porque gosto tanto da Andaluzia.

29.10.25

Diário de Bordos - La Linea de la Concepción, Andaluzia, Espanha, 29-10-2025

A minha experiência de karaoke é muito reduzida. A única coisa que sei daquilo é que detesto, com cada um dos neurónios que processam o som no meu pobre e martirizado cérebro. Hoje, como não podia deixar de ser, vim cair num. A maldita lei do ruído - ou seja lá o que for - fecha tudo menos a merda.

E logo depois de um jantar porreiro, porra!

Não sou homem de ódios. Sou mais de amores. Suponho que o asco que sinto por esses pobres desgraçados que se exibem sem qualquer espécie de vergonha ou de auto-análise tem mais de inveja do que de espírito crítico. 

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De um ponto de vista arquitectónico, La Linea não tem muito interesse. Duas ou três praças quase bonitas, um monte de ruas pedestres, uma ou outra casa que resistiu à necessidade gibraltenha de mão d'obra.

O que me faz gostar desta cidade é outra coisa e essa coisa tem dois nomes: Andaluzia e Gibraltar. 

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Almoço no La Casita, uma churrasqueira argentina bastante decente e jantar no La Chimenea, que é igual ao Bodeguiya nas em tons escuros.

Estou cheio de comida, a abarrotar. E cheio de gratidão, também. É que impede-me, é certo, de ter uma casa. Mas em troca dá-me dezenas de outras.

(Cont., prometo)

26.10.25

Louvor do restaurante S'Albacora, em Valencia

Fui jantar ao restaurante S'Albacora. Já lá tinha ido almoçar. É preciso dizer que está quase ao nível do Gustar, em Palma? É. O Gustar é um restaurante pequeno  e o S'Albacora é muito maior. Mesmo que eu habitasse em Valencia nunca atingiria o grau de amizade, ou cumplicidade que tebho com o Fidel e com o Tom. Além disso, não têm uma loja de gelados como o Claudio a cinco minutos. 

Afora estas diferenças,  o S'Albacora é uma casa soberba, aonde sugiro fortemente aos meus leitores que venham comer. Fica um bocadinho fora de mão mas isso não conta como defeito, antes pelo contrário. 

24.10.25

Diário de Bordos - Valencia, Espanha, 24-10-2025,

O vermute do restaurante Aduana, em Valencia, não é tão bom como o Can Rich de Ibiza, tant s'en faut. Não é uma surpresa, claro. São muito poucos os vermutes que se lhe aproximam, sequer. Apesar disso, deposito uma larga quantidade de confiança no Aduana, que me foi aconselhado por pessoas do burgo e logo à primeira vista e primeiros contactos me faz esperar uma boa refeição - neste caso jantar.

Os boquerones fritos reforçam essa expectativa. A verdade é que ninguém sabe fritar peixe como os espanhóis e quando a matéria-prima é boa essa qualidade manifesta-se com esplendor. A seguir vêm uns secretos. O objectivo sendo vingar-me dos que comi ao almoço no chiringuito da marina, que estavam um horror com M gigantesco.

A vingança é um êxito. Estes secretos são uma delícia com M igualmente gigantesco, mas diferente do primeiro. Oposto. M de maravilha, M de milagre, M de "que sorte tens, Luisinho".

Claro que sorte é um termo que engana muito. A escassez de paciência que me aflige de há uns anos a esta parte vê-se confrontada com uma empresa que dá à palavra desorganização outra envergadura. Astronómica, por assim dizer. Galáctica. Felizmente, essa expansão da falta de paciência foi acompanhada, exactamente na mesma razão, por um crescimento da tolerância. De maneira lá me tenho aguentado mais ou menos em silêncio. Excepto quando estou com D., um dos outros skippers, um tipo experiente e simpático. Aí, abrimos os dois as válvulas e deixamos sair os fumos.

Ou seja, o jantar está a ser uma sucessão de sucessos (desculpa, M., aqui não posso usar os sinónimos que tu preconizas), espero com anseio a largada e antevejo-me no Rana Dorada, o meu waterhole favorito do casco viejo da cidade de Panamá. Se ainda existir, naturalmente. Tenho de ir ver ao google. Existe. Hallelujah!

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O jantar fecha com um café, um Disaronno e comigo a pensar que hoje vou de novo dormir como se Deus existisse e me ressuscitasse porque isto não é sono, é uma espécie de morte, um ersatz de morte e Deus estaria decerto ali para me trazer de volta à vida, se existisse. 

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Recuperei o uso pleno dos dois olhos (será que Deus existe, afinal? Não. Tendo mais a acreditar na medicina e na química farmacêutica). Agora já só falta recuperar a concentração,  ver se me ponho de novo a ler livros e não esta porcaria que me aparece no telefone portátil. 

