O meu train-train quotidien é um roller-coaster. Fancy a ride?
29.9.04
28.9.04
Caloteiros
Ouve-se, e lê-se, frequentemente que "o Estado Português é o maior dos caloteiros". Eu não partilho inteiramente essa opinião: porque atrás do Estado estão pessoas, e são pessoas que tomam as decisões de pagar ou não pagar. Seria, a meu ver, mais correcto dizer-se que "no Estado Português trabalham muitos caloteiros, e o Estado não só os alberga como os cauciona".
24.9.04
Cuba e a vida
"Cuba resolveu três grandes problemas: a saúde, a educação e a desigualdade social. Agora só tem três pequenos problemas por resolver: o pequeno almoço, o almoço e o jantar".
O amor e o afecto
No post anterior digo que se faz, muita gente faz, frequentemente confusão entre o amor e o afecto. É verdade que é mais fácil dizer "amo-te" do que "afecto-te" - e se bem que por vezes essa admirável simetria exista realmente, muitas outras vezes "Amo-te" significa realmente "afecto-te?". E a resposta é, ou pode ser: "Não"...
Descoberta
Pouco a pouco ia descobrindo que uma vida sexual activa e satisfatória não o compensava do vazio afectivo no qual, lenta mas inexoravelmente, ele caía. Um aviso atempado de A. veio, felizmente, chamar-lhe a atenção para o falhanço das suas estratégias inconscientes de procura de amor. "Nada como procurá-lo aberta, activa, metodicamente" decidiu naquele dia nefasto. "Afinal as estratégias e os atalhos da sedução não te são estranhos. Basta adaptá-los às necessidades específicas do afecto, a que vulgarmente se chama amor. E a verdade é que estás perto, muito perto. Basta querer."
Mas querer não chega. Melhor que ninguém, ele sabia-o. E a sua vida era de novo um jogo de gato e rato entre o afecto e a distância. O afecto - a que ele, frequente e erradamente chamava amor - era uma vertigem, na qual a distância mergulhava, se afundava, vinha à superfície, ofegava, afogava-se; "sou um pêndulo, e como pêndulo que sou não sei, não posso, resolver num só estes dois pólos da minha vida". O aviso de A. veio-lhe de novo à memória: "Que sorte têm, as pessoas para quem a geografia dos afectos nada tem com os afectos da geografia", pensou.
Nesse dia comprou um bilhete de avião para Toulouse; o abismo refez-se, a vertigem, a vertigem continuou - mas o deserto floriu. O aviso de A. tinha sido uma benção. Descobrira, - redescobrira (mas por quanto tempo?) - que a memória de um olhar vale o olhar da memória, e que o mesmo se pode dizer do afecto, da distância, de uma pele, um ventre, uma carícia, uma voz, uma canção.
Mas querer não chega. Melhor que ninguém, ele sabia-o. E a sua vida era de novo um jogo de gato e rato entre o afecto e a distância. O afecto - a que ele, frequente e erradamente chamava amor - era uma vertigem, na qual a distância mergulhava, se afundava, vinha à superfície, ofegava, afogava-se; "sou um pêndulo, e como pêndulo que sou não sei, não posso, resolver num só estes dois pólos da minha vida". O aviso de A. veio-lhe de novo à memória: "Que sorte têm, as pessoas para quem a geografia dos afectos nada tem com os afectos da geografia", pensou.
Nesse dia comprou um bilhete de avião para Toulouse; o abismo refez-se, a vertigem, a vertigem continuou - mas o deserto floriu. O aviso de A. tinha sido uma benção. Descobrira, - redescobrira (mas por quanto tempo?) - que a memória de um olhar vale o olhar da memória, e que o mesmo se pode dizer do afecto, da distância, de uma pele, um ventre, uma carícia, uma voz, uma canção.
23.9.04
Grandes verdades
"Amor à primeira vista existe cientificamente", destaca o jornal gratuito Destak. "O amor à primeira vista, de que as pessoas mais românticas costumam falar e no qual acreditam, foi comprovado cientificamente por especialistas da universidade de Ohio (Estados Unidos). O estudo explica que as pessoas decidem qual o tipo de relação que querem após breves instantes de se encontrarem com outra pessoa...". Grande verdade: cada vez que me encontro com uma jovem senhora feita como a Jennifer Lopez decido instantaneamente qual o tipo de relação que quero ter com ela. E continua: "... O co-autor do estudo, Artemio Ramirez, explicou que os resultados sugerem que as pessoas não querem perder tempo...". Outra grande verdade! Jennifer, leste o artigo?
"On n'oublie rien...
...on s'habitue, c'est tout", diz uma canção francesa (ou deveria dizer belga?) muito bonita, de resto. Se fosse portuguesa, diria "on n'exige rien, on s'habitue à tout".
22.9.04
O amor e a história
Será que há amor sem história? Para ser, precisa o amor de um passado? E de um futuro? "Uma história de amor" é uma redundância?
Dias
Há dias assim: começam com uma boa notícia; e a esta outras se vão juntando, como afluentes a um rio que percorre, até à foz, um tempo alegre, leve, gostoso. E a foz desse rio, deste dia, és tu, serás tu. És para onde as horas fluem, as águas correm.
20.9.04
O que poderia ter sido...
... importa pouco; o que será também: de ambos nada sabemos, nada podemos.
Nuno Júdice, "O Estado dos Campos"- só mais um...
"Em Frente do Mar"
"Pergunto a mim próprio em que noite nos perdemos?,
que desencontro nos levou de um a outro lado das
nossas vidas? e que caminhos evitámos para que os nossos
passos se não voltassem a cruzar? Mas as perguntas que
te faço, hoje, já não têm resposta. Sento-me contigo,
nesta mesa da memória, e partilho o prato da solidão. Tu,
na cadeira vazia onde te imagino, sacodes o cabelo com
um aceno de ironia. E dou-te razão: as coisas podiam
ter sido de outro modo. Não te disse as palavras que
esperaste; e havia o mar, com as suas ondas, nessa tarde
em que me puxaste para longe da cidade, como se
a noite não nos obrigasse a voltar, quando o horizonte
se apagou à nossa frente. Depois disso, nenhuma
pergunta tem resposta. O que é absurdo há-de continuar
absurdo, como o horizonte não se voltou a abrir,
trazendo de volta os teus olhos que me pediam que
os olhasse, até que a noite me impedisse de o fazer."
