Há coisas que se pensam, mas não se dizem. Porque é que não as há que se dizem, mas não se pensam?
31.3.10
Levar a carta a Gama
A senhora está definitivamente de cabeça perdida, o que nem deixa de ser compreensível. E demonstra que anda com uns sapatos demasiado grandes para o seu pezinho.
[Se alguma vez eu imaginasse que seria possível dizer-se que a alguém falta nível para ser deputado diria imediatamente "estás a confundir «o parlamento» e «ideia de parlamento»".]
"Gama leu carta de Inês de Medeiros “na imprensa”"
[Se alguma vez eu imaginasse que seria possível dizer-se que a alguém falta nível para ser deputado diria imediatamente "estás a confundir «o parlamento» e «ideia de parlamento»".]
"Gama leu carta de Inês de Medeiros “na imprensa”"
Réussite
Separaram-se, não sei se ao fim de 15 dias, se de 15 anos. E cada um ficou pior do que estava antes de se conhecerem. Foi uma separação conseguida.
Mentiroso e incompetente
O senhor vereador é mentiroso e incompetente. O Príncipe Real não estava "podre". "Podres" estão outras coisas.
(Via Blog de Cheiros)
(Via Blog de Cheiros)
Estratégias, dor
As estratégias de minoração da dor são sempre vistas como agressivas; como se quando se abandona alguém ele não tivesse o direito de se defender. Mesmo que a defesa seja contra ele, e não quem provocou a dor.
Cenas da vida onírica
A mulher aproveitou o autocarro para desejar Boas Páscoas a todas as suas conhecidas - Donas Odetes, Laurindas et al. Fazia um banzé desgraçado, porque falava muito alto. A certa altura o chauffeur parou o carro e gritou lá da frente "Ó senhora, cale-se. Não vê que está a incomodar toda a gente?" mas a senhora continuou, impávida. Depois foi a vez dos outros passageiros. Uniram-se e começaram a cantar, ritmando bem as sílabas: "ca-le-se/ca-le-se/ca-le-se". Mas a senhora não se calava. "Ó Dona Berta, olhe veja lá o que me estão a fazer. Não me deixam falar. Está? Está? Está a ouvir?" Não, a Dona Berta não estava a ouvir. Tinha provavelmente desligado o telefone.
Os passageiros calaram-se, também; mas entretanto o condutor enganara-se no caminho e tentava fazer uma manobra de inversão de marcha numa rua bastante estreita. Ficámos ali tempos sem fim até o homem terminar a manobra, coisa que não conseguiu sem amolgadelas no autocarro e nas paredes das casas de um lado e outro da rua. Ninguém sabia se devia acusar a senhora se o senhor. Olhavam alternadamente para uma e para o outro (ela estava sentada no banco de trás) como espectadores num jogo de pingpong. Ou de ténis, vá lá.
No banco à minha frente uma adolescente deixava-se acariciar por um senhor de idade; ao meu lado uma senhora jovem puxava-me as mãos para as mamas e dizia "acaricie-as, foram feitas para si". O chauffeur transpirava em bica e dizia palavrões. Qualquer coisa a ver com os horários. Um colega passou no sentido contrário e levou o indicador à testa, para lhe dizer "és maluco". O "nosso" condutor - neste momento já tinha conquistado a simpatia da maioria de nós - fez-lhe um manguito, acompanhado por quase todos os passageiros. Já se tinham esquecido da senhora que desejava Boas Páscoas em voz muito alta.
Eu acariciava as mamas da que estava ao meu lado; e beijava-a. Era muito bonita, com cabelos sal e pimenta e um sorriso e um olhar jovens, vivos, frescos. É uma combinação à qual não resisto e perguntei-lhe "quer casar comigo?" "Não acha um bocadinho cedo?", respondeu. "Não". "Não sei" "De quanto tempo precisa para pensar?" "Não vou pensar nisso; a resposta chegará per si" "Muito bem; eu espero. Gosto de esperar". Beijava como olhava: com leveza, frescura, alegria.
O autocarro já estava no trajecto certo, e os passageiros precipitaram-se todos para a porta de saída. Eu deixei-me ficar. Era o único. Fui ter com o condutor e disse-lhe "leve-me ao escritório, por favor". "Onde é que é?" "Em Canary Wharf". "Onde é que isso fica?" Expliquei-lhe; ele fez que sim com um aceno de cabeça.
Gosto de dias que começam assim, bem.
Os passageiros calaram-se, também; mas entretanto o condutor enganara-se no caminho e tentava fazer uma manobra de inversão de marcha numa rua bastante estreita. Ficámos ali tempos sem fim até o homem terminar a manobra, coisa que não conseguiu sem amolgadelas no autocarro e nas paredes das casas de um lado e outro da rua. Ninguém sabia se devia acusar a senhora se o senhor. Olhavam alternadamente para uma e para o outro (ela estava sentada no banco de trás) como espectadores num jogo de pingpong. Ou de ténis, vá lá.
No banco à minha frente uma adolescente deixava-se acariciar por um senhor de idade; ao meu lado uma senhora jovem puxava-me as mãos para as mamas e dizia "acaricie-as, foram feitas para si". O chauffeur transpirava em bica e dizia palavrões. Qualquer coisa a ver com os horários. Um colega passou no sentido contrário e levou o indicador à testa, para lhe dizer "és maluco". O "nosso" condutor - neste momento já tinha conquistado a simpatia da maioria de nós - fez-lhe um manguito, acompanhado por quase todos os passageiros. Já se tinham esquecido da senhora que desejava Boas Páscoas em voz muito alta.
Eu acariciava as mamas da que estava ao meu lado; e beijava-a. Era muito bonita, com cabelos sal e pimenta e um sorriso e um olhar jovens, vivos, frescos. É uma combinação à qual não resisto e perguntei-lhe "quer casar comigo?" "Não acha um bocadinho cedo?", respondeu. "Não". "Não sei" "De quanto tempo precisa para pensar?" "Não vou pensar nisso; a resposta chegará per si" "Muito bem; eu espero. Gosto de esperar". Beijava como olhava: com leveza, frescura, alegria.
O autocarro já estava no trajecto certo, e os passageiros precipitaram-se todos para a porta de saída. Eu deixei-me ficar. Era o único. Fui ter com o condutor e disse-lhe "leve-me ao escritório, por favor". "Onde é que é?" "Em Canary Wharf". "Onde é que isso fica?" Expliquei-lhe; ele fez que sim com um aceno de cabeça.
Gosto de dias que começam assim, bem.
Desencontros
Alguns desencontros são mais reveladores do que muitas "uniões", "comunhões" e "alianças". E mais úteis, mais atempados.
Dilacerado
Ontem sobre-reagi a qualquer coisa que me disseram e vivi, por alguns longos instantes, no mundo de um dilacerado, um écorché. Não é um mundo agradável: é tudo a preto e branco. Prefiro o meu mundo habitual, feito de cinzentos de todas as cores.
Poder
Não há ninguém no mundo que ceda, voluntariamente, poder. O poder rouba-se, tira-se, puxa-se, conquista-se. Isto aplica-se a todas as instâncias do poder, em todas as áreas.
Fragilidades, fortalezas
Nada como uma briga para descobrir se alguém é forte ou fraco.É uma aposta. Provavelmente a única que se lamenta ganhar.
Momento
Há um momento no dia, e um só, em que dormir se impõe como uma evidência. Oxalá o sono se aperceba dele.
Poses
Não há nada de errado nas poses; antes pelo contrário, sobretudo quando correspondem à realidade. "Estou a leste de tudo isto", por exemplo. Ou seja: "sou eu, nada mais do que eu, e tudo o que eu pode e deve ser".
[Não há outra forma de se ser o que se é, se não estar a leste. Pior: só se é quando se está.]
O amor é um erro
Enganar-se, perceber mal qualquer coisa, interpretá-la erradamente, é um direito. Gostar de alguém apesar disso é amor.
Tratado de saber viver para uso das novas gerações
Nunca se deve dar a quem quer que seja uma oportunidade de se aperceber de que é amada e pode não corresponder.
Faltas-me
Não deve haver expressão mais completa no universo do que "Faltas-me". Excepto talvez "Sem ti não sou".
Fisga
Devia haver uma fisga para as palavras; como as catapultas nos porta-aviões. Se tivéssemos a certeza de que elas atingiriam o alvo, claro.
Águia
A história é simples, e portanto má: a águia nasceu depenada - o que é normal - mas cresceu assim também, o que o é menos, muito menos. A razão, veio a descobrir-se depois, é que o pai ouvia, enquanto a concebia, um disco de Charlie Parker, coisa que lhe cortou a fecundidade em dois. Isto foi testado cientificamente: Charlie Parker, etc..
A águia cresceu sem penas; só mais tarde os pais se aperceberam que mal sabia falar; grasnava, nos dias bons. Ou seja: não podia voar - sem penas ninguém voa, nem mesmo uma águia - e não podia falar: a grasnar ninguém se entende.
A águia cresceu sem penas; só mais tarde os pais se aperceberam que mal sabia falar; grasnava, nos dias bons. Ou seja: não podia voar - sem penas ninguém voa, nem mesmo uma águia - e não podia falar: a grasnar ninguém se entende.
30.3.10
Fragmento
"Não respondas. Não é preciso. Quando atiro um seixo à água não espero que mo devolva; se escrevo uma palavra numa folha de papel não preciso que ela me escreva outra na pele".
29.3.10
Cansado
Queria tanto estar cansado; cansado de vez. Sentar-me-ia no passeio da vida, baixaria os braços e esperaria que alguém se despistasse e me atropelasse.
Não tenho feitio para estar cansado, infelizmente. Nem para baixar os braços. Só para ser atropelado, mas isso não chega.
Não tenho feitio para estar cansado, infelizmente. Nem para baixar os braços. Só para ser atropelado, mas isso não chega.
Retratos potenciais; ou: Mata-borrão
Era uma espécie de mata-borrão do sofrimento. Sofria mesmo quando não precisava de sofrer, sofria por outrem para lhe aliviar a dor, sofria por vício, por altruísmo, por bondade pura. Sofria quando era abandonado por quem não amava, e sofria também quando abandonava quem queria desesperadamente amar e não conseguia. Fazia chorar as pedras da calçada, quando paravam de troçar.
Dormir
Bom bom seria dormir, claro. Mas a verdade é que o tempo acaba por escorregar (ou deslizar, se preferires) nestes momentos em que te sonho. Quase como se estivesse a dormir, contigo em mim.
Os caminhos, palavras, desejo
Fui comprar flores; mas não para oferecer. Ou melhor, sim: me. As flores encontram logo o caminho. São como o desejo: sabem imediatamente onde estão e para onde vão. Já as palavras. Até que encontrem o caminho certo é uma eternidade. Variável: às vezes é um minuto, outras anos, ou uma vida; mas é sempre uma eternidade.
As palavras, como formigas às voltas até encarreirarem. Deixo-as respirar. Acabam por encontrar-se, inevitavelmente. Como as flores, ou o desejo.
As palavras, como formigas às voltas até encarreirarem. Deixo-as respirar. Acabam por encontrar-se, inevitavelmente. Como as flores, ou o desejo.
Rios de música
Springsteen, Zappa, Joy Division: vão todos desaguar a Johnny Cash, com mais ou menos quedas de água pelo caminho.
Cama
A cama é o fim, não princípio. Ou melhor: o fim do princípio.
E o princípio do fim. Quanto mais tarde chegar melhor.
E o princípio do fim. Quanto mais tarde chegar melhor.
Algumas noções básicas de alpinismo
É melhor não conseguir subir ao Everest do que conseguir subir à serra de Sintra.
28.3.10
Escrever, ainda
Escrever é uma forma relativamente simples - mas dolorosa - de transformar a dor noutra coisa qualquer. Como vomitar, por exemplo.
São crimes, senhor, não "uma espécie de"
Se calhar é por causa do que o Governo está a fazer ao país, não? TGVs, Alcântaras, Ruis Pedro Soares, por causa das trapalhadas, confusões e histórias mal contadas.
"Ser um apoiante do governo actual é uma espécie de crime. Sirvo uma determinada narrativa e sou uma vítima dessa narrativa." João Galamba, in Pública de hoje.
"Ser um apoiante do governo actual é uma espécie de crime. Sirvo uma determinada narrativa e sou uma vítima dessa narrativa." João Galamba, in Pública de hoje.
26.3.10
Piano, dó
- É preciso muito cuidado, para não desafinar o piano.
- Um piano desafinado é melhor, porque não faz dó.
- Um piano desafinado é melhor, porque não faz dó.
Triângulo
Não mentir, não dizer a verdade e não usar o silêncio como mata-borrão. Há um ponto no interior deste triângulo cujo nome eu não conheço. Mas tem um.
i Num instante é uma pena
É. Nunca fui grande fan do jornal: era demasiado bom para ser um Público-de-se-ler-no-metro e demasiado mau para competir com o Público fora do metro. Mas continuo a ser um adepto da máxima que diz "mais vale ganhar do que perder, e perder do que não tentar". O esforço é bonito, sempre e em si.
Tratado de saber viver para uso das novas gerações
O tema de hoje é difícil: adultério. Trata-se de uma das situações mais complexas que um jovem casal deve enfrentar na sua vida; aparecerá mais tarde ou mais cedo (quanto a mim, mais cedo melhor). É um tema vasto, muito vasto, e portanto forçosamente incompleto em meia-dúzia de linhas. Como todos os grandes problemas, devemos dividi-lo em vários pequenos.
Comecemos por contextualizar: há um quadro geral no qual o adultério se inscreve - ou melhor, dois: o da esfera privada, e o da mentira. Quer queiremos quer não - e quantas vezes os jovens casais, coitados, desejariam que assim fosse - um casamento não anula a individualidade de cada um. O orgasmo é o acto mais egoísta, mais profunda, irremediável, perenemente egoísta da vida comum. Daqui se deduz que muitos orgasmos são um conjunto de muitos actos egoístas - e alguns desses cairão, é inevitável, fora do círculo do casamento.
Ou seja: cada um dos constituintes do jovem casal tem, e mantém, a sua privacidade. A qual, por definição, não se pode partilhar: cada um tem a sua.
A mentira é, por natureza intrínseca, exactamente o contrário: se não for partilhada não existe. O problema da mentira é mais complicado do que o da natureza indivisível do orgasmo. Porque se um casal não resiste à mentira, tão pouco (ou ainda menos) resiste à verdade.
O verdadeiro drama do adultério não é a mentira, mas a verdade. Um jovem casal (todos os casais) resiste à confluência de vários egoísmos; poucos resistem a uma só mentira; e menos ainda a várias verdades.
Resumindo: "não perguntes, não digas" deve ser a base, o quadro, a estratégia de qualquer casal que deseje, como "os pombos e os católicos" manter-se unido até que a morte o separe.
Um casal, queridos jovens, é uma adição, uma sobreposição - e não uma fusão - de personalidades e de verdades. Se "a verdade" entrar num casal mata-o; muito mais depressa do que a mentira, a "unidade", e essas coisas.
Comecemos por contextualizar: há um quadro geral no qual o adultério se inscreve - ou melhor, dois: o da esfera privada, e o da mentira. Quer queiremos quer não - e quantas vezes os jovens casais, coitados, desejariam que assim fosse - um casamento não anula a individualidade de cada um. O orgasmo é o acto mais egoísta, mais profunda, irremediável, perenemente egoísta da vida comum. Daqui se deduz que muitos orgasmos são um conjunto de muitos actos egoístas - e alguns desses cairão, é inevitável, fora do círculo do casamento.