Porcaria essa que é, de passagem seja dito, o único contacto que tenho com o mundo exterior.

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Boa notícia: vai ser preciso parar em La Linea.

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Ainda bem que não joguei no totómilhões. Não teria saído nada, aposto. Mas lá que teria ajudado a pagar o jantar teria.

No mar, entre Sant Antoni, Ibiza e Valencia, 24-10-2025

Está um mar de merda, essa é que é essa e ainda por cima tenho de ir a pé coxinho para não chegar antes da hora. Verdade que não me apetecia nada esperar mais duas horas em Sant Antoni, cidade aonde cada hora parece duas e cada dia três, vá lá perceber-se as contas que aquilo faz ao tempo. Ainda não há Lua e não se vê a ponta de um chavelho. Gosto de navegar assim, parece que estou dentro de uma cápsula de tempo, lá está, sempre ele e os olhos só vêem os instrumentos e uma ou outra luz de um navio de passagem e sente-se o vento que agora é norte e se não estivesse sozinho e com tempo a mais ainda içaria a grande mas assim vai como está, um pouco abaixo das duas mil rotações, um bocadinho de sono e outro de frio para compor o quadro. Pelo menos não corro o risco de adormecer a sério. Por que raio de carga de água isto está tão desencontrado depois de não sei quantos dias a soprar do mesmo lado é incompreensível mas enfim, é como está e provavelmente vai amainar lá mais para a madrugada.

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Graças à ausência de Lua as estrelas vêem-se bem. Tenho Orion pela popa e os Gémeos mesmo por cima de mim. Sirius está baixinha mas vê-se perfeitamente. É o meu céu favorito porque é o que me cai acompanhar para as Caraíbas. 

(Cont. que não tarda fico sem rede.)

23.10.25

Diário de Bordos - Sant Antoni, Ibiza, Baleares, Espanha, 23-10-2025

Ibiza não é a minha ilha favorita no arquipélago das Baleares. Em Ibiza, Sant Antoni é o porto de que menos gosto. Aprecio infinitamente a simpatia e disponibilidade do pessoal da marina, um pouco menos a Rita's Cantina, o restaurante s'Avaradero e o restaurante Es Nàutic e de resto não vejo grandes razões para aqui vir.

Ou melhor: não via. Hoje - dia de badanal, dia de espera, dia chato - resolvi sair de Sant Antoni e vir ao restaurante Can Ramonet, sito nas redondezas. Prova provada de que se pode crer nas plataformas da internet. Não se ou nos enganam sempre. O Can Ramonet é um restaurante popular no bom sentido do termo, com uma longa e apetitosa lista de tapas - um prato, nunca é demais lembrá-lo, que não tem nada de baleárico mas que foi adoptado e agora é como se tivesse; usa produtos locais (o vermute Can Rich, por exemplo; ou as hierbas do mesmo produtor); tem um serviço jovem e simpático. Sofre com a presença de um ecrã de televisão do tamanho de uma piscina mas está em silêncio e eu estou de costas, duas qualidades que se potenciam uma à outra. Ou seja: o meu preconceito anti-Ibiza sofreu hoje um grande rombo. Como este haverá decerto mais (na ilha. Na cidade homónima já conheço um ou dois sítios decentes).

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É um dos lados bons desta minha vida: obriga-me permanentemente a mudar de preconceitos - e a confirmar quantos desses preconceitos se baseiam na ignorância total ou parcial dos temas dos quais se alimentam (o jogo de palavras é voluntário mas não é exclusivo).

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Se tudo correr bem largo hoje à noite para Valencia. Ou Gandia. Ainda não sei em que barco. A empresa convive bem com um nível de desorganização como já não vejo há muitos anos. Por mim, tudo bem. O meu objectivo imediato é chegar ao Panamá. Depois logo se vê.

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ADENDA - A largada foi adiada para as duas da manhã. Não via este nível de desorganização desde os franceses dos anos noventa mas agora o restaurante S'Avaradero diz-me gentilmente que tenho de me ir embora e como sou um rapazinho obediente vou.

21.10.25

Diário de Bordos - Sant Antoni, Ibiza, Baleares, Espanha, 21-10-2025 / II

Se eu quisesse dizer a verdade - ah, a verdade, essa delícia tantas vezes invocada e tão raramente degustada -  diria que o que me aconteceu hoje não me aconteceu muitas vezes. Há sempre a memória daquele regresso a Nakhodka, que me salvou a vida - e a mais trinta e muitos tripulantes; uma vez na Guadeloupe entrei a reboque do SNSM no porto, mas não foi um regresso a um porto do qual acabara de sair; outra vez regressei a Bocas del Toro, de onde saíra um ou dois dias antes, por causa de um problema no motor; e se não é tudo anda lá perto. Ou seja: posso dizer a verdade. Hoje voltei para trás, regressei ao porto de que largara havia pouco mais de uma hora. Por causa do tempo. Trinta nós no bico da proa não é vento para um cata. O barco gemia, implorava, ameaçava um chlique a cada vaga e não resisti. Voltei para Sant Antoni de Portmany.