"Pergunto a mim próprio em que noite nos perdemos?,
que desencontro nos levou de um a outro lado das
nossas vidas? e que caminhos evitámos para que os nossos
passos se não voltassem a cruzar? Mas as perguntas que
te faço, hoje, já não têm resposta. Sento-me contigo,
nesta mesa da memória, e partilho o prato da solidão. Tu,
na cadeira vazia onde te imagino, sacodes o cabelo com
um aceno de ironia. E dou-te razão: as coisas podiam
ter sido de outro modo. Não te disse as palavras que
esperaste; e havia o mar, com as suas ondas, nessa tarde
em que me puxaste para longe da cidade, como se
a noite não nos obrigasse a voltar, quando o horizonte
se apagou à nossa frente. Depois disso, nenhuma
pergunta tem resposta. O que é absurdo há-de continuar
absurdo, como o horizonte não se voltou a abrir,
trazendo de volta os teus olhos que me pediam que
os olhasse, até que a noite me impedisse de o fazer."
Nuno Júdice, outra vez - "O Estado dos Campos"
"Migrações" (fragmento)
"Um dia pensarei que passei por ti como passam os pássaros
por este campo que há-de tornar-se seco, no inverno; e que a
primavera que vivemos não há-de voltar, ao contrário dessa
que todos os anossucede ao inverno, trazendo consigo esses
pássaros de que me lembro ao pensar que estou sem ti, agora
que todas as viagens chegaram ao fim, e uma pausa se prolonga
até se tornar definitiva. ... "
"Um dia pensarei que passei por ti como passam os pássaros
por este campo que há-de tornar-se seco, no inverno; e que a
primavera que vivemos não há-de voltar, ao contrário dessa
que todos os anossucede ao inverno, trazendo consigo esses
pássaros de que me lembro ao pensar que estou sem ti, agora
que todas as viagens chegaram ao fim, e uma pausa se prolonga
até se tornar definitiva. ... "
Nuno Júdice
"A noite ajuda-me, enquanto te espero. Quando virá a
próxima madrugada? A luz ainda pálida, o céu de astros
pisados, um cansaço de corpos na erupção do sol?
"Cena de Campo" (fragmento) in O Estado dos Campos, Dom Quixote, Lisboa 2003
próxima madrugada? A luz ainda pálida, o céu de astros
pisados, um cansaço de corpos na erupção do sol?
"Cena de Campo" (fragmento) in O Estado dos Campos, Dom Quixote, Lisboa 2003
Convite
Naquela noite convidou o vento para sair, para ir beber um copo, para "quebrar a solidão", na bonita expressão de um país da Àfrica Central. Mas o vento disse-lhe que não: tinha uns barcos à vela para fazer andar, umas vagas para levar ao outro lado do mundo, uns segredos para dizer.
Voltou para casa cabisbaixo. "O passado nunca mais acaba", pensou. "Para quando o futuro - ou o hoje, quanto mais não seja? Estou farto deste ontem que nunca mais deixa de o ser".
Voltou para casa cabisbaixo. "O passado nunca mais acaba", pensou. "Para quando o futuro - ou o hoje, quanto mais não seja? Estou farto deste ontem que nunca mais deixa de o ser".
Le Clézio, Le Livre des Fuites - fin
« L’horreur n’est pas inimaginable, elle n’as pas les faces des monstres ou les ailes de chauve-souris des démons. Elle est calme et tranquille, elle dure longtemps, des jours et des nuits, des mois, des années peut-être. Elle n’est pas mortelle. Elle frappe aux yeux, aux yeux seulement. »
« Dans le village où régnait l’abominable paix, Jeune Homme Hogan attendit l’autobus.
Les vraies vies n’ont pas de fin. Les vrais livres n’ont pas de fin ».
« Dans le village où régnait l’abominable paix, Jeune Homme Hogan attendit l’autobus.
Les vraies vies n’ont pas de fin. Les vrais livres n’ont pas de fin ».
Le Clézio, Le Livre des Fuites - encore
“Il n’y a jamais assez de mer pour les visages aigus des bateaux”
Le Clézio, Le Livre des Fuites - encore
« Laure, c’est ici, j’ai trouvé. Je crois que je ne fuirai plus jamais. J’ai semé mes ennemis, définitivement. Al Capone, Custer, Mangin, Mac Namara, Attila, Pizarro, De Soto, Bonaparte, tu sais, tous mes ennemis. Et puis Chevrolet, Panhard, Ford, Alfa Roméo. Tous ceux qui voulaient ma peau. Ils ont perdu ma trace, je crois. C’est un miracle. Et le général Beau, le colonel Bon, le maréchal Vrai. L’amiral Mal. Le chef de bataillon Dieu, le capitaine Satan. Tous, qui me traquaient. Avec leurs uniformes. Avec leurs sabres. Tous mes ennemis à lunettes noires, avec leurs cravates à raies e leurs cheveux peignés. Et les femmes Rimmel, Mascarat, Jarretelles. Celles qui me guettaient du fond des pages glacées de magazines, avec leurs corps aiguisés, avec leurs seins, avec leurs jambes en forme de lances. Celles qui avaient des yeux d’acier, des cils noirs, et des lèvres couleur de corail. Elles qui me tendaient leurs pièges méprisants, et qui riaient de me voir trébucher. Les femmes Amour, les femmes Douce, Belle. Jamais elles ne viendront jusqu’ici. Leurs yeux ne supporteraient pas la lumière intense qui explose partout. Leurs oreilles ne supporteraient pas le silence. Leurs cheveux d’or ne supporteraient pas la poussière. Je suis libre, presque libre.
... »
J.M.G. Le Clézio, in Le Livre des Fuites, ed. Gallimard
... »
J.M.G. Le Clézio, in Le Livre des Fuites, ed. Gallimard
União Europeia, França, etc.