Ou seja: cada um dos constituintes do jovem casal tem, e mantém, a sua privacidade. A qual, por definição, não se pode partilhar: cada um tem a sua.
A mentira é, por natureza intrínseca, exactamente o contrário: se não for partilhada não existe. O problema da mentira é mais complicado do que o da natureza indivisível do orgasmo. Porque se um casal não resiste à mentira, tão pouco (ou ainda menos) resiste à verdade.
O verdadeiro drama do adultério não é a mentira, mas a verdade. Um jovem casal (todos os casais) resiste à confluência de vários egoísmos; poucos resistem a uma só mentira; e menos ainda a várias verdades.
Resumindo: "não perguntes, não digas" deve ser a base, o quadro, a estratégia de qualquer casal que deseje, como "os pombos e os católicos" manter-se unido até que a morte o separe.
Um casal, queridos jovens, é uma adição, uma sobreposição - e não uma fusão - de personalidades e de verdades. Se "a verdade" entrar num casal mata-o; muito mais depressa do que a mentira, a "unidade", e essas coisas.
Cidades imperfeitas
As cidades deliciosamente imperfeitas são muito apreciadas pelas pessoas que vivem em cidades deliciosamente perfeitas.
Cadernos, masculinidade
Os cadernos Moleskine (os que agora uso, pequenos e de capa mole) são paneleiros. Os Clairefontaine de 96 páginas são para homens.
25.3.10
Lokua Kanza
Descobri isto hoje. Não sei que diga: tudo indicava que o dia começava, finalmente, a desagregar-se. Um bocadinho de luz antes do abismo.
Que c'est bon!
PS - a propósito de um debate interessante, ailleurs: "«On m’a reproché de ne plus être africain. On accepte qu’un Africain chante en petit-nègre, mais dès qu’il adopte un langage plus élaboré, on dit qu’il perd son âme. C’est une manipulation subtile qui nous ramène sans cesse aux fantasmes du Noir primitif.»" Lokua Kanza.
Que c'est bon!
PS - a propósito de um debate interessante, ailleurs: "«On m’a reproché de ne plus être africain. On accepte qu’un Africain chante en petit-nègre, mais dès qu’il adopte un langage plus élaboré, on dit qu’il perd son âme. C’est une manipulation subtile qui nous ramène sans cesse aux fantasmes du Noir primitif.»" Lokua Kanza.
Espera
Meia-dúzia de palavras esperam-me há horas. Não me largam. Desejo que se fartem de esperar e se vão embora. É tarde.
Educação - II
O centro de gravidade de uma família são os pais, não as crianças. Outra regra simples que me parece bastante desprezada nos dias que correm.
Educação
Educar uma criança consiste basicamente em ensinar-lhe que se pode ser feliz sem se ser um ditador. Melhor: que se é muito mais feliz não sendo um ditador.
Seen, but not heard
Hoje fui jantar a um restaurante (e não a uma pizzeria, ou um McDonalds) no qual uma criança de 5 ou 6 anos fazia uma barulheira ensurdecedora.
Eu não sei se fui educado por extraterrestres, ou se eu próprio fui um na educação que dei aos meus filhos; mas há princípios de base que me parece são completamente ignorados pela maioria dos pais portugueses. Coisas simples: crianças de 4 ou 5 anos não devem estar às onze da noite em restaurantes; há momentos em que as crianças não devem estar coladas aos pais; as crianças que por uma razão qualquer não podem cumprir as duas primeiras normas (ou não lhes é permitido cumpri-las) devem comportar-se bem - isto é: ser discretas, quase invisíveis e totalmente inaudíveis.
Não é pedir muito, mas é dar-lhes muito (às crianças, principais beneficiárias destas regras simples).
Eu não sei se fui educado por extraterrestres, ou se eu próprio fui um na educação que dei aos meus filhos; mas há princípios de base que me parece são completamente ignorados pela maioria dos pais portugueses. Coisas simples: crianças de 4 ou 5 anos não devem estar às onze da noite em restaurantes; há momentos em que as crianças não devem estar coladas aos pais; as crianças que por uma razão qualquer não podem cumprir as duas primeiras normas (ou não lhes é permitido cumpri-las) devem comportar-se bem - isto é: ser discretas, quase invisíveis e totalmente inaudíveis.
Não é pedir muito, mas é dar-lhes muito (às crianças, principais beneficiárias destas regras simples).
24.3.10
Amor, tempo
Um amor verdadeiro suporta bem as diacronias: amo-te pelo que foste ontem, pelo que serás amanhã.
Cioranesque
"La vieillesse, en définitive, n'est que la punition d'avoir vécu".
E. M. Cioran, in Ébauches du Vertige
Sim, excepção
«Sim!» não é o contrário de «Não!». É uma aberração, um desvio, uma mutação. Uma excepção.
Noite, dias
É noite. Pouca importa que haja um dia amanhã ou tenha havido outro ontem. A vida não é uma sucessão de dias: é uma sucessão de noites.
Não é a noite que separa os dias; são os dias que separam as noites.
Não é a noite que separa os dias; são os dias que separam as noites.
Whisky, misturas
Nick Cave mistura-se bem com whisky e um bocadinho de solidão, muito pouca. De resto, tudo se mistura com a solidão, muito pouca; se não não seria solidão. E com o whisky: não seria tudo.
23.3.10
Coming Home
Cheguei. Comprei flores, comi bacalhau, bebi "tintol", fui simpático com turistas. Não me lembrava de uma coisa; uma só. Não é muito importante.
A modernidade, os apoios psicológicos e as sarjetas
"Prestar apoio psicológico aos cidadãos está mesmo a tornar-se na principal vocação do Estado português: numa rua onde passo todos os dias está uma sarjeta partida há mais de quatro anos. A junta de freguesia dessa zona tem gabinetes de apoio psicológico, terapia familiar, mediação familiar, formação parental, animação cultural para combater o isolamento, apoio a vítimas de violência doméstica e de bullying. Arranjar sarjetas é que não está na sua vocação".
O problema, claro, é que as "juntas de freguesia" do país acham que ser moderno é fornecer apoio psicológico, etc., como vêem fazer nos outros países. O que não vêem é que nesses países, quando se começou a dar "apoio psicológico" já há muito não havia sarjetas por reparar.
O problema, claro, é que as "juntas de freguesia" do país acham que ser moderno é fornecer apoio psicológico, etc., como vêem fazer nos outros países. O que não vêem é que nesses países, quando se começou a dar "apoio psicológico" já há muito não havia sarjetas por reparar.
Troll
Abriram a jaula e o troll saiu. Ladra, morde, bufa a torto e a direito. O troll, coitado, tem um problema: o mundo está torto e contra ele; é preciso endireitá-lo e fazer-lhe ver que ele, troll, tem razão. Quem não está de acordo com otroll é mentiroso, faz parte de uma vasta conspiração de interesses ilegítimos. Quando não havia net o troll expunha as suas elaboradas e complexas teorias no café da esquina; agora age também nas caixas de comentários dos blogs. Felizmente: se não fosse ele, e pessoas como ele, o mundo estaria entregue a indivíduos sinistros. Com ele, troll, a verdade é reposta, a igreja volta para o meio da aldeia. O troll é um paladino da verdade, que brande como se fosse a moca a abrir cabeças infiéis.
O troll não sabe manter uma conversa; não sabe dialogar: quem não pensa como ele não está, necessariamente, de boa-fé, é mentiroso, ignorante e só pensa no seu próprio bem. O troll não: é o Omo do mundo; lava mais branco. Sabe tudo. Limpa todas as nódoas. É graças a ele que o país é o que é.
O troll não sabe manter uma conversa; não sabe dialogar: quem não pensa como ele não está, necessariamente, de boa-fé, é mentiroso, ignorante e só pensa no seu próprio bem. O troll não: é o Omo do mundo; lava mais branco. Sabe tudo. Limpa todas as nódoas. É graças a ele que o país é o que é.
22.3.10
Intervenção da deputada Ana Paula Vitorino sobre o Terminal de Contentores de Alcântara
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
O que está hoje aqui em causa é a opção:
- Entre a competitividade e a estagnação;
- Entre a seriedade e a demagogia política.
1º - Porquê a ampliação do TCA
A ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara e a sua transformação em deep-sea port é a resposta à necessidade de aumentar a competitividade do sistema portuário nacional, particularmente do Porto de Lisboa, potenciando o desenvolvimento económico e criando emprego no País e na Região. Não ampliar o TCA é optar pela estagnação de uma infra-estrutura que gera 140.000 postos de trabalho e representa cerca de 2% do PIB Nacional e 5% do PIB da Região de Lisboa eVale do Tejo. E nos portos estagnação quer dizer definhamento e isto quer dizer desemprego. Numa altura de crise, mas em que o movimento portuário de contentores a nível nacional já teve nos primeiros meses de 2010 uma recuperação homóloga de mais de 20%, estaríamos a apostar na anulação do Porto de Lisboa, que apresentou, em 2009, um comportamento mais favorável do que Barcelona, Bilbao e Vigo.
2º - Porquê esta solução contratual
É uma solução que se baseia maioritariamente no investimento privado, aliviando o esforço de investimento do Estado. 227 milhões de euros de investimento privado. É uma solução legal, como o demonstra os pareceres do Instituto Portuário e do Transporte Marítimo e da APL, que o Tribunal de Contas não põe em causa.
É a solução que melhor defende o interesse público, como demonstra o estudo realizado para a APL por uma entidade independente do Estado. É aquela a que corresponde um maior Valor Acrescentado Líquido para o Estado. É uma solução que respeita o enquadramento comunitário e a política definida para o sector. As propostas do PCP e do PEV, por exemplo, subvertem e contrariam toda a política portuária consolidada nos últimos anos em Portugal, no resto da Europa e no Mundo. O TCA gerido por administração directa da APL, provocando uma ruptura contratual quer com clientes quer com trabalhadores, teria aqui o prenúncio da sua morte.
3º - Deixemo-nos de demagogias e mentiras
O que está em causa não é só tornar maior o terminal, é dar-lhe condições para receber os navios mais modernos, de muito maior capacidade, e para isso é preciso mais frente de cais, águas mais profundas e maior eficiência da estiva. E não vale a pena andarmos com contas subvertidas sobre capacidades instaladas ou disponíveis. Lembremo-nos do que aconteceu em 2003, em que após um pico no tráfego se seguiu uma acentuada quebra devido ao congestionamento do terminal, seguido do anúncio da sua desactivação, tal como é relatado em notícias da época.
Mas será que os Senhores Deputados, daquilo que vêm na comunicação social, só retêm aquilo que lhes dá jeito? Se assim não fosse saberiam que a Câmara Municipal de Lisboa, com uma postura exigente mas racional, conseguiu um acordo com a APL e Liscont que permitiu optimizar a dimensão e volume do terminal, salvaguardando as vistas, como aliás vem agora ser proposto pelo CDS, mas, mais do que isso, diminuindo a área de contentores junto à Gare Marítima de Alcântara e destinando-a à fruição dos cidadãos e reduzindo os impactes sobre a circulação viária na área envolvente. Abertura e espírito de negociação ao serviço dos cidadãos, encontrando um ponto de equilíbrio entre qualidade de vida e desenvolvimento económico e emprego.
Não vale a pena V.Exas virem agora propor o que já está vertido em acordo escrito celebrado entre as partes! Mas V.Exas poderiam também ler o contraditório apresentado pelo Senhor Ministro de Estado e das Finanças e pelo então Ministro das Obras Públicas. Então saberiam que não é verdade o que se diz sobre os montantes do investimento e a repartição entre público e privado. O investimento total é de 345 milhões de euros, sendo 227 milhões a componente privada, isto é, 66 % do total. Os 405 milhões de investimento total que têm vindo a ser referidos incluem 60 milhões referentes à ligação directa entre a linha de cintura ferroviária e a linha de Cascais, que vai beneficiar mais de meio milhão de pessoas e que nada tem que ver com o terminal, permitindo, por exemplo, a ligação directa de Cascais ou Oeiras ao Novo Aeroporto de Lisboa ou ao Norte do País. Saberiam que a repartição de riscos de mercado inclui um upside de 80% favorável à APL e que a matriz de riscos não foi globalmente alterada, e que, para além disso, a APL não garante os lucros da concessionária. Mas peço a atenção de V.Exas para o seguinte texto:
“Tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que, no processo acima identificado, por não se evidenciarem infracções ou irregularidades financeiras ou outras que importe conhecer, no âmbito das atribuições deste Tribunal, entendeu o Ministério Público não desencadear qualquer procedimento jurisdicional.”
Este é o texto do ofício do Tribunal de Contas, sobre a Auditoria ao TCA, dirigido ao então Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, no dia 13 de Outubro de 2009, no dia seguinte ao último dos três actos eleitorais que decorreram no ano passado, que peço à Mesa que mande distribuir pelas outras bancadas.
Tudo o resto são opiniões!
4º - Consequências gravosas
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados; Aprovar, nesta Assembleia, as propostas dos partidos da oposição, legislando sobre um projecto em concreto, seria dar sinais gravíssimos ao mercado e à sociedade: No contrato do TCA provocaria pesados prejuízos para o Estado, para a Cidade de Lisboa, para os trabalhadores e para o concessionário. Pagar-se-iam indemnizações e perder-se-iam empregos, competitividade, ligações ferroviárias modernas e a ligação da Cidade ao rio.
Mas a oposição também seria responsável pela generalização da instabilidade contratual com o Estado, aumentando o risco e o custo dos contratos para os contribuintes e a precariedade do emprego. A partir de agora ninguém saberia quanto tempo iria durar o seu contrato com o Estado, independentemente do documento legal que tivesse na mão. Estes projectos da oposição, de consequências gravosas para o interesse público, são uma manifestação inaceitável da ideia de “Governo de Assembleia”, ao pretender legislar sobre um contrato em concreto violando grosseiramente a Constituição e o princípio da separação de poderes. Estamos sempre disponíveis para analisar o mérito e a forma de execução dos contratos celebrados pelo Estado, mas dizemos não a estes projectos demagógicos e irresponsáveis.
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Cópia (ligeiramente editada) do comentário que deixei no Jugular e no Cidadania Lx:
Tenho Ana Paula Vitorino em melhor conta do que Mário Lino (suponho que não sou o único) e não ponho em causa a honestidade e as boas intenções da senhora.
Penso, contudo, que antes (ou depois) de dizer que
"A ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara e a sua transformação em deep-sea port é a resposta à necessidade de aumentar a competitividade do sistema portuário nacional, particularmente do Porto de Lisboa, potenciando o desenvolvimento económico e criando emprego no País e na Região"
devia ser explicado:
a) de onde vem, em que se baseia essa necessidade - com números;
b) se a ampliação do terminal é a única forma de "potenciar o desenvolvimento económico e criar emprego";
c) porque é que o sistema portuário nacional não inclui, por exemplo, Sines; e
d) porque é que Alcântara é o único local possível no estuário do Tejo.
Seria também interessante sabermos pormenores do estudo "realizado por uma entidade independente do Estado".
Além disso, dizer que revogar agora o contrato é incorrer em custos é prova de um desprezo sem fim pelas pessoas - já havia uma contestação significativa ao projecto quando o Governo assinou o contrato com a Liscont.