A carcaça agradece, claro. Aquilo não deve ser muito diferença de levar uma tareia do Mike Tyson - com a ressalva de que nesse caso um murro seria suficiente e eu levei quase meia hora a decidir-me.

Ou seja: esta noite dormirei como se tivesse acabado de descobrir o sono.

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ADENDA - Uma velha tradição portuguesa da marinha mercante diz que em caso de problemas não se deve voltar ao porto de onde acaba de se sair. O não respeito dessa tradição salvou-me, já aqui o mencionei (e contei a história, bastante pedagógica). 

Na verdade, tentar vestir a realidade, qualquer que seja a roupagem com que se o tente  - tradição, ideologia, esperança  - só tem um efeito: falsidade. A realidade tem de comer-se crua e nua. Se não for assim, não passa de mentira. (Para a qual, forçoso é reconhecer, tende invariavelmente a resvalar, como o pé para a chinela em algumas pessoas.)

Diário de Bordos - Sant Antoni, Ibiza, Baleares, Espanha, 21-10-2025

A noite no ferry foi horrível de frio e de desconforto. Não fiz um upgrade para um camarote porque das duas vezes que apanhei este barco o salão era suficientemente confortável para se passar uma parte de noite. Hoje, das duas uma: ou mudaram o salão ou no DENIA CREATIVE CITY (?) este é diferente. Cheguei a Ibiza às cinco da manhã, fui dormir e acordei com o prazer de confirmar que a reputação da Rumbo Norte é mais do que justificada. Já me trocaram o bote para levar para Valencia (ou Gandia) três vezes. Agora querem que eu faça um seguro. Disse que sim mas quanto a pagamentos: pés à parede. Querem cu no chão? Ponham a massa na mão.

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Diz que vão pôr. Na verdade o problema desta empresa é a desorganização, não a desonestidade. Já o mesmo não posso dizer da Inti Charter, aonde tive o azar de alugar o cata para o charter na Sicília. Dizem-me que me vão reembolsar mas isto parece-me um remake da canção Parole, Parole, Parole. Uma coisa é certa: deviam ganhar o prémio Nobel das desculpas ridículas. Ou então, alternativamente, o de pensar que os clientes são estúpidos, se bem para este haja uma terrível concorrência.

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Largo esta tarde, lá mais para a tarde. Vou para Gandia. O vento vai cair um pouco, diz a previsão. Espera-me mais uma noite a não-dormir e a levar porrada e pergunto-me se a carcaça um dia se vai revoltar contra estas iniquidades que lhe faço.

Enfim, iniquidades talvez não seja o termo adequado. Pelo menos se pensar no magnífico affogato que acabo de comer, antecedido por um soberbo choco grelhado. A carcaça não se pode queixar. Alomba por um lado e recebe por outro.

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Isto agora só precisa de umas hierbas e de uma sesta para se compor.

19.10.25

Diário de Bordos - Caminha, Minho, Portugal, 19-10-2025

É que não são apenas os livros. É também os (poucos) CD que me restam. E as fotografias, quadros, aguarelas, postais. É todo o passado a pôr em ordem, enfim, a arrumar, a tirar dos diversos buracos aonde tem estado. E é também pedalar por estas subidas e descidas, o robalo na cataplana que comemos, a L. e eu hoje ao almoço no sublime Solar do Pescado, a ideia de que amanhã vou tirar o resto dos livros que ainda tenho em sacos, jâ são poucos, dois ou três, não mais e a ideia de cobrir o quarto pequeno de estantes e esta estonteante novidade: tenho uma casa. Agora só falta fazer com que ela me tenha a mim.

18.10.25

Diário de Bordos - Caminha, altíssimo Minho, Portugal, 18-10-2025

Não dormi, dormi, dormi mas dormi dormi, o que já é bastante bom. Depois acordei, continuei a ouvir os Magnetic Field da véspera e abri os últimos caixotes de livros (últimos no sentido de mais recentes...) Claro que felicidade completa seria ter tempo para os acariciar, folhear, ler uma página aqui e outra ali - os preliminares, por assim dizer. Infelizmente não tenho tempo para isso mas penso - que importa? Quem precisa de ser completamente feliz quando sê-lo parcialmente já é tão bom?

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Venho escrever para a Riviera, waterhole da burguesia local, de meia dúzia de turistas e oe alguns peregrinos. Tem bons pastéis de Chaves (enfim, suficiente mais. Bom menos, nos dias melhores) um serviço que costuma ir dar uns passeios à Lua antes de chegar à nossa mesa (o ratio clientes / empregados é da ordem do milhão para um) mas é um sítio bonito e eu gosto de cá vir. Aqui tive a primeira reunião com uma pessoa que pode ter uma voz definitiva sobre a marina e eu sou como os touros, territorial. O primeiro canto da arena aonde calho fica «o meu canto».