Creio que no Expresso, leio um texto de Jorge Fiel que defende a peregrina ideia de Sarkozy, Sarko para os íntimos, de não autorizar a transferência de fundos estruturais da UE para países com taxas de fiscalidade inferiores à média europeia. Claro que isto é para consumo interno e não tem hipóteses de passar, mas reflecte duas ou três coisas interesssantes.
A primeira é que a França continua a querer exportar os seus problemas. A taxa fiscal não é senão uma das muitas razões que levam as empresas estrangeiras a não querer investir em França. Há mais, muitas mais: a absurda lei das 35 horas, a ainda mais absurda taxa de encargos sociais, a absurda legislação laboral, a absurda tradição dos conflitos sociais (em França, a greve não é o último recurso, é o primeiro); mas o Senhor Sarkozy decide que o problema é unicamente a fiscalidade e, em vez de olhar de frente para o seu país, atira os problemas para cima dos outros.
Que isto lhe dê votos em França é triste, mas compreensível, ou inevitável, se preferirem. Agoraque haja comentadores estrangeiros a aceitar este género de medidas deixa-me aterrorizado. Em breve, teremos a legislação francesa, não? Afinal, porquê parar na fiscalidade? E teremos as 35 horas, os encargos sociais, os dinossáuricos sindicatos franceses, que sais-je?
A primeira é que a França continua a querer exportar os seus problemas. A taxa fiscal não é senão uma das muitas razões que levam as empresas estrangeiras a não querer investir em França. Há mais, muitas mais: a absurda lei das 35 horas, a ainda mais absurda taxa de encargos sociais, a absurda legislação laboral, a absurda tradição dos conflitos sociais (em França, a greve não é o último recurso, é o primeiro); mas o Senhor Sarkozy decide que o problema é unicamente a fiscalidade e, em vez de olhar de frente para o seu país, atira os problemas para cima dos outros.
Que isto lhe dê votos em França é triste, mas compreensível, ou inevitável, se preferirem. Agoraque haja comentadores estrangeiros a aceitar este género de medidas deixa-me aterrorizado. Em breve, teremos a legislação francesa, não? Afinal, porquê parar na fiscalidade? E teremos as 35 horas, os encargos sociais, os dinossáuricos sindicatos franceses, que sais-je?
17.9.04
Dor de corno
Aquilo a que vulgo se chama "dor de corno" é um sentimento desagradável, muito desagradável, quando nos é provocado por uma jovem senhora; mas quando a sua causa é um país, o nosso país, torna-se intolerável, insuportável.
No caso da senhora, ainda a podemos trocar por mil outras, esquecê-la, tentar convencê-la a mudar de ideias e olhar de novo para nós, enfim, podemos lutar. Mas como lutar contra o sentimento de rejeição causado por um país que amamos? Não podemos alterar o facto singelo de lá termos nascido, mesmo se mudarmos de nacionalidade; não o podemos esquecer, porque não podemos esquecer anos inteiros da nossa vida; não podemos convencê-lo a apreciar-nos, porque ele nem sabe que existimos, e passa muito bem sem nós.
Que força é necessária para não caírmos no ressentimento...
No caso da senhora, ainda a podemos trocar por mil outras, esquecê-la, tentar convencê-la a mudar de ideias e olhar de novo para nós, enfim, podemos lutar. Mas como lutar contra o sentimento de rejeição causado por um país que amamos? Não podemos alterar o facto singelo de lá termos nascido, mesmo se mudarmos de nacionalidade; não o podemos esquecer, porque não podemos esquecer anos inteiros da nossa vida; não podemos convencê-lo a apreciar-nos, porque ele nem sabe que existimos, e passa muito bem sem nós.
Que força é necessária para não caírmos no ressentimento...
Valência
Valência, a cidade espanhola que ganhou a America's Cup em detrimento de Lisboa / Cascais, é uma cidade de 800,000 habitantes inesperadamente bonita. A cidade desenvolveu-se ao longo das margens de um rio cujo nome não retive. Há vinte e cinco anos esse rio foi desviado para sul do perímetro urbano, e o leito transformado em jardins, parques, espaços culturais. As pontes, novas e modernas, continuam no sítio: o efeito é estranho, uma ponte sobre um jardim.
As avenidas, pelo menos as principais, são largas e arborizadas; os prédios antigos, ricos. Os preços são bastente inferiores aos praticados em Madrid e Barcelona, e em muitos casos aos de Lisboa.
Para comer: fui a três restaurantes - um medíocre, na praia, um bom, e um óptimo, ambos na zona velha da cidade. Chama-se Valentina, é na Calle Correos, 14, e tem uns magníficos arrozes - tanto tradicionais como "de autor". Um excelente arroz à Valenciana - provavelmente o primeiro que como que coincide com as opiniões de Manuel Vasquez Montálban, grande escritor e gastrónomo - custa, no Valentina, um restaurante bonito, toalhas e guardanapos de pano, serviço atencioso e profissional, doses grandes, Euros 8,60. Foi acompanhado por um Rioja Crianza leve, frutado ma non troppo, com um ataque não muito marcado mas que uma vez na boca explodia em sabores, a 14 euros a garrafa.
A oferta cultural pareceu-me fraca, mas não fiz uma busca atenta e aprofundada.
Ao contrário de Portugal, os contactos profissionais são rápidos, descontraídos, com pouco tempo perdido em Salam Alaeikoum. Foi-nos dado um prazo para a resposta - dia 24 de Setembro, ou seja, cerca de uma semana depois da reunião. Isto é a comparar com os 3 e 4 meses que espero por uma resposta do Clube Naval de Cascais, com o tempo que me leva agendar uma reunião na Marina de Cascais, com o formalismo necessário para falar com os Srs. Drs que gerem o CNC.
Se tudo correr bem, para o ano vou viver para Valência. Inch'Allah.
As avenidas, pelo menos as principais, são largas e arborizadas; os prédios antigos, ricos. Os preços são bastente inferiores aos praticados em Madrid e Barcelona, e em muitos casos aos de Lisboa.