Este Governo, que já tem o aeroporto da Ota como antecedente devia demonstrar a bondade das opções que toma - cujo impacto (se for, como penso que é, negativo) não será decerto assumido pela senhora Ana Paula Vitorino, mas sim pelos portugueses. Ela (por quem tenho, reitero, imenso respeito) estará em breve com um confortável lugar na Administração de uma qualquer Mota-Engil, ou Fundação. Nós, e os nossos filhos continuaremos com salários mínimos de 400 euros por mês. E a afastar-nos da Europa - apesar do "comportamento mais favorável do que Barcelona, Bilbao e Vigo." Lembro que Barcelona utilizou as velhas instalações portuárias para a náutica de recreio - talvez o que perdeu de um lado tenha ganho de outro.
As políticas que temos seguido até agora não têm servido o país - não me refiro só às do Governo PS, que são apenas quantitativamente piores do que as dos outros, não qualitativamente.
Gostaria de estar enganado; gostaria que me demonstrassem por A + B que a ampliação do TCA é a melhor solução a nível nacional. Este discurso, por muito bonito que seja, não o faz.
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A primeira frase do post seguinte [anterior] veio mesmo a propósito: "somos um país que tem um governo, não o contrário".
O que está hoje aqui em causa é a opção:
- Entre a competitividade e a estagnação;
- Entre a seriedade e a demagogia política.
1º - Porquê a ampliação do TCA
A ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara e a sua transformação em deep-sea port é a resposta à necessidade de aumentar a competitividade do sistema portuário nacional, particularmente do Porto de Lisboa, potenciando o desenvolvimento económico e criando emprego no País e na Região. Não ampliar o TCA é optar pela estagnação de uma infra-estrutura que gera 140.000 postos de trabalho e representa cerca de 2% do PIB Nacional e 5% do PIB da Região de Lisboa eVale do Tejo. E nos portos estagnação quer dizer definhamento e isto quer dizer desemprego. Numa altura de crise, mas em que o movimento portuário de contentores a nível nacional já teve nos primeiros meses de 2010 uma recuperação homóloga de mais de 20%, estaríamos a apostar na anulação do Porto de Lisboa, que apresentou, em 2009, um comportamento mais favorável do que Barcelona, Bilbao e Vigo.
2º - Porquê esta solução contratual
É uma solução que se baseia maioritariamente no investimento privado, aliviando o esforço de investimento do Estado. 227 milhões de euros de investimento privado. É uma solução legal, como o demonstra os pareceres do Instituto Portuário e do Transporte Marítimo e da APL, que o Tribunal de Contas não põe em causa.
É a solução que melhor defende o interesse público, como demonstra o estudo realizado para a APL por uma entidade independente do Estado. É aquela a que corresponde um maior Valor Acrescentado Líquido para o Estado. É uma solução que respeita o enquadramento comunitário e a política definida para o sector. As propostas do PCP e do PEV, por exemplo, subvertem e contrariam toda a política portuária consolidada nos últimos anos em Portugal, no resto da Europa e no Mundo. O TCA gerido por administração directa da APL, provocando uma ruptura contratual quer com clientes quer com trabalhadores, teria aqui o prenúncio da sua morte.
3º - Deixemo-nos de demagogias e mentiras
O que está em causa não é só tornar maior o terminal, é dar-lhe condições para receber os navios mais modernos, de muito maior capacidade, e para isso é preciso mais frente de cais, águas mais profundas e maior eficiência da estiva. E não vale a pena andarmos com contas subvertidas sobre capacidades instaladas ou disponíveis. Lembremo-nos do que aconteceu em 2003, em que após um pico no tráfego se seguiu uma acentuada quebra devido ao congestionamento do terminal, seguido do anúncio da sua desactivação, tal como é relatado em notícias da época.
Mas será que os Senhores Deputados, daquilo que vêm na comunicação social, só retêm aquilo que lhes dá jeito? Se assim não fosse saberiam que a Câmara Municipal de Lisboa, com uma postura exigente mas racional, conseguiu um acordo com a APL e Liscont que permitiu optimizar a dimensão e volume do terminal, salvaguardando as vistas, como aliás vem agora ser proposto pelo CDS, mas, mais do que isso, diminuindo a área de contentores junto à Gare Marítima de Alcântara e destinando-a à fruição dos cidadãos e reduzindo os impactes sobre a circulação viária na área envolvente. Abertura e espírito de negociação ao serviço dos cidadãos, encontrando um ponto de equilíbrio entre qualidade de vida e desenvolvimento económico e emprego.
Não vale a pena V.Exas virem agora propor o que já está vertido em acordo escrito celebrado entre as partes! Mas V.Exas poderiam também ler o contraditório apresentado pelo Senhor Ministro de Estado e das Finanças e pelo então Ministro das Obras Públicas. Então saberiam que não é verdade o que se diz sobre os montantes do investimento e a repartição entre público e privado. O investimento total é de 345 milhões de euros, sendo 227 milhões a componente privada, isto é, 66 % do total. Os 405 milhões de investimento total que têm vindo a ser referidos incluem 60 milhões referentes à ligação directa entre a linha de cintura ferroviária e a linha de Cascais, que vai beneficiar mais de meio milhão de pessoas e que nada tem que ver com o terminal, permitindo, por exemplo, a ligação directa de Cascais ou Oeiras ao Novo Aeroporto de Lisboa ou ao Norte do País. Saberiam que a repartição de riscos de mercado inclui um upside de 80% favorável à APL e que a matriz de riscos não foi globalmente alterada, e que, para além disso, a APL não garante os lucros da concessionária. Mas peço a atenção de V.Exas para o seguinte texto:
“Tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que, no processo acima identificado, por não se evidenciarem infracções ou irregularidades financeiras ou outras que importe conhecer, no âmbito das atribuições deste Tribunal, entendeu o Ministério Público não desencadear qualquer procedimento jurisdicional.”
Este é o texto do ofício do Tribunal de Contas, sobre a Auditoria ao TCA, dirigido ao então Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, no dia 13 de Outubro de 2009, no dia seguinte ao último dos três actos eleitorais que decorreram no ano passado, que peço à Mesa que mande distribuir pelas outras bancadas.
Tudo o resto são opiniões!
4º - Consequências gravosas
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados; Aprovar, nesta Assembleia, as propostas dos partidos da oposição, legislando sobre um projecto em concreto, seria dar sinais gravíssimos ao mercado e à sociedade: No contrato do TCA provocaria pesados prejuízos para o Estado, para a Cidade de Lisboa, para os trabalhadores e para o concessionário. Pagar-se-iam indemnizações e perder-se-iam empregos, competitividade, ligações ferroviárias modernas e a ligação da Cidade ao rio.
Mas a oposição também seria responsável pela generalização da instabilidade contratual com o Estado, aumentando o risco e o custo dos contratos para os contribuintes e a precariedade do emprego. A partir de agora ninguém saberia quanto tempo iria durar o seu contrato com o Estado, independentemente do documento legal que tivesse na mão. Estes projectos da oposição, de consequências gravosas para o interesse público, são uma manifestação inaceitável da ideia de “Governo de Assembleia”, ao pretender legislar sobre um contrato em concreto violando grosseiramente a Constituição e o princípio da separação de poderes. Estamos sempre disponíveis para analisar o mérito e a forma de execução dos contratos celebrados pelo Estado, mas dizemos não a estes projectos demagógicos e irresponsáveis.
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Cópia (ligeiramente editada) do comentário que deixei no Jugular e no Cidadania Lx:
Tenho Ana Paula Vitorino em melhor conta do que Mário Lino (suponho que não sou o único) e não ponho em causa a honestidade e as boas intenções da senhora.
Penso, contudo, que antes (ou depois) de dizer que
"A ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara e a sua transformação em deep-sea port é a resposta à necessidade de aumentar a competitividade do sistema portuário nacional, particularmente do Porto de Lisboa, potenciando o desenvolvimento económico e criando emprego no País e na Região"
devia ser explicado:
a) de onde vem, em que se baseia essa necessidade - com números;
b) se a ampliação do terminal é a única forma de "potenciar o desenvolvimento económico e criar emprego";
c) porque é que o sistema portuário nacional não inclui, por exemplo, Sines; e
d) porque é que Alcântara é o único local possível no estuário do Tejo.
Seria também interessante sabermos pormenores do estudo "realizado por uma entidade independente do Estado".
Além disso, dizer que revogar agora o contrato é incorrer em custos é prova de um desprezo sem fim pelas pessoas - já havia uma contestação significativa ao projecto quando o Governo assinou o contrato com a Liscont.
Este Governo, que já tem o aeroporto da Ota como antecedente devia demonstrar a bondade das opções que toma - cujo impacto (se for, como penso que é, negativo) não será decerto assumido pela senhora Ana Paula Vitorino, mas sim pelos portugueses. Ela (por quem tenho, reitero, imenso respeito) estará em breve com um confortável lugar na Administração de uma qualquer Mota-Engil, ou Fundação. Nós, e os nossos filhos continuaremos com salários mínimos de 400 euros por mês. E a afastar-nos da Europa - apesar do "comportamento mais favorável do que Barcelona, Bilbao e Vigo." Lembro que Barcelona utilizou as velhas instalações portuárias para a náutica de recreio - talvez o que perdeu de um lado tenha ganho de outro.
As políticas que temos seguido até agora não têm servido o país - não me refiro só às do Governo PS, que são apenas quantitativamente piores do que as dos outros, não qualitativamente.
Gostaria de estar enganado; gostaria que me demonstrassem por A + B que a ampliação do TCA é a melhor solução a nível nacional. Este discurso, por muito bonito que seja, não o faz.
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A primeira frase do post seguinte [anterior] veio mesmo a propósito: "somos um país que tem um governo, não o contrário".
Reagan
"Somos um país que tem um governo, e não ao contrário.
... Mas se ninguém entre nós é capaz de se governar, então quem entre nós é capaz de governar os outros?"
(Do 31 da Armada)
... Mas se ninguém entre nós é capaz de se governar, então quem entre nós é capaz de governar os outros?"
(Do 31 da Armada)
"Lágrimas de crocodilo"
"A direita sempre disse outra coisa: menos gastos públicos, nada de grandes obras, menos impostos, menos e melhor Estado, apoio às pequenas empresas, investimento de proximidade, poupança.
Foi a esquerda a promotora da estagnação, em vez da estabilidade; vem da esquerda a pobreza, em vez do crescimento. Quando a ouvirem chorar, chamem-lhe mentirosa e hipócrita. E passem uma factura pesada."
A ler todo, aqui.
Foi a esquerda a promotora da estagnação, em vez da estabilidade; vem da esquerda a pobreza, em vez do crescimento. Quando a ouvirem chorar, chamem-lhe mentirosa e hipócrita. E passem uma factura pesada."
A ler todo, aqui.
Tristezas, razões
A grande vantagem da tristeza cuja razão conhecemos é que, uma vez removida essa razão, ela desvanece-se. Ou então é substituída por uma tristeza sem razão, e aí a vantagem desaparece.
PSDesgraça
Pedro Pinto representa Pedro Passos Coelho. Qualquer resto de qualquer minúscula fracção de dúvida cuja sombra pudesse ainda assombrar-me fica aqui desfeita. Que Pedro Pinto seja membro de um partido nada a dizer; o partido não pode escolher os seus membros. Que um candidato a dirigente o escolha diz tudo.
Modas e menos modas
A moda actual na Europa é os ricos fingirem que são pobres. Compreende-se: o old money (ou o que dele resta) tem de se distinguir do novo.
O que já não percebo muito bem - e temo não seja uma moda - é porque diabo os ricos têm de passar por malcriados. Enfim, provavelmente porque o são; o que não deixa de ser lamentável.
O que já não percebo muito bem - e temo não seja uma moda - é porque diabo os ricos têm de passar por malcriados. Enfim, provavelmente porque o são; o que não deixa de ser lamentável.
Ouvido no tram
"Eu sei o que se vai passar logo", diz uma voz feminina mesmo atrás de mim. "Vou perguntar-lhe Queres dormir em minha casa? Ele vai responder que não. Je m'en fous. Se não for ele é outro qualquer".
À saída voltei-me, para a ver. "Não terás dificuldade em encontrar outro qualquer", pensei. "Desde que não seja eu".
À saída voltei-me, para a ver. "Não terás dificuldade em encontrar outro qualquer", pensei. "Desde que não seja eu".
21.3.10
Desabafo
Não sei se é verdade se a história é apócrifa, mas o meu Pai contava-me que quando José Manuel de Mello se casou com a filha de Alfredo da Silva este disse ao genro (no dia do casamento): "Você vai casar-se com a minha filha, e vai herdar uma grande empresa. Tudo o que lhe peço é: foda-me a filha, mas não me foda a empresa". Às vezes apetece-me dizer a mesma coisa, mutatis mutandi, a José Sócrates: "foda quem quiser, mas não foda o país". Não serviria de nada, claro: o homem está apostado, para sua maior glória, em dar cabo do país em geral e de Lisboa em particular.
Mas seria um desabafo.
«Director do Museu de Arqueologia admite evolução para “situação de ruptura”»
Mas seria um desabafo.
«Director do Museu de Arqueologia admite evolução para “situação de ruptura”»
Redifusão direcionada
O futebol é um jogo de selvagens e de bárbaros, jogado por idiotas que ganham rios de dinheiro e gerido por malfeitores. O dramático é que Portugal está a transformar-se num enorme estádio de futebol.
A falta de vergonha dos deputados, que querem poder faltar ao seu trabalho para ir assistir ao jogos, é escandalosa; e pior ainda é que os imbecis que votam nesse deputados provavelmente aprovam totalmente, e só lamentam não poder ir eles também assistir, com faltas justificadas e transportes pagos pelo patrão.
Hoje vinha no comboio e entraram centenas de brutos a manifestarem ruidosamente a vitória de um clube de futebol chamado Benfica, num desafio qualquer; agora, o barulho das buzinas nas ruas é insuportável. E toda a gente acha isto normal. É inquietante. Disgrace, mais uma.
PS - eu sei perfeitamente quem é o Benfica: é o clube do Eusébio e do Vale e Azevedo. E sei que o Sporting é verde e o Porto azul; e que o presidente do Porto se chama Pinto da Costa. Não é muito, mas já é demais.
A falta de vergonha dos deputados, que querem poder faltar ao seu trabalho para ir assistir ao jogos, é escandalosa; e pior ainda é que os imbecis que votam nesse deputados provavelmente aprovam totalmente, e só lamentam não poder ir eles também assistir, com faltas justificadas e transportes pagos pelo patrão.
Hoje vinha no comboio e entraram centenas de brutos a manifestarem ruidosamente a vitória de um clube de futebol chamado Benfica, num desafio qualquer; agora, o barulho das buzinas nas ruas é insuportável. E toda a gente acha isto normal. É inquietante. Disgrace, mais uma.
PS - eu sei perfeitamente quem é o Benfica: é o clube do Eusébio e do Vale e Azevedo. E sei que o Sporting é verde e o Porto azul; e que o presidente do Porto se chama Pinto da Costa. Não é muito, mas já é demais.
Redifusão - 6
"Mais l’air du printemps est une chose souple et tendre.
Les pores s’ouvrent, tout l’espace entre
en nous et nous nous répandons délicieusement en lui".
Charles Baudouin
Les pores s’ouvrent, tout l’espace entre
en nous et nous nous répandons délicieusement en lui".