Está sol, o homem das bicicletas está fechado - parece-me mais fácil ganhar a lotaria do que apanhar aquela loja aberta (prémio duplo se a porta estiver aberta e o homem sorrir) - vim na BH Glasgow Vintage até aqui e é visível que ela gosta do caminho, vem ligeira por essas ruas, parece que voa baixinho e me diz «Obrigada! Obrigada!, estava farta de estar fechada naquela garagem. (Se me pusesses um bocadinho de óleo nas engrenagens...)»

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Penso na quantidade de temas sobre os quais o mundo espera ansioso a minha opinião: burkas e orcas vêm no topo. Lamento, mundo. A cerveja e o que me rodeia (tanto externa como internamente) são mais importantes.

17.10.25

Diário de Bordos - no comboio para Caminha, Portugal, 17-10-2025

Os dados rolaram e saiu Panamá. Era a minha segunda escolha, mas a primeira esando nas lentas mãos da justiça portuguesa aceitei-a sem um segundo de hesitação. É um país fascinante, o Panamá: aterritorial,  dividido geográfica e culturalmente, latino e americano, entre a América do Sul e a do Norte,  com populações autóctones que governam os seus territórios, uma administração corrupta, belezas de cortar a respiração... Ainda não sei o que me espera mas já não tarda muito.

En attendant venho a casa, que está tão bonita. História de encher o saco das imagens, dar-lhe um sentido, encher de afecto a casa e a mim dela. Os meus horizontes são variados mas a bússola aponta invariavelmente para Caminha, passem-me o termo terráqueo, talvez seja a minha reinterpretação da velha história do marinheiro que para se retirar vai pela terra dentro com um remo ao ombro até chegar a um sítio aonde lhe perguntam "o que é isso que levas ao ombro?" e é aí que ele decide ficar. Eu troco os léxicos e digo bússola em vez de agulha e antes do mar vejo os rios, o Coura e o Minho e do outro lado Espanha, a Galiza, un canto a Galicia hey, miña terra nai...

Mesmo que isso implique estas intermináveis viagens de comboio, tão longas quanto agradáveis, confortáveis apesar das rodas ovais e do mau estado (às vezes. Nem sempre) das carruagens e da boçalidade (idem) das pessoas que preferem viajar no bar, hoje havia um grupo horrível mas isso não acontece sempre e sentei-me à mesa de uma senhora que tinha um cão enorme e era magra como se fosse feita de fósforos e eu perguntava-me "será que arde?" mas na verdade não me dava vontade nenhuma de experimentar, ele era o cão, ele era a roupa feia, a cara que parecia ter sido desenhada por Modigliani num dia de depressão ou de ódio à humanidade.

Seguiu-se uma hora de espera no Porto e estou de novo no Intercidades. Daqui a meia-hora chego e daqui a menos de uma hora estarei em casa a perguntar-me "como pudeste pensar não vir aqui?"

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É preciso sonhar com o rio Minho cheio de mastros. 

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E dormir, dormir, dormir e acordar sem saber aonde estou e depois chega a resposta: "Estás em tua casa, estúpido. Andas há tanto tempo a falar em sedentarizar-te e agora tens aonde, finalmente."

Privilégio, silêncio, sílabas

Olha, é muito tarde para dizer-te tudo o que não te disse até agora, não é? Não, não é. Mas não me ouvirias agora como não terias ouvido antes. Sempre teria falado no vazio, para o vazio, se falasse. Porém,  em vez de falar preferi fazer e balbuciar, duas coisas que parecem antagónicas - e são. Faço e falo baixinho, quase gaguejando, porque de qualquer forma ninguém vê, ninguém ouve. Sigo aquilo a que os franceses chamam mon petit bonhomme de chemin sozinho, quase sempre sozinho. Por vezes aparece-me um companheiro de viagem, uma testemunha, um ouvinte,  um co-piloto... mas são, foram, tão poucos. Não penses que é agora que vou começar a dizer-te o que nunca te disse.

Isso ficou para trás. Se fosse para dizer, falar-te-ia do que aí vem, não do que já foi. Se a vida fosse uma escada seria estranha: serras os degraus do princípio mas eles não te largam. Continuam lá. E os que aí vêm também, de resto: só que esses não sabes quais são, para onde te levam. Vives degrau a degrau, sílaba a sílaba.  

Vives. É um privilégio, uma sorte, um hausto.

15.10.25

Oxímoros, modernidade

Não deixa de ser curioso que uma época que deifica o corpo como a actual despreze tanto a biologia. 