Para comer: fui a três restaurantes - um medíocre, na praia, um bom, e um óptimo, ambos na zona velha da cidade. Chama-se Valentina, é na Calle Correos, 14, e tem uns magníficos arrozes - tanto tradicionais como "de autor". Um excelente arroz à Valenciana - provavelmente o primeiro que como que coincide com as opiniões de Manuel Vasquez Montálban, grande escritor e gastrónomo - custa, no Valentina, um restaurante bonito, toalhas e guardanapos de pano, serviço atencioso e profissional, doses grandes, Euros 8,60. Foi acompanhado por um Rioja Crianza leve, frutado ma non troppo, com um ataque não muito marcado mas que uma vez na boca explodia em sabores, a 14 euros a garrafa.
A oferta cultural pareceu-me fraca, mas não fiz uma busca atenta e aprofundada.
Ao contrário de Portugal, os contactos profissionais são rápidos, descontraídos, com pouco tempo perdido em Salam Alaeikoum. Foi-nos dado um prazo para a resposta - dia 24 de Setembro, ou seja, cerca de uma semana depois da reunião. Isto é a comparar com os 3 e 4 meses que espero por uma resposta do Clube Naval de Cascais, com o tempo que me leva agendar uma reunião na Marina de Cascais, com o formalismo necessário para falar com os Srs. Drs que gerem o CNC.
Se tudo correr bem, para o ano vou viver para Valência. Inch'Allah.
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Restaurantes Valencia
Portugal
Viagem de trabalho a Valência. Quando se compara Espanha com Portugal, a ideia que se tem não é que Portugal parou: é que paralisou. Portugal é um país paralisado, enredado numa teia de problemas que criou e que não quer - porque saberia e poderia, se quisesse - resolver.
Mais um
Gosto desesperadamente de Portugal, mas Portugal não gosta de mim. Mais um amor não correspondido...
11.9.04
Bebida
Ando a tentar deixar de beber, mas é bastante difícil. A verdade é que comecei a beber por motivos religiosos: era ajudante na missa.
10.9.04
Nepotismo
Pessoalmente, nada tenho contra o nepotismo, antes pelo contrário: parece-me bastante natural. O problema é que parece só beneficiarem dele os incompetentes e incapazes. Os Ministros e Vereadores das Câmaras Municipais não terão irmãos, primos e cunhados competentes?
8.9.04
Red Line
Este artigo, que encontrei no Jaquinzinhos, talvez seja sinal de que o Islão atravessou a Linha Vermelha, e se apercebe disso. É o primeiro passo. Inch'Allah.
7.9.04
Sol
Ela tinha um milhão de sóis dentro de si - e naquele dia parecia que todos tinham tido uma irrupção ao mesmo tempo.
Le Monde, realpolitik, e al.
Não costumo ler o Monde, jornal que, se bem de qualidade, está demasiado à esquerda para o meu gosto. O editorial de ontem, contudo, merece ser lido. A ausência de valores na política, ou a política da ausência de valores, é sempre nojenta, claro, seja ela francesa ou chinesa ou russa ou americana. Mas neste caso parece-me não só nojento, de um ponto de vista moral, mas também perigoso e contraproducente, a prazo.
Ainda sobre o tema da realpolitik, terrorismo, democracia, e relações entre eles, o artigo de Teresa de Sousa no Público de hoje é bastante interessante.
Não gosto de Chirac - acho que o lugar dele era num tribunal a defender-se e não no Elisée - mas não posso deixar de pensar que, como de costume, a Europa também meteu os pés pelas mãos, e a presidência holandesa teve que recuar num simples "pedido de explicações", por falta de apoio do paises-membros. A Europa não se está a construir como uma soma de forças, mas sim como uma subtracção de fraquezas.
Ainda sobre o tema da realpolitik, terrorismo, democracia, e relações entre eles, o artigo de Teresa de Sousa no Público de hoje é bastante interessante.
Não gosto de Chirac - acho que o lugar dele era num tribunal a defender-se e não no Elisée - mas não posso deixar de pensar que, como de costume, a Europa também meteu os pés pelas mãos, e a presidência holandesa teve que recuar num simples "pedido de explicações", por falta de apoio do paises-membros. A Europa não se está a construir como uma soma de forças, mas sim como uma subtracção de fraquezas.
País feliz- II
No Público de hoje, esta notícia. Aqui está uma coisa que devia fazer pensar os senhores e senhoras que tão preocupados estão com o Women on Waves, e que andaram pelas ruas a festejar os êxitos futebolistas de Portugal.
6.9.04
Anneliese - I
- - Shhhhiu, não faças barulho…
Fazia amor a Anneliese, uma grande alemã com grandes olhos azuis, grandes pernas e grandes seios enquanto Gianni, seu marido, dormia ao lado dela na cama. O quarto estava completamente às escuras; o colchão deles, no chão, não era muito espesso. Bastava-lhe pôr o rabo um bocadinho para fora da cama e ficava ao meu alcance, deitado de lado no chão. Eu sabia que o menor barulho acordaria o senhor e pedia a todos os deuses que Anneliese se controlasse. Ele era grande, também, e um bom atleta, os músculos hebdomadariamente trabalhados no ginásio “California” do quarteirão.
- - Sshhhhiu, não faças barulho…
Esta mistura de perigo, invisibilidade, silêncio e imobilidade quase total duplicavam o meu prazer, e o dela também. Anneliese mexia o rabo muito devagarinho, muito pouco, mas a cada movimento uma descarga eléctrica atravessava-me o corpo. Eu mantinha uma mão na boca dela. Com a outra, percorria o seu corpo grande como um longo petroleiro, mas branco. Nas ancas, a temperatura do corpo parecia aumentar, como se o calor que vinha do sexo chegasse à superfície – é assim que os vulcanólogos prevêm as erupções vulcânicas, a temperatura à superfície da terra aumenta devido ao aumento de pressão. Anneliese gostava de se masturbar enquanto eu a penetrava e com dois dedos apertava-me o membro – o que dizia ela, me proporcionava as vantagens da sodomia juntamente com as da penetração “normal”. Eu não estava completamente de acordo, mas de momento só pensava no marido, que tinha um cargo elevado num dos bancos privados mais alto de gama de Genebra e era, acessoriamente, o ser mais arrogante que eu jamais tinha encontrado. Ou pelo menos parecia-me. E pensava na Anneliese, no seu corpo tão sólido e bonito.