Charles Baudouin
Devagar, essência
Há coisas que gosto de fazer devagar. Uma delas é a cozinha. Fritar separada (e lentamente) cada ingrediente de uma tortilha improvisada; assar carne no forno a baixas temperaturas; um chili con carne que ficou 5 horas ao lume a beber cerveja (ele e eu). Talvez seja uma ilusão, mas acredito que assim chego à essência das coisas. E cozinhar é isso, não é: ir à essência das coisas?
Também em fotografia sempre preferi os filmes lentos (passada a inevitável fase do Tri-X, claro): Kodachrome 25, o meu filme do coração; Agfa Scala 200, raramente usado a mais de 100 ASA; o Ilford Pan F Plus, de que não sou na verdade grande fan, mas nos últimos tempos era a coisa mais fácil de encontrar.
(Excepto à vela, claro. Mas isso é outra história).
Também em fotografia sempre preferi os filmes lentos (passada a inevitável fase do Tri-X, claro): Kodachrome 25, o meu filme do coração; Agfa Scala 200, raramente usado a mais de 100 ASA; o Ilford Pan F Plus, de que não sou na verdade grande fan, mas nos últimos tempos era a coisa mais fácil de encontrar.
(Excepto à vela, claro. Mas isso é outra história).
48 dias, 7 horas, 44 minutos e 52 segundos
48 dias, 7 horas, 44 minutos e 52 segundos. 18,76 nós de média (sobre o trajecto ideal, não o real). 18,76 nós de média, à vela, durante 48 dias, 7 horas, 44 minutos e 52 segundos. Há seis anos Peter Blake fazia a mesma coisa à média de 12 nós. Será que daqui a seis anos a média será de 24'? O Hydroptère estará operacional? Se isto não é vertiginoso não sei o que o será.
[Um gajo levanta-se a pensar em Marx, Nietzsche, Freud, Malraux, séc. XX, merdas assim e ooops, a volta ao mundo de Franck Cammas acabou. "Ontem" estava a 2,000 milhas da chegada].
48d 7h 44' 52".
[Um gajo levanta-se a pensar em Marx, Nietzsche, Freud, Malraux, séc. XX, merdas assim e ooops, a volta ao mundo de Franck Cammas acabou. "Ontem" estava a 2,000 milhas da chegada].
48d 7h 44' 52".
20.3.10
Correcção (private post)
"Love consists in overestimating the differences between one woman and another" George Bernard Shaw.
Aqui.
Aqui.
Ícaro
Acho irritante o hábito de referir a Igreja Católica por ICAR: bem sei que é uma forma de desvalorização como outro qualquer. Mas podiam arranjar um acrónimo mais negativo.
Olé
Cada vez que oiço, ou me lembro de, pessoas dizerem que os americanos são uns imbecis incultos et coetera penso nos TED Talks (já devo ter dito isto algumas duzentas vezes. Não faz mal).
Vejam este:
O dia seguinte
Catherine veste uma T-shirt que diz, nas costas: "Dogs are pets. Labradors are family". Ontem mostrou-me o quarto: 8 - 10 metros de chão quadrados cobertos de taças, e uma parede de rosáceas (não sei se é assim que se diz). "Aquela" - aponta para uma taça grande, que sobressai de entre as outras todas - "é do campeonato da Europa. Fomos nós que ganhámos". Depois acrescenta "bem, é preciso dizer que tenho 5 cães [na realidade tem oito; refere-se apenas aos que concorrem], portanto tenho mais chances de ganhar". Um suíço é incapaz de dizer "ganhei porque sou o melhor"; tem que encontrar razões que atenuem a sua vitória - para a qual se esforçou com uma tenacidade incomparável. Fiquei a saber que os portugueses são temíveis em Labrador. Já os ingleses não: "ou são bons, ou são bonitos; e para ganhar é preciso ser bom e bonito". Em francês a aliteração soa melhor: "pour gagner il faut être beau et bon".
Não sou grande fanático de cães, ou gatos; a maior parte das pessoas que o é implica-me gentilmente com os nervos, tão frágeis, coitados. Catherine não: não há a mais pequena afectação no que diz ou faz. Quando se ausenta o marido não sabe lidar com os cães, e ela explica-lhe por telefone o que deve fazer (devem estar casados há mais de 40 anos).
A casa tem trezentos anos e pertence à família desde 1830. Está no equivalente genebrino de uma mistura de Lapa, Cascais e Restelo. Tem uma vista sublime para o lago e para o Jura, mesmo em frente, ainda coberto de neve. Por dentro é uma confusão indescritível: para além dos cães Catherine tem (ou trata de) cavalos; os móveis (nenhum deles deve ser mais recente do que a casa) estão todos roídos, cobertos de pelos; os livros acumulam-se por tudo quanto é sítio, à mistura com selas (vi uma mexicana, lindíssima), cobertores, tapetes para os cães dormirem, fax, facturas, papéis, utensílios de cozinha, blocos-nota, garrafas de vinho. Seria incapaz de passar mais de meia-hora naquela confusão. Felizmente só tinha de a atravessar para ir buscar as coisas que devem ir para o andar de cima, onde foi a festa.
A festa foi ontem. Vi gente que não via há anos. Vim-me embora à francesa (em francês diz-se "à l'anglaise") ao fim de meia-hora. Fui para Carouge beber copos. Terça-feira vou-me embora.
Não sou grande fanático de cães, ou gatos; a maior parte das pessoas que o é implica-me gentilmente com os nervos, tão frágeis, coitados. Catherine não: não há a mais pequena afectação no que diz ou faz. Quando se ausenta o marido não sabe lidar com os cães, e ela explica-lhe por telefone o que deve fazer (devem estar casados há mais de 40 anos).
A casa tem trezentos anos e pertence à família desde 1830. Está no equivalente genebrino de uma mistura de Lapa, Cascais e Restelo. Tem uma vista sublime para o lago e para o Jura, mesmo em frente, ainda coberto de neve. Por dentro é uma confusão indescritível: para além dos cães Catherine tem (ou trata de) cavalos; os móveis (nenhum deles deve ser mais recente do que a casa) estão todos roídos, cobertos de pelos; os livros acumulam-se por tudo quanto é sítio, à mistura com selas (vi uma mexicana, lindíssima), cobertores, tapetes para os cães dormirem, fax, facturas, papéis, utensílios de cozinha, blocos-nota, garrafas de vinho. Seria incapaz de passar mais de meia-hora naquela confusão. Felizmente só tinha de a atravessar para ir buscar as coisas que devem ir para o andar de cima, onde foi a festa.
A festa foi ontem. Vi gente que não via há anos. Vim-me embora à francesa (em francês diz-se "à l'anglaise") ao fim de meia-hora. Fui para Carouge beber copos. Terça-feira vou-me embora.
Passado
Não gosto do passado. Mas gosto das coisas que lá começaram. Não tem nada a ver com o passado; é simplesmente que um presente que vem de ontem é melhor do que um presente só de hoje.
19.3.10
Uma espera difícil
Enquanto uma alma caridosa não manda "As Time Goes By" para o Youtube:
En attendant:
En attendant:
18.3.10
Redifusão - 5
Todos os túneis têm um fim. Mas porque raio todos os fins precisam de um túnel?
[De 22/03/2007]
PS - as minhas desculpas por estas redifusões todas. Mas às vezes vêm tão a propósito. E é uma ideia antiga (não sei porque é que o facto de ser antiga a valida).
[De 22/03/2007]
PS - as minhas desculpas por estas redifusões todas. Mas às vezes vêm tão a propósito. E é uma ideia antiga (não sei porque é que o facto de ser antiga a valida).
Diana
Na cidade há um cabaret chamado Moulin Rose. O nome diz tudo. A única mulher que lá entra é Diana, uma polaca de cabelos quase brancos de tão claros e alta como uma queda de água. Tem olhos verdes, e faz amor com a seriedade que os eslavos põem em tudo o que fazem. Como se o mundo não suportasse uma gargalhada; ou um sorriso transformasse qualquer acto numa palhaçada.
Diana é grande, e os seios em proporção. Começa por me acariciar com os bicos deles, apoiada nas mãos e nos joelhos; da cabeça vai descendo metódica, lenta, meticulosamente. Quando chega àquilo a que ela chama "o submarino" já ele, "o submarino", está em posição de imersão, urgente. "O submarino vai mergulhar no meio dos icebergs" - envolve-o com aquelas duas magníficas meias-luas alvas que de iceberg só têm a cor. Depois continua até ter "o submarino" na boca.
Sempre séria, sem o mais pequeno sorriso. Às vezes parece-me que há uma placa de vidro entre nós, quando fazemos amor; não fosse a enorme ternura que põe em cada gesto, em cada acto, eu pensaria que ela se estava a aborrecer. Até que o momento de “pôr o submarino na base” chega e ela me diz "empurra-o bem, até ao fundo. Temos que o proteger dos ataques do exterior" e eu faço tudo o que posso para que ele lá fique muito tempo, muito fundo.
Diana é estudante de filosofia na Faculdade. Trabalha no Moulin Rose às quintas, sextas e sábados. O dono contratou-a por causa de um professor dela que queria seduzir. Não sei se conseguiu ou não; mas Diana está lá há mais de dois anos. Com o seu aspecto frio, distante, não incomoda a clientela; mas, como em todas as eslavas, por baixo daquela aparência escondia-se uma enorme frustração. "Nem para mim olham", queixa-se; "é como se não existisse".
Isso, e o facto de eu não ser ciumento. "Não penses que na faculdade não olham para mim"; ou "quando não estás, como pensas que faço?" "Ora, colegas não te faltam com certeza, e todos morrem de vontade de te levar para a cama", respondo-lhe. "Como podes se tão presunçoso?" "Não sou". Estou a montar um bar em Milão e viajo constantemente entre as duas cidades. Passo longos períodos fora. Diana diz-me que gosta mais de mim quando estou em Itália: "sinto-te simultaneamente mais forte e mais frágil. É por estares sem mim, ou por estares fora de casa?" "Não sei, Diana. E não me apercebo dessa mudança. Sinto-me o mesmo".
Sei que não sou. A verdade é que tenho mais vinte anos do que ela. Longe baixo as defesas. Não tenho nada que defender. Na verdade estou sempre à espera que ela me troque por um tipo mais bonito, mais magro ou mais rico ("podes escolher uma das três hipóteses, Diana, não precisam de vir todas juntas"); e fora de casa não penso muito nisso.
Estou deitado, de costas. Diana está sentada por cima de mim, virada para os meus pés. Vejo o seu corpo subir e descer, muito devagar. Não lhe vejo a face, mas sei que tem os olhos fechados, a boca ligeiramente entreaberta. Quero tocar-lhe, mas só alcanço a sua cintura. Às vezes é o contrário: ela deitada, braços abertos, pernas bem afastadas; eu por cima dela apoiado nas mãos, e não nos cotovelos. Só a minha bacia se move. Vejo-lhe os cabelos espalhados pelo lençol, sinto-a vibrar como se estivesse um bocadinho de vento na praia e ela a tiritar de frio, mas lentamente; tudo é lento, sempre. Parece-me que todas as terminações nervosas do meu corpo, todas as sinapses, dendrites, neurónios, toda a dopamina e serotonina que produzo, tudo o que no meu corpo serve para transportar ou produzir sensações se concentra naquele pedaço de carne dura, encharcada de sangue e cega de desejo, de que sinto cada milímetro; e que aquele tempo não se mede em segundos, nem em minutos, mas em vidas.
Nunca nos tocamos muito enquanto a penetro; nada daqueles engalfinhamentos que eram a norma com A, ou as verdadeiras batalhas campais em que o amor com B se tornava. A nossa vida comum – enfim, comum não é o termo. Não moramos juntos – é igual: falamos muito, discutimos ideias, livros, filmes – mas sempre em pequenas pinceladas, frases que um observador externo pensaria não terem, ou estarem, num seguimento. Envolvi-me com ela há três anos. Ao princípio não acreditava muito que conseguisse passar mais do que os dois ou três meses que eram a média naqueles tempos; mas a relação foi prosseguindo. Por vezes imaginava-me como um objecto deitado à água nas Canárias: se flutuar acabará por chegar a uma ilha qualquer das Caraíbas, seja grande ou pequeno, tenha propulsão ou não. Via-nos como esse objecto: um dia chegaríamos a uma praia qualquer; um de nós deitar-se-ia e o outro far-lhe-ia amor. Depois levantar-nos-íamos os dois, dir-nos-íamos “adeus”, e adeus. Mas não foi assim que aconteceu: não chegámos a uma praia, não nos despedimos um do outro. Antes pelo contrário. Não estávamos à deriva numa corrente; a embarcação tinha um piloto.
Tenho 45 anos, sou proprietário de um bar, e estou a abrir um novo em Milão. Conheci-a porque ela veio pedir-me trabalho. Disse-lhe que não – na realidade precisava de alguém, mas Diana provocou-me um desejo quase incontrolável desde que a vi e eu tenho por norma não tocar, nem sequer cobiçar, não desejar por actos omissões ou pensamentos uma empregada. Como tinha o número de telefone dela nessa noite convidei-a para jantar. Disse-me que não duas vezes; à terceira veio jantar, mas com a condição expressa de que “não me passasse sequer pela cabeça ir para a cama com ela”. Respondi-lhe que não lhe podia prometer que não me passaria pela cabeça; mas que ela não o veria, se tal infeliz circunstância viesse a ocorrer. Vimo-nos durante cinco meses antes de a conseguir convencer a vir passar um fim-de-semana comigo a St. Tropez, a bordo de um iate de um amigo meu. Foi no camarote, mal tínhamos acabado de chegar, que fizemos amor pela primeira vez.
Lembro-me dos pormenores todos; lembro-me da primeira vez que ela me percorreu o corpo a tocar-me apenas com o bico dos seios; da primeira felação, que ela prolongou com breves beliscões na base da glande quando sentia que eu não conseguia controlar-me mais; da primeira vez que a possuí – ou ela me possuiu, mais verosimilmente; ou nos possuímos. Lembro-me de pensar que nunca, simultaneamente, tivera tanto prazer e tão pouca necessidade de o manifestar – talvez porque no amor me adapto à parceira; ou porque ela mo impôs, não sei. Reconheço que por vezes tinha dúvidas. Perguntava-me se ela não estaria a usar-me para se masturbar. “Não poderia usar uma almofada, como as outras?”
Pouco sabia dela, então: era estudante de filosofia na Universidade local; pouco depois de me ter vindo bater à porta encontrara trabalho no “cabaret dos maricas” (era ela que assim o designava, mas só em privado. Em público dizia “dos gays”, ou “dos homossexuais”); era de origem polaca; gostava de Nietzsche e dos niilistas por causa do “moralismo”. Durante os primeiros meses pouco mais soube do que isto – e pouco mais queria saber, admito-o.
II
Casei-me cedo, aos 24 anos. Já era dono de um bar, que nessa altura estava na moda. Fui abrindo outros, sempre na nossa cidade. Fazia carradas de dinheiro, que gastava da mesma forma: nunca lhe liguei muito. O dinheiro faz-me viver, não me faz correr. Aquilo de que sempre gostei foi criar, começar qualquer coisa. Era – sou, ainda – generoso. Quando A se quis divorciar, ao fim de 12 anos de casamento, dei-lhe tudo: só fiquei com um dos bares para mim. O apartamento – 200 m2 no centro da cidade – o carro e um bar foram para ela. Vendi um restaurante e durante alguns meses dilapidei dinheiro como um marinheiro bêbedo. Depois tudo começou a correr mal. O bar saiu de moda; a família mandou-me passear – coisa que, com os amigos, só aconteceu alguns anos depois. Nunca acreditei, quando me diziam “qualquer dia não tens amigos” – para mim era compreensível que a família não aprovasse o meu estilo de vida e se vingasse agora que estava teso. Mas os amigos? Porque os perderia? Porque também se fartam – talvez um bocado (ou muito) depois da família.