Diário de Bordos - Viana do Alentejo, Alentejo, Portugal, 15-10-2025

A expressão «Na paz do senhor» bem pode ser substituída por «Na paz do Alentejo». Ou mais especificamente, «Na paz de Viana do Alentejo». Ou ainda mais específico: «Na paz da casa da mana R.». Paz essa que por ser pacífica não deixa de ser produtiva. Despachei duas ou três coisas que tinha pendentes há muito tempo e preparo-me para o que aí vem, que não sei se é uma partida impromptu para as Caraíbas via Valencia ou uma estadia em Caminha.

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Os sicilianos falam em devolver-me parte da massa que me roubaram. Inventaram uma daquelas desculpas em que só acredita quem quer e o montante que pretendem agora fanar-me fica reduzido. Espero ter a massa na minha conta para lhes dizer o que verdadeiramente penso. É que se ser roubado é chato, ser tomado por estúpido também é. Por muito justo que seja alguém tomar-me por estúpido: aceito que o façam mas só depois de me conhecerem. Não ab ante.

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Hoje enviei ao editor o dactiloscrito do meu próximo livro. O comboio saiu da estação.

(Cont.)

14.10.25

Cânticos

- Vista de fora, a sua vida parece-me uma ode à solidão.
- Talvez. Vista de dentro é o hino de vitória da solidão.

12.10.25

No mar ao largo da costa vicentina, Portugal, 12-10-2025

Aperitivo no Ferradura, jantar (mediano) no Reis e bebida pós-prandial no Bon Vivant. «Gosto deste porto», resume B. Não vou tão longe: limito-me a não desgostar e a aproveitar o que Lagos tem de melhor.

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Saímos à hora marcada e cá vamos a motor. O norte de ontem entrou e saiu, felizmente. Não sou eu quem se vai queixar, por farto que esteja de andar com vento Yanmar. Pela primeira vez agradeço ter Starlink a bordo: o site do Rui Alves (Orcas.pt, para quem não sabe) está quase no topo dos mais visitados, segundo o meu telefone. Não sei com que frequência aquilo é actualizado mas a continuar assim vai lá manter-se muito tempo. Tenho material para as receber em festa, se for caso disso. Porém, prefiro evitá-las. Sigo Sun Tzu, amor de juventude: «O melhor general é o que ganha as guerras sem combater.»

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Não ligo muito à nacionalidade das pessoas. Tem a mesma influência no seu carácter do que a cor dos cabelos, por exemplo e piadas à parte. Portugueses, ingleses, togoleses ou esquimós são generalizações - úteis, necessárias mas generalizações. Com a tripulação actual, arrependo-me de tudo o que pensei sobre os meus compatriotas durante o charter na Sicília. Não há nacionalidades, pá. Há pessoas.

Ou então podemos observar a coisa de outra forma: aqueles deram-me a ver o nosso lado mau e estes o bom. Não sei. É tema que me interessa  pouco. De qualquer forma, com a capacidade de filtragem de merda da minha memória, não tarda já nem me lembro daquilo. Só não esquecerei o roubo, mas isso é outra história e não tem nada a ver com portugueses.

11.10.25

Diário de Bordos - La Linea, Andaluzia, Espanha 10-10-2025 e No mar, 11-10-2025

Segui o conselho do primeiro chauffeur de táxi e confirmei a opinião do segundo: o restaurante Carboneras 27 tem um excelente prato de rabo de boi e em La Linea todos os restaurantes são bons. Na verdade, estou muito longe de conhecer todos, mas todos os que conheço são bons.

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No mar, ao largo do cabo de Santa Maria, 11-10-2025 

A esteira confunde-se com o reflexo do Sol no mar, como se a viagem tivesse começado na estrela e não em Andratx.

A esteira confunde-se com o reflexo do Sol no mar, como se a viagem tivesse começado na estrela e não em Andratx.

Daqui a pouco a confusão passa.  O Sol e o seu reflexo no mar irão para sul e eu continuarei para Noroeste. O mais provável é ter de passar a noite em Lagos, coisa que me chateia um bocadinho porque não me apetece nada parar; e me alegra porque é só uma noite (até ver) e podia ser muito pior.

Se não estivesse ensombrado pela aldrabice dos sicilianos este transporte teria sido um sonho. Venho desde Gibraltar com vento pela popa. Até lá houve muito motor, é certo, mas quase não tive vento ponteiro; a tripulação é do melhor; o bote, por detestável que seja, está em bom estado. Há que ser justo: não é detestável. É só um tipo de embarcação que não faz o meu género. É uma pequena residência secundária, bastante confortável no porto ou fundeada mas pouco prática no mar. Anda bem (ou não fosse francesa). Mais verdade ainda: que ne importa o bote se tenho o mar, este calor que sobe pouco a pouco com o Sol, o ruído da esteira, o céu limpo de merecer um zero na escala de nebulosidade? Já comecei a despir a roupa da noite e vou continuar a troca. Noite pelo dia, a Lua pelo Sol, o cinzento claro pelo azul escuro, calças, camisa de mangas compridas e meias por uns calções e um pólo, gorro por chapéu, óculos escuros, noite formidável por dia formidável.