Nunca imaginara, no início da nossa aventura, que um dia a viria a amar tanto, tão completa e cegamente.
- - Shhhhiu, não faças barulho…
O ritmo da respiração de Anneliese acelerava-se. O cheiro doce do sexo espalhava-se pelo quarto, pela cidade, pela noite toda. Ela já tinha tido um orgasmo nessa noite e eu imaginava a dificuldade que tinha em conter-se: normalmente fazia muito barulho, arranhava-me as costas e dava pontapés no ar como para esconjurar os diabos e a má cosnciência. Amava o marido, pelo menos assim mo dizia, e nunca o tinha enganado antes. A sua pele branca estava fosforecente.
Ter que controlar-se era um sofrimento para ela : decidi-me a acabar, um pouco a custo. Queria continuar, imóvel como um chinês, mas não podia correr o risco de o Gianni acordar, acender a luz e ver-me na mulher.
- A próxima vez tenho que tirar a tomada da lâmpada. – Foi a última coisa que pensei antes do orgasmo. Há qualquer coisa de especial numa ejaculação que veio de uma forma tão controlada, tão voluntária, tão reflectida, em que tivémos tempo de degustar cada sensação como um provador de vinho degusta cada gole. Anneliese queria sair da cama: fiz-lhe sinal que não. Voltou-se para mim e começou a acariciar-me o sexo, ainda quente, molhado, meio-tenso. Nas orelhas, os seus lábios diziam-me, sem que um som deles saísse, que queria mais.
Anneliese e Gianni eram meus vizinhos : moravam no segundo andar do prédio grande, velho e imponente no qual eu há muitos anos vivia. Ela era de Düsseldorf, uma das poucas cidade alemãs de que gosto. Falámos do Dr. Jazz, um bar agora fechado cuja dona tinha uma voz que fazia o Louis Armstrong passar por castrato, e de como aquela cidade tão burguesa na aparência pode e sabe divertir-se ao menor pretexto. Duas noites depois de se terem mudado, ouvi um barulho por cima de mim, em plena noite. Parecia que havia um rato entre os dois andares, mas em breve o barulho terminou e apercebi-me que faziam amor. Era um pouco triste: tic tic tic e hop, acabou. Tic tic tic. Ouvia aquele barulho cerca de duas vezes por mês, e ao princípio aquilo divertia-me. Mas depois começou a encher-me de ciúmes, uns ciúmes doentios que vinham juntar-se a todos os outros motivos que eu encontrava, contra minha vontade, para detestar o Gianni : o seu dinheiro, a sua beleza, a sua mulher, que vim a amar ao ponto de entrar no quarto conjugal à noite para lhe fazer amor, pensando a cada movimento “este é para o teu banco”, “este é para o teu Porsche” – o que me irritava profundamente porque não sou, nunca fui, invejoso, e detestava a ideia de não conseguir controlar aquele sentimento. Pelo menos até conhecer este metro e oitenta de loira rugidora, loira como as que nos livros nos fazem sonhar e no cinema desejamos.
Uma noite encontrei-os na entrada do prédio e convidei-os para jantar, de improvisto. Já nos tínhamos cruzado várias vezes, e algums delas parava para falar com o Gianni nas escadas. Eles aceitaram; durante o jantar, involuntariamente, toquei com o meu pé no pé dela. Antes de ter tempo de me aperceber, senti os dois pés dela em torno do meu. Com o marido eu partilhava as ideias políticas, o gosto pela comida e pelos bons vinhos e mais nada: eu era, fui durante muito tempo, um pobre sem cheta, a tentar anos sem fim fazer um nome no teatro e obrigado a sobreviver servindo copos nos bares in de Genebra. O insucesso, a amargura, a falta de dinheiro tinham afastado de mim as mulheres. Tinha a impressão de não ter vivido a minha vida. Esta não passava de um permanente esboço, sem nada que a concretizasse, a tornasse real. Perguntava-me se um dia poderia começar a vivê-la em versão definitiva... A perspectiva de uma aventura, vindicativa e passageira, com a bonita burguesa do andar de cima, atraída por um artista boémio, barrigudo e careca pareceia-me cativante. O marido dela viajava muito, eu tinha muito tempo livre e ela trabalhava a tempo parcial: não se podia pedir melhor concurso de circunstâncias. O que eu não tinha previsto era que me enamoraria dela a este ponto, doentio.
No dia seguinte ao jantar ela veio bater-me à porta. Fomos imediatamente para a cama, sem uma palavra. Anneliese urrava como se um incêndio se tivesse declarado num depósito de dinamite. O marido ia ouvir-nos, onde quer que estivesse.
- Não sejas infantil: ele está em Londres – respondeu-me. Não nada mais contraditório do que a aparência de uma mulher alemã e o que ela se torna enquanto faz amor. Nunca vi mulheres à procura de prazer tão metodicamente, tão vorazmente, tão ferozmente como elas. Anneliese gostava de se acocorar em cima de mim. Via o meu sexo entrar e sair dela como se estivesse a dar-me à luz a cada movimento. Masturbava-se com as duas mãos e olhava para mim, atenta. Ela controlava a velocidade e os movimentos com uma precisão diabólica, e foi assim que a imagem do escanção me apareceu pela primeira vez, porque o seu sexo dava a impressão de degustar o meu como nos manuais do perfeito provador de vinhos, começar pelos lábios, fazer rodar na boca, aspirar por dentro para o arrière bouche. E de cada vez que o meu sexo se enterrava nela perguntava-me se o poderia tirar ou se ela o ia guardar para mais tarde.
- Burro. Sem ti o teu sexo não vale nada.
- Porque é que com o Gianni não fazes barulho? – Já lhe tinha falado do “passos de rato” no tecto do meu quarto.
- Cala-te. Não se fala no Gianni.