Foram anos difíceis. Agarrava-me ao bar (e não só metaforicamente), que mal me dava para viver. Fui decaindo: as casas ficaram cada vez mais pequenas e piores; o vinho, pior e mais; deixei de comprar livros, discos, roupa. Não ter dinheiro tem um efeito curioso porque pensamos que somos os mesmos menos as coisas, e não é verdade: não somos os mesmos, apesar de não nos apercebermos disso. Como um gordo que se julga magro ou um feio se vê bonito ao espelho. Não somos nós próprios. Espero que o oposto não seja verdade: se ter dinheiro nos permite ser realmente o que somos conheço muita gente que ficaria melhor com menos. Mas não o ter transforma-nos. Suponho que é essa a razão pela qual não consegui manter uma mulher durante anos: conheciam-me, andávamos juntos dois meses ou três e ala que se faz tarde; desapareciam todas. Não era situação que me agradasse: apesar das aparências nunca fui muito mulherengo – ou, posto isto de outra forma, sempre fui fiel apesar de uma ou outra aventura. Para mim uma relação mede-se em anos, não em meses ou semanas. Fui feliz com a minha mulher; mas ela fartou-se da minha prodigalidade, das horas tardias, da minha aparente ausência. Arranjou um tipo qualquer, advogado ou engenheiro ou qualquer coisa do género e foi-se embora. Não liguei muito: só depois de encontrar uma série de outras mulheres me apercebi das qualidades com as quais tinha convivido e que não tinha visto. A história é clássica, eu sei. Mas se o homem aprendesse alguma coisa com o tempo as tragédias gregas hoje não fariam sentido. Se fazem, é porque continuamos iguais ao que éramos há dois mil anos.
Por isso estava tão céptico quando encontrei Diana. Por isso gosto tanto dela hoje. Não sei quanto tempo vai durar. Não sabemos nunca, sobre o que quer que seja. Gosto dela aqui, agora.
Gostarei sempre, mesmo quando já não a amar como acabo de descobrir que amo.
Diana é grande, e os seios em proporção. Começa por me acariciar com os bicos deles, apoiada nas mãos e nos joelhos; da cabeça vai descendo metódica, lenta, meticulosamente. Quando chega àquilo a que ela chama "o submarino" já ele, "o submarino", está em posição de imersão, urgente. "O submarino vai mergulhar no meio dos icebergs" - envolve-o com aquelas duas magníficas meias-luas alvas que de iceberg só têm a cor. Depois continua até ter "o submarino" na boca.
Sempre séria, sem o mais pequeno sorriso. Às vezes parece-me que há uma placa de vidro entre nós, quando fazemos amor; não fosse a enorme ternura que põe em cada gesto, em cada acto, eu pensaria que ela se estava a aborrecer. Até que o momento de “pôr o submarino na base” chega e ela me diz "empurra-o bem, até ao fundo. Temos que o proteger dos ataques do exterior" e eu faço tudo o que posso para que ele lá fique muito tempo, muito fundo.
Diana é estudante de filosofia na Faculdade. Trabalha no Moulin Rose às quintas, sextas e sábados. O dono contratou-a por causa de um professor dela que queria seduzir. Não sei se conseguiu ou não; mas Diana está lá há mais de dois anos. Com o seu aspecto frio, distante, não incomoda a clientela; mas, como em todas as eslavas, por baixo daquela aparência escondia-se uma enorme frustração. "Nem para mim olham", queixa-se; "é como se não existisse".
Isso, e o facto de eu não ser ciumento. "Não penses que na faculdade não olham para mim"; ou "quando não estás, como pensas que faço?" "Ora, colegas não te faltam com certeza, e todos morrem de vontade de te levar para a cama", respondo-lhe. "Como podes se tão presunçoso?" "Não sou". Estou a montar um bar em Milão e viajo constantemente entre as duas cidades. Passo longos períodos fora. Diana diz-me que gosta mais de mim quando estou em Itália: "sinto-te simultaneamente mais forte e mais frágil. É por estares sem mim, ou por estares fora de casa?" "Não sei, Diana. E não me apercebo dessa mudança. Sinto-me o mesmo".
Sei que não sou. A verdade é que tenho mais vinte anos do que ela. Longe baixo as defesas. Não tenho nada que defender. Na verdade estou sempre à espera que ela me troque por um tipo mais bonito, mais magro ou mais rico ("podes escolher uma das três hipóteses, Diana, não precisam de vir todas juntas"); e fora de casa não penso muito nisso.
Estou deitado, de costas. Diana está sentada por cima de mim, virada para os meus pés. Vejo o seu corpo subir e descer, muito devagar. Não lhe vejo a face, mas sei que tem os olhos fechados, a boca ligeiramente entreaberta. Quero tocar-lhe, mas só alcanço a sua cintura. Às vezes é o contrário: ela deitada, braços abertos, pernas bem afastadas; eu por cima dela apoiado nas mãos, e não nos cotovelos. Só a minha bacia se move. Vejo-lhe os cabelos espalhados pelo lençol, sinto-a vibrar como se estivesse um bocadinho de vento na praia e ela a tiritar de frio, mas lentamente; tudo é lento, sempre. Parece-me que todas as terminações nervosas do meu corpo, todas as sinapses, dendrites, neurónios, toda a dopamina e serotonina que produzo, tudo o que no meu corpo serve para transportar ou produzir sensações se concentra naquele pedaço de carne dura, encharcada de sangue e cega de desejo, de que sinto cada milímetro; e que aquele tempo não se mede em segundos, nem em minutos, mas em vidas.
Nunca nos tocamos muito enquanto a penetro; nada daqueles engalfinhamentos que eram a norma com A, ou as verdadeiras batalhas campais em que o amor com B se tornava. A nossa vida comum – enfim, comum não é o termo. Não moramos juntos – é igual: falamos muito, discutimos ideias, livros, filmes – mas sempre em pequenas pinceladas, frases que um observador externo pensaria não terem, ou estarem, num seguimento. Envolvi-me com ela há três anos. Ao princípio não acreditava muito que conseguisse passar mais do que os dois ou três meses que eram a média naqueles tempos; mas a relação foi prosseguindo. Por vezes imaginava-me como um objecto deitado à água nas Canárias: se flutuar acabará por chegar a uma ilha qualquer das Caraíbas, seja grande ou pequeno, tenha propulsão ou não. Via-nos como esse objecto: um dia chegaríamos a uma praia qualquer; um de nós deitar-se-ia e o outro far-lhe-ia amor. Depois levantar-nos-íamos os dois, dir-nos-íamos “adeus”, e adeus. Mas não foi assim que aconteceu: não chegámos a uma praia, não nos despedimos um do outro. Antes pelo contrário. Não estávamos à deriva numa corrente; a embarcação tinha um piloto.
Tenho 45 anos, sou proprietário de um bar, e estou a abrir um novo em Milão. Conheci-a porque ela veio pedir-me trabalho. Disse-lhe que não – na realidade precisava de alguém, mas Diana provocou-me um desejo quase incontrolável desde que a vi e eu tenho por norma não tocar, nem sequer cobiçar, não desejar por actos omissões ou pensamentos uma empregada. Como tinha o número de telefone dela nessa noite convidei-a para jantar. Disse-me que não duas vezes; à terceira veio jantar, mas com a condição expressa de que “não me passasse sequer pela cabeça ir para a cama com ela”. Respondi-lhe que não lhe podia prometer que não me passaria pela cabeça; mas que ela não o veria, se tal infeliz circunstância viesse a ocorrer. Vimo-nos durante cinco meses antes de a conseguir convencer a vir passar um fim-de-semana comigo a St. Tropez, a bordo de um iate de um amigo meu. Foi no camarote, mal tínhamos acabado de chegar, que fizemos amor pela primeira vez.
Lembro-me dos pormenores todos; lembro-me da primeira vez que ela me percorreu o corpo a tocar-me apenas com o bico dos seios; da primeira felação, que ela prolongou com breves beliscões na base da glande quando sentia que eu não conseguia controlar-me mais; da primeira vez que a possuí – ou ela me possuiu, mais verosimilmente; ou nos possuímos. Lembro-me de pensar que nunca, simultaneamente, tivera tanto prazer e tão pouca necessidade de o manifestar – talvez porque no amor me adapto à parceira; ou porque ela mo impôs, não sei. Reconheço que por vezes tinha dúvidas. Perguntava-me se ela não estaria a usar-me para se masturbar. “Não poderia usar uma almofada, como as outras?”
Pouco sabia dela, então: era estudante de filosofia na Universidade local; pouco depois de me ter vindo bater à porta encontrara trabalho no “cabaret dos maricas” (era ela que assim o designava, mas só em privado. Em público dizia “dos gays”, ou “dos homossexuais”); era de origem polaca; gostava de Nietzsche e dos niilistas por causa do “moralismo”. Durante os primeiros meses pouco mais soube do que isto – e pouco mais queria saber, admito-o.
II
Casei-me cedo, aos 24 anos. Já era dono de um bar, que nessa altura estava na moda. Fui abrindo outros, sempre na nossa cidade. Fazia carradas de dinheiro, que gastava da mesma forma: nunca lhe liguei muito. O dinheiro faz-me viver, não me faz correr. Aquilo de que sempre gostei foi criar, começar qualquer coisa. Era – sou, ainda – generoso. Quando A se quis divorciar, ao fim de 12 anos de casamento, dei-lhe tudo: só fiquei com um dos bares para mim. O apartamento – 200 m2 no centro da cidade – o carro e um bar foram para ela. Vendi um restaurante e durante alguns meses dilapidei dinheiro como um marinheiro bêbedo. Depois tudo começou a correr mal. O bar saiu de moda; a família mandou-me passear – coisa que, com os amigos, só aconteceu alguns anos depois. Nunca acreditei, quando me diziam “qualquer dia não tens amigos” – para mim era compreensível que a família não aprovasse o meu estilo de vida e se vingasse agora que estava teso. Mas os amigos? Porque os perderia? Porque também se fartam – talvez um bocado (ou muito) depois da família.
Foram anos difíceis. Agarrava-me ao bar (e não só metaforicamente), que mal me dava para viver. Fui decaindo: as casas ficaram cada vez mais pequenas e piores; o vinho, pior e mais; deixei de comprar livros, discos, roupa. Não ter dinheiro tem um efeito curioso porque pensamos que somos os mesmos menos as coisas, e não é verdade: não somos os mesmos, apesar de não nos apercebermos disso. Como um gordo que se julga magro ou um feio se vê bonito ao espelho. Não somos nós próprios. Espero que o oposto não seja verdade: se ter dinheiro nos permite ser realmente o que somos conheço muita gente que ficaria melhor com menos. Mas não o ter transforma-nos. Suponho que é essa a razão pela qual não consegui manter uma mulher durante anos: conheciam-me, andávamos juntos dois meses ou três e ala que se faz tarde; desapareciam todas. Não era situação que me agradasse: apesar das aparências nunca fui muito mulherengo – ou, posto isto de outra forma, sempre fui fiel apesar de uma ou outra aventura. Para mim uma relação mede-se em anos, não em meses ou semanas. Fui feliz com a minha mulher; mas ela fartou-se da minha prodigalidade, das horas tardias, da minha aparente ausência. Arranjou um tipo qualquer, advogado ou engenheiro ou qualquer coisa do género e foi-se embora. Não liguei muito: só depois de encontrar uma série de outras mulheres me apercebi das qualidades com as quais tinha convivido e que não tinha visto. A história é clássica, eu sei. Mas se o homem aprendesse alguma coisa com o tempo as tragédias gregas hoje não fariam sentido. Se fazem, é porque continuamos iguais ao que éramos há dois mil anos.
Por isso estava tão céptico quando encontrei Diana. Por isso gosto tanto dela hoje. Não sei quanto tempo vai durar. Não sabemos nunca, sobre o que quer que seja. Gosto dela aqui, agora.
Gostarei sempre, mesmo quando já não a amar como acabo de descobrir que amo.
Redifusão - 4
"Vem, querida, vamos crucificar-nos. Qual de nós será a cruz, qual o Cristo?"
23/03/2005
"L'autre jour je me suis "ivré" à mort. "A mort" est l'expression clé: il devrait être interdit de conduire dans cet état, c'est dangereux. Après le Marchand de Sable et une bouteille de vin chez un copain je suis allé au Bar du Nord, qui a été, pendant longtemps, le seul bar à Genève digne de ce nom, et au café da la P…. La serveuse y est très belle, avec des seins comme la Tour Eiffel, en plus petit. Le bistrot était vide. Il n'était pas sordide, ou triste, ou déprimant; non. Il était seulement vide. J'eus envie de photographier un bistrot vide et des seins qui se ressemblaient à la tour Eiffel, mais j'étais complètement ivre. Je n'aurai pas pu photographier mon ombre, l’eussiez-je voulu. Je voulais penser à Baudrillard, mais je ne voyais qu'un bistrot vide et des seins magnifiques, de ceux pour lesquels la lune se lève les nuits de pleine lune. Je suis allé à la voiture chercher l'appareil et mettre un film dedans. J'ai oublié de régler la sensibilité du photomètre, ce qui n'était pas très grave car de toute façon je ne voyais rien de ce qui se passait dans le viseur, je ne voyais même pas ce que je photographiais.
Comment dit-on « bouncer » en français? Singe? Malabar? Videur? Toujours est-il qu'il est arrivé très vite, après deux ou trois prises seulement. Je suppose qu'il m'a dit que je ne pouvais pas faire de photos. Je n'en suis pas très sûr. Après, il m'a demandé la caméra et a enlevé la pellicule, avec une certaine difficulté. Je l'ai laissé faire sans réclamer, car je me suis dit qu'il croyait probablement que j'avais volé plein de magnifiques photos et que lui, le justicier, allait rendre justice à toutes les victimes innocentes de cette canaille, qui osait photographier une innocente serveuse dans un bar totalement vide. Je me pensais vaguement à l’Afrique, où l'on doit argumenter pendant des heures avec un policier à cause d'une photo, ou à ces mauvais films sur les dictateurs sud-américains. Pourtant le videur n'avait pas ces moustaches des dictateurs d'opérette ; et de toute façon je ne pouvais pas argumenter, ma bouche n'arrivant à proférer que des monosyllabes plus ou moins pâteux.
Il a enlevé le film et m'a rendu l'appareil avec une correction toute suisse. Le bien était fait et le mal vaincu. Que Dieu soit loué.
Je suis rentré et j'ai vomi tout ce que je pouvais vomir: le poulet du souper, les whiskies du Bar du Nord, les seins de la serveuse et le videur de la P…, Baudrillard et les souvenirs de photos autrement plus drôles, comme celles de l'aéroport de Kindu, ou d'autres bouncers, comme l'arabe de Gibraltar.
Célestin était douanier à Kindu quand j'y suis arrivé pour la première fois. Avec nous dans l'avion venait un belge d’une autre organisation qui s'est mis à mitrailler son appareil photo aussitôt arrivé à l'aéroport. Comme tout policier, douanier ou quelqu'un investi du moindre pouvoir en Afrique Célestin lui a dit qu'il ne pouvait pas faire de photos. Le belge a râlé quelque chose et Célestin s'est fâché.