Vento ENE força quatro, o M. V. A fazer seis nós, mar de pequena vaga, a costa algarvia à vista, Lagos a menos de quarenta milhas. (Não me apetece nada parar. Que bom seria se isto continuasse assim esta noite. Nada a fazer, meu caro. Vai entrar norte. Só uma noite. Não penses nisso. Não penses nos sicilianos. Deixa o Sol e o mar injectarem-te aquelas vitaminas que só eles têm e que apagam todas as outras.)

(Cont.)

7.10.25

Diário de Bordos - No mar, entre Cartagena e Cabo de Gata, Espanha, 07-10-2025

A Lua nasce pela alheta de bombordo, cheia, cor-de-laranja, grávida de luz; a estibordo sai o dia, os cumes das montanhas recortados contra o cor-de-laranja e o azul escuro de fim de dia. Entre eles, o mar chão. Não há vento - tem sido uma constante deste Verão mas o barulho do motor do M. V. não estraga a paisagem. Nada a estraga, nem a memória do assalto de que fui vítima na Sicília, que me tem estragado os sonos. Saímos de Mallorca há dois dias, navegámos uma dúzia de horas à vela, hoje entrei em Cartagena para ir a bancas, amanhã entro em Motril para ir a petardos e depois de amanhã estarei em La Linea de la Concepción para ir a tudo: Bodeguiya, Cheminea, bancas, lastros para os petardos, mantimentos, lavandaria e sei lá que mais. Gibraltar marca a metade psicológica da viagem. Porém, talvez a verdadeira metade, a respeitar o provérbio chinês («metade de uma viagem de cem li não são cinquenta li; são noventa e cinco») seja o cabo de S. Vicente. Não tenho data: depende do vento no Estreito. Só quem navega no Mediterrâneo pode dar o devido valor à frase «viver dia a dia».

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Hoje lamenta-se o segundo aniversário do massacre em Israel. O anti-semitismo regressou em força e instalou-se no Ocidente. Não creio que regressar seja o verbo adequado. Nunca saiu. Escondeu-se debaixo do tapete e hoje agradece aos israelitas poder reaparecer. Viva la muerte! De todos os racismos é o mais abjecto, o que menos compreendo e aceito e lamento o tempo em que navegava sem internet. O mar continua lindo como sempre foi mas já não me filtra o mundo exterior.

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08-10-2025, duas e meia da manhã. A . e o B. dormem. Com uma tripulação destas até numa jangada com força 10 se estaria bem. Que contraste! Mas não estou numa jangada e o vento está a zeros. A água parece uma banheira de bebé, Oríon está pela popa - um bocadinho pálida por causa da Lua - na costa as luzes sucedem-se ininterruptas. Felizmente é noite e não se vê o branco das estufas. Já houve tempos em que reclamava contra a ausência de vento. Agora lembro-me de que prefiro um dia de calma podre no mar a um de badanal em terra.

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Passo por três navios de pesca - ou eles passam por mim - que vão pescar para o mesmo sítio e encho-me de compaixão pelos peixes que não têm a mais pequena chance de escapar.

5.10.25

Diário de Bordos - Port d'Andratx, Mallorca, Baleares, Espanha, 05-10-2025

Tal como sabia que ia acontecer, esta tripulação faz-me mudar de mundo. Penso com enlevo num comentário a um post meu que me acusava de não gostar de portugueses por ter sugerido - no segundo grau, claro, mas isso é coisa que a malta do bem não entende - que os israelitas dessem a Mortágua et al. ao Hamas. (Ou vendessem, acrescento agora.) Um senhor não gostou e perguntou-me se eu não gosto de portugueses. Disse-lhe que gosto tanto dos meus compatriotas como dos esquimós, pigmeus ou filipinos pela razão simples de que a nacionalidade das pessoas não as define. Os meus dois tripulantes não vêm de outro país, como por simplicismo se poderia pensar. Vêm de outra linhagem de pessoas. 

Ou seja: o compromisso paciência / tolerância está num ponto óptimo: não preciso nem de uma nem de outra.

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Não tarda largo. Três das mais bonitas palavras da língua portuguesa.

4.10.25

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 04-10-2025

E depois finalmente Palma abre-se e abre-me os braços e abraça-me e recebe-me. A M. não me cobra nada pelo quarto: "É só uma noite", o T. do Gustar faz-me mini-doses de cada uma das maravilhas que quero - salada de polvo, espetada de carne, tábua de queijos - tudo em porções de não deitar nada fora, tudo excelente,  estupendo. Daqui segue-se um visita ao Cláudio e uma pergunta: se eu vivesse aqui, isto seria assim?