Ela recusava-se a falar no marido, sinal que ainda não estava à vontade com o adultério. Por vezes era eu que subia a casa deles. Até que uma noite estava de tal maneira possesso de vontade dela que lhes entrei pelo quarto dentro, sexo em riste, depois de me ter despido no corredor, a cada instante à espera de ouvir a voz grave de Gianni. Anneliese dormia do lado da janela : percorrer o quarto pé ante pé, retendo a respiração, com uma erecção tal que já não tinha só medo de acordar o Gianni, mas de o trespassar foi uma prova interminável. Uma vez, na brincadeira, tínhamos falado na hipótese de se fazer amor assim, e tínhamos chegado à conclusão que era impossível. Contudo Anneliese não mostrou uma grande surpresa quando a acordei. Antes pelo contrário: parecia que me esperava. Com o meu sexo tocava muito levemente no dela, levemente, levemente. Sem um ruído, sem um movimento brusco, a minha mão na sua boca, esfregava o vulcão até sentir a lava aquecer. Entrar nela foi questão apenas de um movimento um pouco mais acentuado. O seu primeiro orgasmo fez Gianni mexer-se na cama. Ela põs-lhe uma mão no peito e ele adormeceu outra vez. E agora o segundo orgasmo aproximava-se e eu via a asneira em que me estava a meter. Mas a cada movimento milimétrico do seu pélvis eu mandava o marido ao diabo, e o Porsche e o banco e o dinheiro e pedia silenciosamente a esta mulher por quem estava pronto a deitar-me da ponte abaixo que deixasse tudo e viesse viver comigo - de qualquer forma eu teria que mudar de casa, já não suportava mais ver o grande mentecapto com um sorriso beato e novidades do último restaurante na moda onde tinha ido comer com A, B ou C. (e a minha senhoria não suportava mais as rendas em atraso).
A cadência dos passeios de ratinho tinha diminuído. Não faziam agora amor mais do que uma vez por mês; se se pode chamar àquilo fazer amor: tic tic tic tic tic. Nada de crescendi, nada desses magníficos hurros de teutão que acaba de consquistar o seu espaço vital, nada de excessos. Tic tic tic tic tic. Contudo, os meus ciúmes aumentavam, em vez de diminuir, e aquilo era-me cada vez mais insuportável. Nunca tinha sido ciumento, nunca tinha sido invejoso, Gianni no fundo era simpático, e eu tivera, antes da minha loucura pela Anneliese começar, bastante prazer em conversar com ele. Falávamos de política, de vinhos, de restaurantes – ele gostava de comer e tinha dinheiro para ir aos restaurantes de cuja existência eu só tomava conhecimento pelos jornais – e eu falava-lhe de livros, de teatro, de peças que estavam em cartaz na cidade: ele não era muito culto mas interessava-se por esse mundo, que lhe era totalmente estranho. Raramente mencionávamos temas pessoais. Anneliese assistia às nossas conversas, e intervinha frequentemente.
- Anneliese, estou doido por ti, deixa o teu marido – dizia-lhe.
- Estás doido ? E quem é que me vai dar de comer ? Com o dinheiro que ganhas nem o pequeno almoço eu poderia comprar.
- Nem jóias, casacos de pele ou Porsches. Ao diabo o luxo.
- Tu és doido, mas eu não sou. Fazes bem amor, mas é tudo. Não estou apaixonada por ti, e duvido muito que um dia venha a estar.
- Porque gosto tanto de ti?
- Porque só estás comigo quando o meu marido não está cá. Se estivesses comigo todos os dias não gostarias tanto de mim.
- Um dia ele vai saber. Um dia far-te-ei amor com ele ao lado.
- Pois, e ele dá-te um murro e tu perdes essa arrogância estúpida. – Anneliese sabia que eu detestava que dissessem que sou arrogante; quem poderia sê-lo nas minhas condições?
- Não sou arrogante. Ele é que é.
- Talvez, mas ele pelo menos tem razões para isso. Tu, só tens as tuas proezas sexuais, e essa esperança idiota de um dia seres reconhecido no teatro. Não chega para te amar. Por falar nisso, já encontraste fundos para montar esse teu último projecto? – Ela dizia aquilo para me magoar, porque estava perfeitamente a par da minha situação. De resto eu passava a vida à procura de fundos, e não sabia porque não desistia. Acho que era por falta de imaginação, ou de amor próprio. Ou então porque acreditava naquele aspirante a cantor que me dissera um dia "é a perseverância que paga, não o talento."
Cont.
Fazia amor a Anneliese, uma grande alemã com grandes olhos azuis, grandes pernas e grandes seios enquanto Gianni, seu marido, dormia ao lado dela na cama. O quarto estava completamente às escuras; o colchão deles, no chão, não era muito espesso. Bastava-lhe pôr o rabo um bocadinho para fora da cama e ficava ao meu alcance, deitado de lado no chão. Eu sabia que o menor barulho acordaria o senhor e pedia a todos os deuses que Anneliese se controlasse. Ele era grande, também, e um bom atleta, os músculos hebdomadariamente trabalhados no ginásio “California” do quarteirão.
- - Sshhhhiu, não faças barulho…
Esta mistura de perigo, invisibilidade, silêncio e imobilidade quase total duplicavam o meu prazer, e o dela também. Anneliese mexia o rabo muito devagarinho, muito pouco, mas a cada movimento uma descarga eléctrica atravessava-me o corpo. Eu mantinha uma mão na boca dela. Com a outra, percorria o seu corpo grande como um longo petroleiro, mas branco. Nas ancas, a temperatura do corpo parecia aumentar, como se o calor que vinha do sexo chegasse à superfície – é assim que os vulcanólogos prevêm as erupções vulcânicas, a temperatura à superfície da terra aumenta devido ao aumento de pressão. Anneliese gostava de se masturbar enquanto eu a penetrava e com dois dedos apertava-me o membro – o que dizia ela, me proporcionava as vantagens da sodomia juntamente com as da penetração “normal”. Eu não estava completamente de acordo, mas de momento só pensava no marido, que tinha um cargo elevado num dos bancos privados mais alto de gama de Genebra e era, acessoriamente, o ser mais arrogante que eu jamais tinha encontrado. Ou pelo menos parecia-me. E pensava na Anneliese, no seu corpo tão sólido e bonito.