- Donnez-moi le film - a-t-il dit au belge.
- Non - répliqua celui-ci.
- Je vais vous demander le film encore une fois. Si vous ne me le donnez pas, je vous demanderai l'appareil.
- Non.
- Donnez-moi l'appareil, s'il vous plaît, Monsieur, dit Célestin mielleux.
- Non.
- Je vais vous demander l'appareil encore une fois. Si vous ne me le donnez pas, je vais appeler l'armée et vous irez en prison.
Kindu était la ville la plus importante encore aux mains du gouvernement zaïrois. Il y avait une garnison conséquente et, comme je ne tarderais pas à découvrir, assez nerveuse.
- Non.
- Bon, alors je vais appeler l'armée. Vous êtes en état d'arrestation.
Célestin avait vu plein de films français, visiblement. Nous essayions d'aider le Belge et de convaincre Célestin à le laisser partir, mais il n'y avait rien à faire.
J'ai appelé Célestin de côté et je lui ai dit qu'il avait tout à fait raison. Il devait toutefois penser que le gars était seulement un peu bête et ne pas lui faire trop de mal.
- Ca ne dépend plus de moi: l'armée va arriver - répondit-il, souriant.
L'armée est arrivée, le Belge a perdu son appareil et a passé la nuit en tôle tout nu; il ne fût pas battu car nous avons intercédé pour lui autant que nous avons pu. Aussitôt le gars parti, Célestin nous invita à faire une photo souvenir avec lui, sur le tarmac de l'aéroport. A l'endroit précis où le belge avait fait sa dernière photo. Il sortit le lendemain de tôle, râlant encore contre les Zaïrois. On n'a pas réussi à convaincre l'armée à lui rendre son appareil.
Le bouncer du Café de la P… n'avait pas la moitié de la grâce de Célestin. Son regard était aussi vide que son bistrot et que mon estomac après que je l'ai eus vidé, une main contre la baignoire et une autre appuyée au grand téléphone blanc.
A Gibraltar un de mes bistrots favoris était un café horrible, vil et sordide comme la Londres de Dickens, au premier étage d'un vieil immeuble. C'était le point de réunion d'une grande partie des 10,000 soldats alors en poste dans la ville et n'était jamais vide, jamais. Le videur était un arabe énorme, qui ne parlait pas, ne riait pas, ne s'excitait pas. Quand il prévoyait des troubles, par ailleurs assez réguliers, il se plaçait tranquillement derrière le probable futur fautif. Si ses prévisions se concrétisaient, il prenait le gars par le fond des pantalons et par le col de la chemise et le balançait en bas de l'escalier. J'ai vu cette manœuvre plusieurs fois; jamais aucun des soldats n'est retourné en haut ni aucun de ses collègues ne s'en est pris à l'arabe, ce qui me faisait imaginer les scènes prodigieuses de bastonnade qui se sont certainement passées lors des débuts de service du videur. J'étais, alors comme maintenant, du côté des anglais dans la dispute sur Gibraltar et tout ce que je désirais était qu'il ne se mette pas au service des espagnols en cas de guerre: il était une espèce d'Obelix capable de décimer l'armée anglaise à lui tout seul (à la différence près que les victimes descendaient au lieu de monter).
Dans ce bar travaillaient deux filles que le patron forniquait en alternance, un jour l'une, le lendemain l'autre, assises sur la table de la cuisine, juste derrière le comptoir. Il n'y avait qu'un mince tissu qui séparait le bar de la cuisine. Chaque soir à la même heure il appelait la désignée du jour, l'asseyait sur la table et l'embrochait comme un poulet. La scène, projetée en ombres chinoises sur le tissu qui faisait office de rideau, était parfaitement visible par les clients assis au bar, mais plus personne ne faisait attention. En attendant, l'autre employée, à qui je n'ai jamais entendu le moindre susurre de protestation ou de remerciement, assurait le service. Je n'y mangeais pas, naturellement, car je n'ai jamais suivi la scène jusqu'à la fin et je ne savais pas s'ils (ou plutôt elle) nettoyaient la table après.
Un jour j'ai eu besoin de boire du Tia Maria, en souvenir des temps où je diluais mon adolescence dans Nietzsche, le whisky et le Tia Maria. J'étais assis au bar et quand je suis arrivé au dixième ou onzième verre l'Arabe est venu se placer derrière moi; vers le quinzième le patron m'a dit qu'il m'offrait les suivants; quand la bouteille était vide je me suis levé très dignement, j'ai dit bonsoir à tout le monde et je suis retourné à bord, où j'ai passé une nuit cruelle. Le mal de tête qui s'en est suivit a été très grand et s'est étendu sur plusieurs jours. Mais j'avais acquis le statut de héros, et désormais le videur me souriait chaque fois qu'il me voyait arriver en haut de l'escalier, sa place habituelle."
13/03/2004
23/03/2005
"L'autre jour je me suis "ivré" à mort. "A mort" est l'expression clé: il devrait être interdit de conduire dans cet état, c'est dangereux. Après le Marchand de Sable et une bouteille de vin chez un copain je suis allé au Bar du Nord, qui a été, pendant longtemps, le seul bar à Genève digne de ce nom, et au café da la P…. La serveuse y est très belle, avec des seins comme la Tour Eiffel, en plus petit. Le bistrot était vide. Il n'était pas sordide, ou triste, ou déprimant; non. Il était seulement vide. J'eus envie de photographier un bistrot vide et des seins qui se ressemblaient à la tour Eiffel, mais j'étais complètement ivre. Je n'aurai pas pu photographier mon ombre, l’eussiez-je voulu. Je voulais penser à Baudrillard, mais je ne voyais qu'un bistrot vide et des seins magnifiques, de ceux pour lesquels la lune se lève les nuits de pleine lune. Je suis allé à la voiture chercher l'appareil et mettre un film dedans. J'ai oublié de régler la sensibilité du photomètre, ce qui n'était pas très grave car de toute façon je ne voyais rien de ce qui se passait dans le viseur, je ne voyais même pas ce que je photographiais.
Comment dit-on « bouncer » en français? Singe? Malabar? Videur? Toujours est-il qu'il est arrivé très vite, après deux ou trois prises seulement. Je suppose qu'il m'a dit que je ne pouvais pas faire de photos. Je n'en suis pas très sûr. Après, il m'a demandé la caméra et a enlevé la pellicule, avec une certaine difficulté. Je l'ai laissé faire sans réclamer, car je me suis dit qu'il croyait probablement que j'avais volé plein de magnifiques photos et que lui, le justicier, allait rendre justice à toutes les victimes innocentes de cette canaille, qui osait photographier une innocente serveuse dans un bar totalement vide. Je me pensais vaguement à l’Afrique, où l'on doit argumenter pendant des heures avec un policier à cause d'une photo, ou à ces mauvais films sur les dictateurs sud-américains. Pourtant le videur n'avait pas ces moustaches des dictateurs d'opérette ; et de toute façon je ne pouvais pas argumenter, ma bouche n'arrivant à proférer que des monosyllabes plus ou moins pâteux.
Il a enlevé le film et m'a rendu l'appareil avec une correction toute suisse. Le bien était fait et le mal vaincu. Que Dieu soit loué.
Je suis rentré et j'ai vomi tout ce que je pouvais vomir: le poulet du souper, les whiskies du Bar du Nord, les seins de la serveuse et le videur de la P…, Baudrillard et les souvenirs de photos autrement plus drôles, comme celles de l'aéroport de Kindu, ou d'autres bouncers, comme l'arabe de Gibraltar.
Célestin était douanier à Kindu quand j'y suis arrivé pour la première fois. Avec nous dans l'avion venait un belge d’une autre organisation qui s'est mis à mitrailler son appareil photo aussitôt arrivé à l'aéroport. Comme tout policier, douanier ou quelqu'un investi du moindre pouvoir en Afrique Célestin lui a dit qu'il ne pouvait pas faire de photos. Le belge a râlé quelque chose et Célestin s'est fâché.
- Donnez-moi le film - a-t-il dit au belge.
- Non - répliqua celui-ci.
- Je vais vous demander le film encore une fois. Si vous ne me le donnez pas, je vous demanderai l'appareil.
- Non.
- Donnez-moi l'appareil, s'il vous plaît, Monsieur, dit Célestin mielleux.
- Non.
- Je vais vous demander l'appareil encore une fois. Si vous ne me le donnez pas, je vais appeler l'armée et vous irez en prison.
Kindu était la ville la plus importante encore aux mains du gouvernement zaïrois. Il y avait une garnison conséquente et, comme je ne tarderais pas à découvrir, assez nerveuse.
- Non.
- Bon, alors je vais appeler l'armée. Vous êtes en état d'arrestation.
Célestin avait vu plein de films français, visiblement. Nous essayions d'aider le Belge et de convaincre Célestin à le laisser partir, mais il n'y avait rien à faire.
J'ai appelé Célestin de côté et je lui ai dit qu'il avait tout à fait raison. Il devait toutefois penser que le gars était seulement un peu bête et ne pas lui faire trop de mal.
- Ca ne dépend plus de moi: l'armée va arriver - répondit-il, souriant.
L'armée est arrivée, le Belge a perdu son appareil et a passé la nuit en tôle tout nu; il ne fût pas battu car nous avons intercédé pour lui autant que nous avons pu. Aussitôt le gars parti, Célestin nous invita à faire une photo souvenir avec lui, sur le tarmac de l'aéroport. A l'endroit précis où le belge avait fait sa dernière photo. Il sortit le lendemain de tôle, râlant encore contre les Zaïrois. On n'a pas réussi à convaincre l'armée à lui rendre son appareil.
Le bouncer du Café de la P… n'avait pas la moitié de la grâce de Célestin. Son regard était aussi vide que son bistrot et que mon estomac après que je l'ai eus vidé, une main contre la baignoire et une autre appuyée au grand téléphone blanc.
A Gibraltar un de mes bistrots favoris était un café horrible, vil et sordide comme la Londres de Dickens, au premier étage d'un vieil immeuble. C'était le point de réunion d'une grande partie des 10,000 soldats alors en poste dans la ville et n'était jamais vide, jamais. Le videur était un arabe énorme, qui ne parlait pas, ne riait pas, ne s'excitait pas. Quand il prévoyait des troubles, par ailleurs assez réguliers, il se plaçait tranquillement derrière le probable futur fautif. Si ses prévisions se concrétisaient, il prenait le gars par le fond des pantalons et par le col de la chemise et le balançait en bas de l'escalier. J'ai vu cette manœuvre plusieurs fois; jamais aucun des soldats n'est retourné en haut ni aucun de ses collègues ne s'en est pris à l'arabe, ce qui me faisait imaginer les scènes prodigieuses de bastonnade qui se sont certainement passées lors des débuts de service du videur. J'étais, alors comme maintenant, du côté des anglais dans la dispute sur Gibraltar et tout ce que je désirais était qu'il ne se mette pas au service des espagnols en cas de guerre: il était une espèce d'Obelix capable de décimer l'armée anglaise à lui tout seul (à la différence près que les victimes descendaient au lieu de monter).
Dans ce bar travaillaient deux filles que le patron forniquait en alternance, un jour l'une, le lendemain l'autre, assises sur la table de la cuisine, juste derrière le comptoir. Il n'y avait qu'un mince tissu qui séparait le bar de la cuisine. Chaque soir à la même heure il appelait la désignée du jour, l'asseyait sur la table et l'embrochait comme un poulet. La scène, projetée en ombres chinoises sur le tissu qui faisait office de rideau, était parfaitement visible par les clients assis au bar, mais plus personne ne faisait attention. En attendant, l'autre employée, à qui je n'ai jamais entendu le moindre susurre de protestation ou de remerciement, assurait le service. Je n'y mangeais pas, naturellement, car je n'ai jamais suivi la scène jusqu'à la fin et je ne savais pas s'ils (ou plutôt elle) nettoyaient la table après.
Un jour j'ai eu besoin de boire du Tia Maria, en souvenir des temps où je diluais mon adolescence dans Nietzsche, le whisky et le Tia Maria. J'étais assis au bar et quand je suis arrivé au dixième ou onzième verre l'Arabe est venu se placer derrière moi; vers le quinzième le patron m'a dit qu'il m'offrait les suivants; quand la bouteille était vide je me suis levé très dignement, j'ai dit bonsoir à tout le monde et je suis retourné à bord, où j'ai passé une nuit cruelle. Le mal de tête qui s'en est suivit a été très grand et s'est étendu sur plusieurs jours. Mais j'avais acquis le statut de héros, et désormais le videur me souriait chaque fois qu'il me voyait arriver en haut de l'escalier, sa place habituelle."
13/03/2004
Obrigado
Há pouco alguém chegou a este blog porque procurou no Google "matematica do uisque". Não fui ao post no qual o senhor (ou senhora, claro; mas parece-me coisa de homem) aterrou: não quero perder as ilusões.
Mas deixo aqui expresso o meu mais profundo e reverente obrigado.
Mas deixo aqui expresso o meu mais profundo e reverente obrigado.
Quebra mar quebrado
Via Blasfémias, este instrutivo slideshow. A derrapagem foi de 11 milhões - em vez de 27, custou 38 milhões de euros. Negligenciável, claro.
Pergunto-me como seria com os trabalhos em Alcântara.
Pergunto-me como seria com os trabalhos em Alcântara.
17.3.10
Changeux
Jean-Pierre Changeux na televisão. "L'Homme Neuronal" foi um dos grandes livros que li. Acaba de publicar um novo livro: "Du bel, du beau, du bien".
Acho que vai directamente para a prateleira dos imprescindíveis pessoais.
Acho que vai directamente para a prateleira dos imprescindíveis pessoais.
Diana (fragmento)
Na cidade há um cabaret chamado Moulin Rose. O nome diz tudo. A única mulher que lá entra é Diana, uma polaca de cabelos quase brancos de tão claros e alta como uma queda de água. Tem olhos verdes, e faz amor com a seriedade que os eslavos põem em tudo o que fazem. Como se o mundo não suportasse uma gargalhada; ou um sorriso transformasse qualquer acto numa palhaçada.
Diana é grande e os seios em proporção. Começa por me acariciar com os bicos deles, apoiada nas mãos e nos joelhos; da cabeça vai descendo metódica, lenta, meticulosamente. Quando chega àquilo a que ela chama "o submarino" já ele, o submarino, está em posição de imersão urgente. "O submarino vai mergulhar no meio dos icebergs" - e envolve-o com aquelas duas magníficas meias-luas alvas que de iceberg só tinham a cor. Depois continuava até ter o submarino na boca.
Sempre séria, sem o mais pequeno sorriso. Às vezes parecia-me que há uma placa de vidro entre nós, quando fazemos amor; não fosse a enorme ternura que põe em cada gesto, em cada acto, eu pensaria que ela se estava a aborrecer. Até que o momento de pôr o submarino na base chega e ela me diz "empurra-o bem, até ao fundo. Temos que o proteger dos ataques do exterior" e eu faço tudo o que posso para que ele lá fique muito tempo, muito fundo.
Diana é estudante de filosofia na Faculdade. Trabalha no Moulin Rose às quintas, sextas e sábados. O dono contratou-a por causa de um professor dela que queria seduzir. Não sei se conseguiu ou não; mas Diana está lá há mais de dois anos. Com o seu aspecto frio, distante, não incomoda a clientela; mas, como em todas as eslavas, por baixo daquela aparência escondia-se uma enorme frustração. "Nem para mim olham", queixava-se; "é como se não existisse".