Não creio. 

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Seria, claro. Sempre foi.

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No Claudio escolho uma "baunilha bourbon de Madagáscar". Já não preciso de lhe explicar que quero uma dose pequena - "metade de meia dose, Claudio", disse-lhe durante anos - mas ainda tenho de me bater para pagar. Pelo menos já chegámos a um acordo no preço: dois euros. Claudio aceita contrariado, eu pago aliviado. Se ele não me deixasse pagar, como durante muito tempo não deixou, teria de deixar de lá ir. Assim continuo a provar gelados ímpares, passem-me o lugar-comum. Ímpares é notoriamente insuficiente, mas que se lixe.

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Tenho de fazer horas para a chegada dos tripulantes, que ainda não sei aonde vão dormir. Venho ao Otaku beber um sake e pensar. Toda a gente sabe que um bom sake limpa os ínvios caminhos das sinapses. 

Diário de Bordos - Aeroporto de Palermo, Sicília, Itália, 04-10-2025

Cheguei ao aeroporto quatro horas antes do voo. Se não é um recorde anda lá perto. Esta noite não dormi nada e estou cheio de sono. Contento-me olhando para o mar. O aeroporto de Palermo fica à beira-mar e da cafetaria tenho uma vista soberba sobre o Mediterrâneo, ainda com alguns carneirinhos e azul, azul, azul. Azuis: são vários os tons até chegarem ao mais escuro, o do fundo, que tem um ferry a atravessá-lo e há bocadinho tinha um veleiro. Desapareceram os dois. Ficou o sono e o tinnitus. Devido ao cansaço, ao sono e à tensão explodiu e parece que tenho um enxame de abelhas bêbedas no ouvido. Gostaria de deitar-me e dormir mas não vi cadeiras vazias. Estão todas cheias e além disso têm aquelas divisórias para impedir as pessoas de se deitar. Tenho de esperar pelo avião para dormir. Três horas, agora. A culpa é de um bocado de rede no hélice e da maneira como a Inti Charters lida com o assunto: é uma fonte de rendimento. Tenho pena: não me importaria nada de trabalhar aqui no próximo Verão. A costa é linda e os portos porreiros. 

Depois é chegar a Palma, ir buscar as injecções e ala para Andratx. Fiquei depauperado, liso, teso. Pqap à Inti.

Estou a ver se consigo recuperar pelo menos uma parte, mas as probabilidades de o conseguir são as mesmas do que alguém oferecer-me um bocadinho da Lua.

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Bem podia aproveitar para rever o texto do Não Sei. Tenho tanta vontade disso como de ir para uma festa na Lua. Uma rave. Um party.

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A escala em Barcelona foi misericordiosamente curta e o voo para Palma está ainda mais piedosamente quase vazio. Com um bocadinho de sorte conseguirei dormir. Se não, não fará mal: quarenta minutos  passam tão depressa a voar como a dormir.

Continuo a não pensar demasiado na minha relação com os meus compatriotas. Começou mal, em mil novecentos e setenta e quatro. Odiava-os e desprezava-os, uma mistura bastante oximórica. Não se pode odiar quem se despreza, tal como não se pode amar. O desprezo é um apagador de sentimentos, é por assim dizer monopolista. Mas nesse tempo eu era jovem e nem sequer sabia o que é um oxímoro. Percebia mais de sentimentos, nos quais vivia mergulhado,  afundado, afogado.

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Chego a Palma mas desta vez não é Palma-la-calma que me recebe. É uma Palma zangada, furiosa, triste, ansiosa, frustrada. Mas quente, vá lá. Ao menos isso. E sem uma nuvem no céu (refugiaram-se todas dentro de mim...)

3.10.25

Diário de Bordos - Castellamare del Golfo, Sicília, Itália, 03-10-2025

Vim lavar roupa e a cem metros da lavandaria há uma pizzeria e eu perguntei se vendiam pizze pequenas e a miúda disse que não mas que tinham antipasti e eu decidi arriscar e pronto, desta vez ganhei a aposta. Pedi uma coisa que não conhecia e que a partir de agora vou pedir em tudo o que diga "pizzeria napoletana" só para ver se eles abrem os olhos e começam a incluir montenarine no menu (nada a ver com o senhor cujo nariz era um promontório). 

Não perguntem. Pesquisem no Google ou nessa coisada da IA (pela qual de resto me tomei de amores desde que resolveu a minha centenária guerra com a Garmin. Agora quando não consigo encontrar uma definição naquela maldita marca vou ao Google e a resposta sai-me em IA e em segundos tenho o MFD como quero). Bom. Voltemos à pizzeria Gusto: é soberba, frequentada por pessoas dos sete aos setenta e sete anos, barata e a miúda da caixa parece que saiu de um filme do Visconti.