Nunca imaginara, no início da nossa aventura, que um dia a viria a amar tanto, tão completa e cegamente.
- - Shhhhiu, não faças barulho…
O ritmo da respiração de Anneliese acelerava-se. O cheiro doce do sexo espalhava-se pelo quarto, pela cidade, pela noite toda. Ela já tinha tido um orgasmo nessa noite e eu imaginava a dificuldade que tinha em conter-se: normalmente fazia muito barulho, arranhava-me as costas e dava pontapés no ar como para esconjurar os diabos e a má cosnciência. Amava o marido, pelo menos assim mo dizia, e nunca o tinha enganado antes. A sua pele branca estava fosforecente.
Ter que controlar-se era um sofrimento para ela : decidi-me a acabar, um pouco a custo. Queria continuar, imóvel como um chinês, mas não podia correr o risco de o Gianni acordar, acender a luz e ver-me na mulher.
- A próxima vez tenho que tirar a tomada da lâmpada. – Foi a última coisa que pensei antes do orgasmo. Há qualquer coisa de especial numa ejaculação que veio de uma forma tão controlada, tão voluntária, tão reflectida, em que tivémos tempo de degustar cada sensação como um provador de vinho degusta cada gole. Anneliese queria sair da cama: fiz-lhe sinal que não. Voltou-se para mim e começou a acariciar-me o sexo, ainda quente, molhado, meio-tenso. Nas orelhas, os seus lábios diziam-me, sem que um som deles saísse, que queria mais.
Anneliese e Gianni eram meus vizinhos : moravam no segundo andar do prédio grande, velho e imponente no qual eu há muitos anos vivia. Ela era de Düsseldorf, uma das poucas cidade alemãs de que gosto. Falámos do Dr. Jazz, um bar agora fechado cuja dona tinha uma voz que fazia o Louis Armstrong passar por castrato, e de como aquela cidade tão burguesa na aparência pode e sabe divertir-se ao menor pretexto. Duas noites depois de se terem mudado, ouvi um barulho por cima de mim, em plena noite. Parecia que havia um rato entre os dois andares, mas em breve o barulho terminou e apercebi-me que faziam amor. Era um pouco triste: tic tic tic e hop, acabou. Tic tic tic. Ouvia aquele barulho cerca de duas vezes por mês, e ao princípio aquilo divertia-me. Mas depois começou a encher-me de ciúmes, uns ciúmes doentios que vinham juntar-se a todos os outros motivos que eu encontrava, contra minha vontade, para detestar o Gianni : o seu dinheiro, a sua beleza, a sua mulher, que vim a amar ao ponto de entrar no quarto conjugal à noite para lhe fazer amor, pensando a cada movimento “este é para o teu banco”, “este é para o teu Porsche” – o que me irritava profundamente porque não sou, nunca fui, invejoso, e detestava a ideia de não conseguir controlar aquele sentimento. Pelo menos até conhecer este metro e oitenta de loira rugidora, loira como as que nos livros nos fazem sonhar e no cinema desejamos.
Uma noite encontrei-os na entrada do prédio e convidei-os para jantar, de improvisto. Já nos tínhamos cruzado várias vezes, e algums delas parava para falar com o Gianni nas escadas. Eles aceitaram; durante o jantar, involuntariamente, toquei com o meu pé no pé dela. Antes de ter tempo de me aperceber, senti os dois pés dela em torno do meu. Com o marido eu partilhava as ideias políticas, o gosto pela comida e pelos bons vinhos e mais nada: eu era, fui durante muito tempo, um pobre sem cheta, a tentar anos sem fim fazer um nome no teatro e obrigado a sobreviver servindo copos nos bares in de Genebra. O insucesso, a amargura, a falta de dinheiro tinham afastado de mim as mulheres. Tinha a impressão de não ter vivido a minha vida. Esta não passava de um permanente esboço, sem nada que a concretizasse, a tornasse real. Perguntava-me se um dia poderia começar a vivê-la em versão definitiva... A perspectiva de uma aventura, vindicativa e passageira, com a bonita burguesa do andar de cima, atraída por um artista boémio, barrigudo e careca pareceia-me cativante. O marido dela viajava muito, eu tinha muito tempo livre e ela trabalhava a tempo parcial: não se podia pedir melhor concurso de circunstâncias. O que eu não tinha previsto era que me enamoraria dela a este ponto, doentio.
No dia seguinte ao jantar ela veio bater-me à porta. Fomos imediatamente para a cama, sem uma palavra. Anneliese urrava como se um incêndio se tivesse declarado num depósito de dinamite. O marido ia ouvir-nos, onde quer que estivesse.
- Não sejas infantil: ele está em Londres – respondeu-me. Não nada mais contraditório do que a aparência de uma mulher alemã e o que ela se torna enquanto faz amor. Nunca vi mulheres à procura de prazer tão metodicamente, tão vorazmente, tão ferozmente como elas. Anneliese gostava de se acocorar em cima de mim. Via o meu sexo entrar e sair dela como se estivesse a dar-me à luz a cada movimento. Masturbava-se com as duas mãos e olhava para mim, atenta. Ela controlava a velocidade e os movimentos com uma precisão diabólica, e foi assim que a imagem do escanção me apareceu pela primeira vez, porque o seu sexo dava a impressão de degustar o meu como nos manuais do perfeito provador de vinhos, começar pelos lábios, fazer rodar na boca, aspirar por dentro para o arrière bouche. E de cada vez que o meu sexo se enterrava nela perguntava-me se o poderia tirar ou se ela o ia guardar para mais tarde.
- Burro. Sem ti o teu sexo não vale nada.
- Porque é que com o Gianni não fazes barulho? – Já lhe tinha falado do “passos de rato” no tecto do meu quarto.
- Cala-te. Não se fala no Gianni.