Isso, e o facto de eu não ser ciumento. "Não penses que na faculdade não olham para mim"; ou "quando não estás, como faço?"; "Ora, colegas não te faltam com certeza, e todos morrem de vontade de te levar para a cama", respondia-lhe. "Como podes se tão presunçoso?" "Não sou". Eu estou a montar uma peça em Milão e viajo constantemente entre as duas cidades. Passo longos períodos fora. Diana diz-me que gosta mais de mim quando estou em Itália: "sinto-te simultaneamente mais forte e mais frágil. É por estares sem mim, ou por estares fora de casa?" "Não sei, Diana. E não me apercebo dessa mudança. Sinto-me o mesmo".
Sei que não sou. A verdade é que tenho mais vinte anos do que ela. Longe dela baixo as defesas, consciente ou inconscientemente. Não tenho nada que defender. Na verdade estou sempre à espera que ela me troque por um tipo mais bonito, mais magro ou mais rico ("podes escolher uma das três hipóteses, Diana, não precisam de vir todas juntas"); e quando estou longe não penso muito nisso.
Estou deitado, de costas. Diana está sentada por cima de mim, virada para os meus pés. Vejo o seu corpo subir e descer, muito devagar. Não lhe vejo a face, mas sei que tem os olhos fechados, a boca ligeiramente entreaberta. Quero tocar-lhe, mas só alcanço a sua cintura. Às vezes é o contrário: ela deitada, braços abertos, pernas bem afastadas; eu apoio-me nas mãos, e não nos cotovelos. Só a minha bacia se move. Vejo-lhe os cabelos espalhados pelo lençol, sinto-a vibrar como se estivesse um bocadinho de vento na praia e ela a tiritar de frio, mas lentamente; tudo é lento, sempre. Parece-me que todas as terminações nervosas do meu corpo, todas as sinapses, dendrites, neurónios, toda a dopamina e serotonina que produzo, tudo o que no meu corpo serve para transportar ou produzir sensações se concentra naquele pedaço de carne dura, encharcada de sangue e de desejo, de que sinto cada milímetro; e que o tempo não se mede em segundos, nem em minutos, mas em vidas.
Nunca nos tocamos muito enquanto a penetro; nada daqueles engalfinhamentos que eram a norma com A, ou as verdadeiras batalhas campais em que o amor com B se tornava. A nossa vida comum – enfim, comum não é o termo. Não moramos juntos – é igual: falamos muito, discutimos ideias, livros, filmes – mas sempre em pequenas pinceladas, frases que um observador externo pensaria não terem, ou estarem, num seguimento. Envolvi-me com ela há três anos. Ao princípio não acreditava muito que conseguisse passar mais do que os dois ou três meses que eram a média naqueles anos; mas a relação foi prosseguindo. Por vezes imaginava-me como um objecto deitado à água nas Canárias: se flutuar acabará por cehgar a uma ilha qualquer das Caraíbas, seja grande ou pequeno, tenha propulsão ou não. Via-nos como esse objecto: um dia chegaríamos a uma praia qualquer; um de nós deitar-se-ia e o outro far-lhe-ia amor. Depois levantar-nos-íamos os dois, dir-nos-íamos “adeus”, e adeus. Mas não foi assim que aconteceu: não chegámos a uma praia, e muito menos nos despedimos um do outro. Antes pelo contrário. Não estávamos à deriva numa corrente: ela pilotava a embarcação.
Tenho 45 anos, sou proprietário de um bar, e estou a abrir um novo em Milão. Foi assim que a conheci: ela veio pedir-me trabalho. Disse-lhe que não – na realidade precisava de alguém, mas ela provocou-me um desejo quase incontrolável desde que a vi e eu tenho por norma não tocar, nem sequer cobiçar, não desejar por actos omissões ou pensamentos uma empregada. Mas fiquei com o número de telefone dela e nessa noite convidei-a para jantar. Disse-me que não duas vezes; à terceira veio jantar, mas com a condição de que “não me passasse sequer pela cabeça ir para a cama com ela”. Respondi-lhe que não lhe podia prometer que não me passaria pela cabeça; mas que ela não o veria, se tal infeliz circunstância viesse a ocorrer. Vimo-nos durante cinco meses antes de eu a conseguir convencer a vir passar um fim-de-semana comigo a St. Tropez, a bordo de um iate de um amigo meu. Foi no camarote, mal tínhamos acabado de chegar, que fizemos amor pela primeira vez.
Lembro-me dos pormenores todos; lembro-me da primeira vez que ela me percorreu o corpo a tocar-me apenas com o bico dos seios; da primeira felação, que ela prolongou com breves beliscões na base da glande quando sentia que eu não conseguia controlar-me mais; da primeira vez que a possuí – ou ela me possuiu, mais verosimilmente; ou nos possuímos. Lembro-me de pensar que nunca, simultaneamente, tivera tanto prazer e tão pouco necessidade de o manifestar – talvez porque no amor me adapto à parceira; ou porque ela mo impôs, não sei.
Pouco sabia dela, então: era estudante; de filosofia; na Universidade local; pouco depois de me ter vindo bater à porta encontrara trabalho no “cabaret dos maricas” (era ela que assim o designava, mas só em privado. Em público dizia “dos gays”, ou “ dos homossexuais”); era de origem polaca; gostava de Nietzsche e dos niilistas por causa do “moralismo”. Durante os primeiros meses pouco mais soube do que isto – e pouco mais queria saber, admitidamente.
Diana é grande e os seios em proporção. Começa por me acariciar com os bicos deles, apoiada nas mãos e nos joelhos; da cabeça vai descendo metódica, lenta, meticulosamente. Quando chega àquilo a que ela chama "o submarino" já ele, o submarino, está em posição de imersão urgente. "O submarino vai mergulhar no meio dos icebergs" - e envolve-o com aquelas duas magníficas meias-luas alvas que de iceberg só tinham a cor. Depois continuava até ter o submarino na boca.
Sempre séria, sem o mais pequeno sorriso. Às vezes parecia-me que há uma placa de vidro entre nós, quando fazemos amor; não fosse a enorme ternura que põe em cada gesto, em cada acto, eu pensaria que ela se estava a aborrecer. Até que o momento de pôr o submarino na base chega e ela me diz "empurra-o bem, até ao fundo. Temos que o proteger dos ataques do exterior" e eu faço tudo o que posso para que ele lá fique muito tempo, muito fundo.
Diana é estudante de filosofia na Faculdade. Trabalha no Moulin Rose às quintas, sextas e sábados. O dono contratou-a por causa de um professor dela que queria seduzir. Não sei se conseguiu ou não; mas Diana está lá há mais de dois anos. Com o seu aspecto frio, distante, não incomoda a clientela; mas, como em todas as eslavas, por baixo daquela aparência escondia-se uma enorme frustração. "Nem para mim olham", queixava-se; "é como se não existisse".
Isso, e o facto de eu não ser ciumento. "Não penses que na faculdade não olham para mim"; ou "quando não estás, como faço?"; "Ora, colegas não te faltam com certeza, e todos morrem de vontade de te levar para a cama", respondia-lhe. "Como podes se tão presunçoso?" "Não sou". Eu estou a montar uma peça em Milão e viajo constantemente entre as duas cidades. Passo longos períodos fora. Diana diz-me que gosta mais de mim quando estou em Itália: "sinto-te simultaneamente mais forte e mais frágil. É por estares sem mim, ou por estares fora de casa?" "Não sei, Diana. E não me apercebo dessa mudança. Sinto-me o mesmo".
Sei que não sou. A verdade é que tenho mais vinte anos do que ela. Longe dela baixo as defesas, consciente ou inconscientemente. Não tenho nada que defender. Na verdade estou sempre à espera que ela me troque por um tipo mais bonito, mais magro ou mais rico ("podes escolher uma das três hipóteses, Diana, não precisam de vir todas juntas"); e quando estou longe não penso muito nisso.
Estou deitado, de costas. Diana está sentada por cima de mim, virada para os meus pés. Vejo o seu corpo subir e descer, muito devagar. Não lhe vejo a face, mas sei que tem os olhos fechados, a boca ligeiramente entreaberta. Quero tocar-lhe, mas só alcanço a sua cintura. Às vezes é o contrário: ela deitada, braços abertos, pernas bem afastadas; eu apoio-me nas mãos, e não nos cotovelos. Só a minha bacia se move. Vejo-lhe os cabelos espalhados pelo lençol, sinto-a vibrar como se estivesse um bocadinho de vento na praia e ela a tiritar de frio, mas lentamente; tudo é lento, sempre. Parece-me que todas as terminações nervosas do meu corpo, todas as sinapses, dendrites, neurónios, toda a dopamina e serotonina que produzo, tudo o que no meu corpo serve para transportar ou produzir sensações se concentra naquele pedaço de carne dura, encharcada de sangue e de desejo, de que sinto cada milímetro; e que o tempo não se mede em segundos, nem em minutos, mas em vidas.
Nunca nos tocamos muito enquanto a penetro; nada daqueles engalfinhamentos que eram a norma com A, ou as verdadeiras batalhas campais em que o amor com B se tornava. A nossa vida comum – enfim, comum não é o termo. Não moramos juntos – é igual: falamos muito, discutimos ideias, livros, filmes – mas sempre em pequenas pinceladas, frases que um observador externo pensaria não terem, ou estarem, num seguimento. Envolvi-me com ela há três anos. Ao princípio não acreditava muito que conseguisse passar mais do que os dois ou três meses que eram a média naqueles anos; mas a relação foi prosseguindo. Por vezes imaginava-me como um objecto deitado à água nas Canárias: se flutuar acabará por cehgar a uma ilha qualquer das Caraíbas, seja grande ou pequeno, tenha propulsão ou não. Via-nos como esse objecto: um dia chegaríamos a uma praia qualquer; um de nós deitar-se-ia e o outro far-lhe-ia amor. Depois levantar-nos-íamos os dois, dir-nos-íamos “adeus”, e adeus. Mas não foi assim que aconteceu: não chegámos a uma praia, e muito menos nos despedimos um do outro. Antes pelo contrário. Não estávamos à deriva numa corrente: ela pilotava a embarcação.
Tenho 45 anos, sou proprietário de um bar, e estou a abrir um novo em Milão. Foi assim que a conheci: ela veio pedir-me trabalho. Disse-lhe que não – na realidade precisava de alguém, mas ela provocou-me um desejo quase incontrolável desde que a vi e eu tenho por norma não tocar, nem sequer cobiçar, não desejar por actos omissões ou pensamentos uma empregada. Mas fiquei com o número de telefone dela e nessa noite convidei-a para jantar. Disse-me que não duas vezes; à terceira veio jantar, mas com a condição de que “não me passasse sequer pela cabeça ir para a cama com ela”. Respondi-lhe que não lhe podia prometer que não me passaria pela cabeça; mas que ela não o veria, se tal infeliz circunstância viesse a ocorrer. Vimo-nos durante cinco meses antes de eu a conseguir convencer a vir passar um fim-de-semana comigo a St. Tropez, a bordo de um iate de um amigo meu. Foi no camarote, mal tínhamos acabado de chegar, que fizemos amor pela primeira vez.
Lembro-me dos pormenores todos; lembro-me da primeira vez que ela me percorreu o corpo a tocar-me apenas com o bico dos seios; da primeira felação, que ela prolongou com breves beliscões na base da glande quando sentia que eu não conseguia controlar-me mais; da primeira vez que a possuí – ou ela me possuiu, mais verosimilmente; ou nos possuímos. Lembro-me de pensar que nunca, simultaneamente, tivera tanto prazer e tão pouco necessidade de o manifestar – talvez porque no amor me adapto à parceira; ou porque ela mo impôs, não sei.
Pouco sabia dela, então: era estudante; de filosofia; na Universidade local; pouco depois de me ter vindo bater à porta encontrara trabalho no “cabaret dos maricas” (era ela que assim o designava, mas só em privado. Em público dizia “dos gays”, ou “ dos homossexuais”); era de origem polaca; gostava de Nietzsche e dos niilistas por causa do “moralismo”. Durante os primeiros meses pouco mais soube do que isto – e pouco mais queria saber, admitidamente.
2010!
Cada vez que oiço alguém dizer "estamos em 2010!" para significar que a natureza humana já devia ter mudado, e que 2010 devia ser diferente de, sei lá, 1460 tenho vontade de lhe dizer "vá ver um jogo de futebol". Ou ler o que se escreve sobre futebol; ou ouvir as pessoas a falar de futebol.
(Se a pessoa me responder que em 1460 não havia futebol eu respondo-lhe "QED").
(Se a pessoa me responder que em 1460 não havia futebol eu respondo-lhe "QED").
Plágio / Citação / Homenagem
"Este é um blogue de e para livres pensadores. São todos convidados a utilizar a caixa de comentários existentes em cada texto colocado pelos aventores. De forma livre mas digna.
Podem concordar, discordar, dizer, contradizer, argumentar, contra argumentar. Sejam sérios, divertidos, indignem-se, provoquem, manifestem-se. Mas sempre com respeito e dignidade porque deste lado estão pessoas (sim, nós existimos) com sentimentos. Se o seu comentário descer ao nível do pensamento de um troll pode ficar descansado: será eliminado e não se fala mais nisso."
Hoje vi este pequeno texto no Aventar e, vá lá saber-se porquê, pensei que há muito não via nada mais adequado aqui ao coitado do DV.
Podem concordar, discordar, dizer, contradizer, argumentar, contra argumentar. Sejam sérios, divertidos, indignem-se, provoquem, manifestem-se. Mas sempre com respeito e dignidade porque deste lado estão pessoas (sim, nós existimos) com sentimentos. Se o seu comentário descer ao nível do pensamento de um troll pode ficar descansado: será eliminado e não se fala mais nisso."
Hoje vi este pequeno texto no Aventar e, vá lá saber-se porquê, pensei que há muito não via nada mais adequado aqui ao coitado do DV.
"Lei da Rolha"
A lei da rolha existe em todos os partidos, é certo; mas o timing desta alteração de estatutos foi péssimo. Ah, e o facto de existir nos outros partidos não faz dela uma norma respeitável. As ideias das pessoas são - ou deviam ser - mais importantes do que as dos partidos.
16.3.10
Pecados
Hoje fui ver "Love is my sin", uma peça de Peter Brook construída em torno de sonetos de Shakespeare ditos por Michael Pennington* (e Natasha Parry, na sua forma original).
Foi simultaneamente um prazer e uma decepção - Natasha Parry estava doente, pelo que só havia os sonetos ditos por Michael Pennington*; e um prazer porque a qualidade da dicção, a força da encenação, o sentimento que Myers extraiu dos sonetos fizeram daqueles 50 minutos um bom momento. Enfim, quase 50 minutos: para compensar a ausência de Parry a organização juntou um mini-concerto pelo músico que acompanhava a peça completamente dispensável. Melhor teria sido devolverem metade do preço dos bilhetes, em vez da totalidade que pouca gente recuperou, claro.
Foi simultaneamente um prazer e uma decepção - Natasha Parry estava doente, pelo que só havia os sonetos ditos por Michael Pennington*; e um prazer porque a qualidade da dicção, a força da encenação, o sentimento que Myers extraiu dos sonetos fizeram daqueles 50 minutos um bom momento. Enfim, quase 50 minutos: para compensar a ausência de Parry a organização juntou um mini-concerto pelo músico que acompanhava a peça completamente dispensável. Melhor teria sido devolverem metade do preço dos bilhetes, em vez da totalidade que pouca gente recuperou, claro.