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O charter não começou mal e acabou pessimamente (com a inegável excepção dos montenarine e da pizzeria Gusto, infelizmente insuficientes para apagar o que os precedeu. Ou seja: amanhã volto para Palma como de lá saí e isto só graças ao transporte do V. para Lisboa. A minha versão de "entra por uma orelha e sai por outra" é "Entra por um bolso e sai logo a seguir, pelo mesmo". Nada de perder tempo a procurar bolsos alternativos. 

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A perspectiva de reencontrar o B. e a A. C. a bordo do V. reconcilia-me com os meus compatriotas. Patriota e teso? Este sempre, aquele às vezes.

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Pequena nota para futuras referências: a Sicília é linda, come-se bem e as pessoas são adoráveis.

2.10.25

Diário de Bordos - San Vito del Capo, Sicília, Itália, 02-10-2025

Continuando: deve distinguir-se entre "o que me chateia" e "o que me prejudica". Seis pessoas à mesa de um restaurante com cinco agarradas ao telefone portátil chateia-me, mas não me prejudica em nada. É uma agressão estética, só. 

Que não deixa de ser revoltante.

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Desta viagem retenho, entre outras coisas, que os paquistaneses, bangladeshis et simili têm com certeza uma predisposição genética para a venda de bugigangas a turistas, tal como os chineses para a venda de bugigangas a toda a gente*. São aos montes, uns e outros.

* - Enfim, quase toda a gente.

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San Vito del Capo é uma vila turística sem ponta de interesse. Parece uma cidade americana com dois restaurantes em cada três portas. A terceira? Adivinharam.

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Amanhã regressamos a Castellamare del Golfo e sábado estou em Palma. Espero co ansiedade o regresso à normalidade. 

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O restaurantino Filia, "cucina tipica siciliana", em San Vito del Capo é bastante recomendável e por conseguinte recomendado.

Perímetros, compromissos

O tema não é novo, longe disso. Nem neste blogue nem noutro lado qualquer. Porém, merece voltar a ser mencionado porque evoluímos os dois, ele e eu. Trata-se do velho compromisso entre a tolerância e a paciência. Resultado sem dúvida do número de aniversários por que passo - não cessa de crescer - tenho cada vez mais de uma e menos da outra. Que cada um faça e seja o que quiser, desde que não me chateie. Infelizmente, o perímetro do "não me chateie" não pára de aumentar. Cada vez suporto menos a boçalidade, por exemplo. Note-se que não me passa pela cabeça mandar prender um boçal, impedi-lo de falar ou de mijar na rua. Só peço a quem organiza esta porcaria toda que ele não o faça ao pé de mim. Se uma mulher quer andar vestida na rua como uma "escort girl" (versão chique de puta, para quem não sabe) que ande. Tem todo o direito de o fazer. Não me peçam é que aprove, porque não aprovo. Aliás, penso que o lugar das putas é nos bordéis e não nas ruas. Ou seja: quem não o é e só as imita nem na rua deve andar, porque induz em erro. E se quiser andar que ande, mas longe de mim. É o tal perímetro. 

Claro que isto é discutível. Não me devia chatear porque um gajo querer mijar na rua ou uma mulher queque fingir que é puta. Afinal, não são meus filhos, irmãos ou cônjuge. E o que os outros pensam - de mim ou de quem está perto de mim - é-me totalmente indiferente. Contradições para as quais só Hildegarde von Bingen tem resposta. Refugio-me nos seus Cânticos do Êxtase enqanto bebo uma excelente cerveja siciliana e espero que a chuva passe para ir almoçar. 

Conclusão: a estética está a ocupar demasiado espaço no limitado espaço da minha mente.

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Releio isto e penso que a minha tolerância é infinita por uma razão simples: aprendi com o tempo a separar a parte do todo. A não tomar a parte pelo todo. A boçalidade, a vulgaridade, a avarície podem ser compensadas por qualidades que saltam menos à vista mas que estão lá, albergadas na mesma personalidade. É questão de se fazer com as pessoas o que se faz com a fruta: come-se a polpa e deita-se fora o caroço. A menos que esteja podre, claro. Aí vai toda fora.

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Intricado jogo de poder, este da paciência vs. tolerância. Alternam ao leme da barca que me serve de cérebro. Indiferente ao tamanho relativo de cada um a nave lá se vai governando como pode. 

1.10.25

Louvor da sinestesia e outras aparências

O sorbetto al limone que agora como na trattoria pizzeria Il Timone - de resto, um sítio que desaconselho, se por acaso vierem a San Vito del Capo - é igualzinho ao que Paolo Conte celebra na sua famosíssima canção, gelato al limone. Além disso, é bastante bom.