* - correcção.
Redifusão - 3
Outra redifusão muito a propósito. Esta de 23 de Março de 2005. Haveria uma coisa a mudar: desta vez já tive 4 dias de sol. Quatro dias de sol em Genève nesta altura do ano é raro; já o frio nem tanto. De qualquer forma parece que a temperatura vai subir. Espero que sim...
"Hoje houve sol, pela primeira vez em meia dúzia de dias. Durou pouco: o cinzento - ou melhor, os cinzentos - destes últimos dias voltaram. Houve-os de todas as gradações possíveis, do quase branco ao quase preto. Podia ser belo - mas hoje é apenas deprimente.
Esta cidade fascina-me: como é que um sítio com tantos ingredientes tão bons - o sistema político (para mim o melhor do mundo), a quantidade de mulheres bonitas (Genève deve ser uma das raras cidades do mundo em que o ratio mulheres feias / mulheres bonitas é inferior a 1), a organização, a oferta cultural, as lojas de discos e as livrarias que esta tem, os mercados, consegue ser tão invivável? Não é só o clima: é esta impressão de que nada se move (e pur si muove), este aspecto refastelado, esta ausência de sensualidade (das ruas, dos prédios, dos cafés, dos bares), esta impressão que tudo, e não só o céu, é cinzento...
Há, porém, momentos fantásticos - e um deles deve estar quase a chegar: é o primeiro dia de calor, o primeiro dia em que as raparigas saiem para a rua despidas as roupas de inverno, e de repente apercebemo-nos que o frio acabou, ou está quase para acabar. As esplanadas enchem-se, as caras sorriem, tudo se torna mais leve, mais claro, parece uma sala à qual se limpou o pó de anos. Hoje foi quase esse dia, quase. No domingo a temperatura vai subir bastante, mas não estarei cá e estará a chover, de qualquer forma.
No Outono acontece o contrário: as raparigas vestem-se e as janelas fecham-se, na cozinha os guizados, os ragoûts e os tintos pesados substituem as saladas e os brancos alegres, e tudo o que durante alguns meses cintilou volta ao normal, cinzento. É como se a luz, a festa, os sentidos, fossem uma interrupção, uma aberração."
"Hoje houve sol, pela primeira vez em meia dúzia de dias. Durou pouco: o cinzento - ou melhor, os cinzentos - destes últimos dias voltaram. Houve-os de todas as gradações possíveis, do quase branco ao quase preto. Podia ser belo - mas hoje é apenas deprimente.
Esta cidade fascina-me: como é que um sítio com tantos ingredientes tão bons - o sistema político (para mim o melhor do mundo), a quantidade de mulheres bonitas (Genève deve ser uma das raras cidades do mundo em que o ratio mulheres feias / mulheres bonitas é inferior a 1), a organização, a oferta cultural, as lojas de discos e as livrarias que esta tem, os mercados, consegue ser tão invivável? Não é só o clima: é esta impressão de que nada se move (e pur si muove), este aspecto refastelado, esta ausência de sensualidade (das ruas, dos prédios, dos cafés, dos bares), esta impressão que tudo, e não só o céu, é cinzento...
Há, porém, momentos fantásticos - e um deles deve estar quase a chegar: é o primeiro dia de calor, o primeiro dia em que as raparigas saiem para a rua despidas as roupas de inverno, e de repente apercebemo-nos que o frio acabou, ou está quase para acabar. As esplanadas enchem-se, as caras sorriem, tudo se torna mais leve, mais claro, parece uma sala à qual se limpou o pó de anos. Hoje foi quase esse dia, quase. No domingo a temperatura vai subir bastante, mas não estarei cá e estará a chover, de qualquer forma.
No Outono acontece o contrário: as raparigas vestem-se e as janelas fecham-se, na cozinha os guizados, os ragoûts e os tintos pesados substituem as saladas e os brancos alegres, e tudo o que durante alguns meses cintilou volta ao normal, cinzento. É como se a luz, a festa, os sentidos, fossem uma interrupção, uma aberração."
Genéve
Em Genève os semáforos não são usados apenas para regular o tráfego; a sua função principal é tornar desagradável e irritante a experiência de conduzir na cidade. Há alguns anos andou uma equipa da Câmara Municipal a ver quais os semáforos que deviam ser dessincronizados - dois semáforos seguidos que à velocidade normal estivessem verdes: pretendia-se que os automóveis parassem a cada sinal que encontrassem no caminho (o que ajuda também a baixar a velocidade média, que é elevada. Conduz-se depressa, porque as ruas estão em óptimo estado de manutenção, bem sinalizadas e convidam a isso).
O objectivo foi plenamente atingido: é praticamente impossível fazer um trajecto de automóvel na cidade sem parar em 90% dos sinais. Ultimamente tenho beneficiado da contrapartida: para os peões a percentagem é quase a oposta, e quando se chega a uma passadeira o sinal ou está verde ou a espera é muito breve.
O objectivo foi plenamente atingido: é praticamente impossível fazer um trajecto de automóvel na cidade sem parar em 90% dos sinais. Ultimamente tenho beneficiado da contrapartida: para os peões a percentagem é quase a oposta, e quando se chega a uma passadeira o sinal ou está verde ou a espera é muito breve.
Subtracções
Cada vez me irrita mais este uso de "adição". Cada adição destas é uma subtracção à nossa língua.
Informação
Num post ali em baixo falo da iniciativa de um cidadão suíço a propósito das remunerações dos administradores de empresas. Nos vinte anos que aqui passei houve votações estranhas, incompreensíveis (para um jovem português), aberrantes. Mas todas têm um mérito: é que o debate público traz uma informação sobre os temas que de outro modo não teríamos, ou seria de difícil acesso. Só por isso a democracia directa seria a melhor opção para Portugal também.
Ao contrário do que muitas vezes se diz, não há nenhuma diferença entre um português e um suíço (excepto a impunidade). De qualquer forma errar é um direito; e é menos provável se for assumido colectivamente.
Ao contrário do que muitas vezes se diz, não há nenhuma diferença entre um português e um suíço (excepto a impunidade). De qualquer forma errar é um direito; e é menos provável se for assumido colectivamente.
Redifusão - 2
E outro, de 21 Março de 2005:
"Não sei o que é o amor; sei contudo o que é amar: é querer-te aqui agora, é querer-te ao meu lado a ouvir esta música, é querer-te ao meu lado no regresso a casa, é pensar em ti quando o que me rodeia é bom e bonito e incompleto, sem ti."
16 de Março de 2006:
"É quando viajamos, ou fazemos amor, que vemos que a evolução não fez bem o seu trabalho - precisamos de mais braços, mais mãos.
Há coisas que não mudam. (Enfim, os posts mudaram, mas muito pouco).
"Não sei o que é o amor; sei contudo o que é amar: é querer-te aqui agora, é querer-te ao meu lado a ouvir esta música, é querer-te ao meu lado no regresso a casa, é pensar em ti quando o que me rodeia é bom e bonito e incompleto, sem ti."
16 de Março de 2006:
"É quando viajamos, ou fazemos amor, que vemos que a evolução não fez bem o seu trabalho - precisamos de mais braços, mais mãos.
Há coisas que não mudam. (Enfim, os posts mudaram, mas muito pouco).
Redifusão
Às vezes apetece-me repescar posts antigos. Aqui vai um, de 13 de Março de 2004, ligeiramente editado:
"Chove a rodos. São as primeiras chuvas. Esperemos que desta vez não haja inundações. No Burundi, quando chovia, podia ver-se o capim a crescer. Enfim, quase: saía-se de casa de manhã e à tarde quando voltávamos a erva tinha crescido uns bons centímetros. Era mágico.
Eu continuo à espera da chuva, a outra, que faz crescer o negócio e prosperar quem nele trabalha. A situação é grave. Enfim, desculpem-me chatear-vos com estas histórias e com a chuva metafórica que se faz esperar. Às vezes a vontade de dizer o que me vai no coração é grande, enquanto oiço os Madrigais do Monteverdi e a chuva não-metafórica continua a cair.
Não serve de nada ir trabalhar: está um tempo para ficar em casa com um bom livro e uma má companhia, e enchermo-nos de cultura, de whisky e de seios.
A chuva cai; violenta, cinzenta, aborrecida, chuva. Em breve as ruas estarão inundadas. A Câmara Municipal refê-las, recentemente, mas utilizou um cascalho demasiado grande, que entope os escoamentos. É preciso dizer que há vinte e cinco anos que as ruas se enchem de água a cada chuvada - mas dantes eram necessárias três ou quatro horas de chuva, e agora uma chega. Ninguém consegue parar o progresso.
A chuva abrandou. Os Madrigais são esplêndidos. Oiço agora um cujo título é apropriado: "Omni amante é guerrier". Lamento não perceber o texto: o título faz crescer água na boca.
"C'était du sang, c'était
ce que tu as répandu, Seigneur.
Ca brillait."
" Nos yeux et notre bouche sont si vides, Seigneur.
Nous avons bu, Seigneur,
Le sang et l'image qui était dans le sang, Seigneur."
Termino com Celan, chave de ouro para um sábado lamuriento e pluvioso.
Maputo, 1999"
"Chove a rodos. São as primeiras chuvas. Esperemos que desta vez não haja inundações. No Burundi, quando chovia, podia ver-se o capim a crescer. Enfim, quase: saía-se de casa de manhã e à tarde quando voltávamos a erva tinha crescido uns bons centímetros. Era mágico.
Eu continuo à espera da chuva, a outra, que faz crescer o negócio e prosperar quem nele trabalha. A situação é grave. Enfim, desculpem-me chatear-vos com estas histórias e com a chuva metafórica que se faz esperar. Às vezes a vontade de dizer o que me vai no coração é grande, enquanto oiço os Madrigais do Monteverdi e a chuva não-metafórica continua a cair.
Não serve de nada ir trabalhar: está um tempo para ficar em casa com um bom livro e uma má companhia, e enchermo-nos de cultura, de whisky e de seios.
A chuva cai; violenta, cinzenta, aborrecida, chuva. Em breve as ruas estarão inundadas. A Câmara Municipal refê-las, recentemente, mas utilizou um cascalho demasiado grande, que entope os escoamentos. É preciso dizer que há vinte e cinco anos que as ruas se enchem de água a cada chuvada - mas dantes eram necessárias três ou quatro horas de chuva, e agora uma chega. Ninguém consegue parar o progresso.
A chuva abrandou. Os Madrigais são esplêndidos. Oiço agora um cujo título é apropriado: "Omni amante é guerrier". Lamento não perceber o texto: o título faz crescer água na boca.
"C'était du sang, c'était
ce que tu as répandu, Seigneur.
Ca brillait."
" Nos yeux et notre bouche sont si vides, Seigneur.
Nous avons bu, Seigneur,
Le sang et l'image qui était dans le sang, Seigneur."
Termino com Celan, chave de ouro para um sábado lamuriento e pluvioso.
Maputo, 1999"
Remunerações
Um empresário e investidor suíço acha que os accionistas não têm suficiente controle sobre as remunerações do administradores das empresas e lançou uma iniciativa popular (um referendo) propondo um limite às remunerações. A coisa provocou alguns remoinhos no Parlamento e no Governo; mas vai ser votada - provavelmente com uma contra-iniciativa (um contra-projecto feito pelo Governo).
Não sei porquê lembrei-me disto hoje, ao ler este post.
PS que não tem nada a ver - apresso-me a esclarecer que sou absolutamente contra uma limitação legal das remunerações, não vá o diabo tecê-las.
Não sei porquê lembrei-me disto hoje, ao ler este post.
PS que não tem nada a ver - apresso-me a esclarecer que sou absolutamente contra uma limitação legal das remunerações, não vá o diabo tecê-las.
Publicidade desinteressada
De um leitor regular e de há muito recebi isto, que divulgo com o maior dos prazeres, e votos de sucesso:
"O Rui e a Goreti estão a promover um evento de degustação de vinho em Tavira - Tavira Wine Experience - numa parceria com o café Arcada, ao fim da tarde das quintas-feiras.
O primeiro evento, que se espera que seja o primeiro de muitos, a decorrer nesse espaço será no dia 1 de abril a partir das 18:00.
Parece-me interessante. E é bom que existam pelo menos algumas iniciativas que quebrem as rotinas estabebelecidas nestas terras do Sul.
Espreitem aqui o conceito: http://tavirawineexperience. blogspot.com/ Se vos agradar, apoiem, diivulguem e apareçam.
Se bem os conheço, vai valer a pena."
Acredito que sim.
"O Rui e a Goreti estão a promover um evento de degustação de vinho em Tavira - Tavira Wine Experience - numa parceria com o café Arcada, ao fim da tarde das quintas-feiras.
O primeiro evento, que se espera que seja o primeiro de muitos, a decorrer nesse espaço será no dia 1 de abril a partir das 18:00.
Parece-me interessante. E é bom que existam pelo menos algumas iniciativas que quebrem as rotinas estabebelecidas nestas terras do Sul.
Espreitem aqui o conceito: http://tavirawineexperience.
Se bem os conheço, vai valer a pena."
Acredito que sim.
Uma má notícia
Afinal, o TC acha que o contrato está bem feito. Parece uma brincadeira de mau gosto - se aquilo é um bom contrato, eu não sei o que é um mau.
Mas o ponto principal pelo qual nos devemos bater é que se deve fazer um estudo comparativo e abrangente sobre a utilização a dar àquela área. O contrato era um aspecto secundário. Se bem ainda esteja sem ar e sem palavras.
Bom senso, justiça, eficiência et al.
É uma pena viver-se num país em que coisas tão óbvias como esta têm de ser escritas. Há muitos, eu sei; mas com mal dos outros posso eu bem.
"O Estado deve despedir funcionários"
15.3.10
PSDesgraça
Tudo isto para não falar nesta desgraçada norma feita pelo Pedro para o Pedro (e aprovado por 2/3 dos congressistas, verdade seja dita, por muito que custe).
Ruas
Genève: ruas tão bem alcatroadas e tão limpas que dão vontade de nos deitarmos nelas, e dormir uma boa sesta.
14.3.10
13.3.10
Luz fria
Genève: luz fria, leitosa, branca. Uma luz que às vezes é inquietante e outras insípida; depende do nosso estado de espírito. O velho sentimento: é bom chegar a Genève; mas não poderia ficar (je ne saurais y rester, na bela e tão exacta formulação antiga).
É quando chego - sobretudo após uma tão longa ausência - que me apercebo quão bem conheço esta cidade, quanto aqui vivi.
É quando chego - sobretudo após uma tão longa ausência - que me apercebo quão bem conheço esta cidade, quanto aqui vivi.
12.3.10
Comme un enfant devant le feu
"Je suis devant ce paysage féminin
Comme un enfant devant le feu".
Estes versos de Éluard descrevem provavelmente aquilo que as pessoas pensam quando me vêem perante um balcão de queijos num supermercado suíço.
Comme un enfant devant le feu".
Estes versos de Éluard descrevem provavelmente aquilo que as pessoas pensam quando me vêem perante um balcão de queijos num supermercado suíço.
Medeiros
Eu pensava que estava vacinado contra as aberrações dos nossos políticos, a sua arrogância, a sua indiferença para com as pessoas que os elegeram e - sobretudo - lhes pagam, mesmo não os tendo elegido. Mas este video demonstrou-me que não, ainda não estou.
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