Ela recusava-se a falar no marido, sinal que ainda não estava à vontade com o adultério. Por vezes era eu que subia a casa deles. Até que uma noite estava de tal maneira possesso de vontade dela que lhes entrei pelo quarto dentro, sexo em riste, depois de me ter despido no corredor, a cada instante à espera de ouvir a voz grave de Gianni. Anneliese dormia do lado da janela : percorrer o quarto pé ante pé, retendo a respiração, com uma erecção tal que já não tinha só medo de acordar o Gianni, mas de o trespassar foi uma prova interminável. Uma vez, na brincadeira, tínhamos falado na hipótese de se fazer amor assim, e tínhamos chegado à conclusão que era impossível. Contudo Anneliese não mostrou uma grande surpresa quando a acordei. Antes pelo contrário: parecia que me esperava. Com o meu sexo tocava muito levemente no dela, levemente, levemente. Sem um ruído, sem um movimento brusco, a minha mão na sua boca, esfregava o vulcão até sentir a lava aquecer. Entrar nela foi questão apenas de um movimento um pouco mais acentuado. O seu primeiro orgasmo fez Gianni mexer-se na cama. Ela põs-lhe uma mão no peito e ele adormeceu outra vez. E agora o segundo orgasmo aproximava-se e eu via a asneira em que me estava a meter. Mas a cada movimento milimétrico do seu pélvis eu mandava o marido ao diabo, e o Porsche e o banco e o dinheiro e pedia silenciosamente a esta mulher por quem estava pronto a deitar-me da ponte abaixo que deixasse tudo e viesse viver comigo - de qualquer forma eu teria que mudar de casa, já não suportava mais ver o grande mentecapto com um sorriso beato e novidades do último restaurante na moda onde tinha ido comer com A, B ou C. (e a minha senhoria não suportava mais as rendas em atraso).
A cadência dos passeios de ratinho tinha diminuído. Não faziam agora amor mais do que uma vez por mês; se se pode chamar àquilo fazer amor: tic tic tic tic tic. Nada de crescendi, nada desses magníficos hurros de teutão que acaba de consquistar o seu espaço vital, nada de excessos. Tic tic tic tic tic. Contudo, os meus ciúmes aumentavam, em vez de diminuir, e aquilo era-me cada vez mais insuportável. Nunca tinha sido ciumento, nunca tinha sido invejoso, Gianni no fundo era simpático, e eu tivera, antes da minha loucura pela Anneliese começar, bastante prazer em conversar com ele. Falávamos de política, de vinhos, de restaurantes – ele gostava de comer e tinha dinheiro para ir aos restaurantes de cuja existência eu só tomava conhecimento pelos jornais – e eu falava-lhe de livros, de teatro, de peças que estavam em cartaz na cidade: ele não era muito culto mas interessava-se por esse mundo, que lhe era totalmente estranho. Raramente mencionávamos temas pessoais. Anneliese assistia às nossas conversas, e intervinha frequentemente.
- Anneliese, estou doido por ti, deixa o teu marido – dizia-lhe.
- Estás doido ? E quem é que me vai dar de comer ? Com o dinheiro que ganhas nem o pequeno almoço eu poderia comprar.
- Nem jóias, casacos de pele ou Porsches. Ao diabo o luxo.
- Tu és doido, mas eu não sou. Fazes bem amor, mas é tudo. Não estou apaixonada por ti, e duvido muito que um dia venha a estar.
- Porque gosto tanto de ti?
- Porque só estás comigo quando o meu marido não está cá. Se estivesses comigo todos os dias não gostarias tanto de mim.
- Um dia ele vai saber. Um dia far-te-ei amor com ele ao lado.
- Pois, e ele dá-te um murro e tu perdes essa arrogância estúpida. – Anneliese sabia que eu detestava que dissessem que sou arrogante; quem poderia sê-lo nas minhas condições?
- Não sou arrogante. Ele é que é.
- Talvez, mas ele pelo menos tem razões para isso. Tu, só tens as tuas proezas sexuais, e essa esperança idiota de um dia seres reconhecido no teatro. Não chega para te amar. Por falar nisso, já encontraste fundos para montar esse teu último projecto? – Ela dizia aquilo para me magoar, porque estava perfeitamente a par da minha situação. De resto eu passava a vida à procura de fundos, e não sabia porque não desistia. Acho que era por falta de imaginação, ou de amor próprio. Ou então porque acreditava naquele aspirante a cantor que me dissera um dia "é a perseverância que paga, não o talento."
Cont.
Anneliese - II
II
Subia muitas vezes a casa deles, e Anneliese descia à minha. O colchão no chão – ou melhor, em cima de um tatami, porque Gianni tinha trabalhado, durante muito tempo, no Oriente, tornara-se-me familiar – se bem que nunca mais repeti a proeza daquela noite. Morávamos num prédio grande e velho, imponente, mas a precisar de obras, muitas obras. À tarde, Anneliese trabalhava num escritório de advogados. Falávamos muito, ele dos seus problemas de casal – tinham muitas divergências, Gianni e ela – e eu da minhas peças, dos meus projectos que nunca levavam a nada mas, apesar disso, me davam força para continuar. Mas essa força faltava-me, cada vez mais. Cada dia me parecia estar mais longe de um teatro, do teatro. Comecei a pensar que o falhanço é um hábito como outro qualquer, e quanto mais depressa me habituasse melhor seria.
Anneliese também não era feliz, mas eu nada podia fazer por ela. A dor, a infelicidade, a depressão têm isso de horrível : transformam-nos num poço de dentro do qual os outros são invisíveis. Ela continuava a recusar deixar o marido, que via muito menos agora porque ele tinha sido promovido e o novo posto exigia ainda mais viagens. Anneliese dizia-me que o amava : falava-me na sua gentileza, na sua generosidade, na sua magnanimidade. Qualidades que eu não via, não queria nem podia ver, encerrado no poço em que a minha vida parecia se ter alojado para sempre, no meu amor por ela, nos meus ciúmes, sentimento para mim novo e detestável.
- Tu és injusto. Além disso, ele admira-te muito.
- Nã sei porque gostas tanto dele. Nem capaz é de te dar prazer na cama. – A inveja tornava-me baixo, rasteiro.
- Tem muitos problemas no trabalho, e além disso não somos todos obrigados a interessarmo-nos pelas mesmas coisas. Imagina que sabias ganhar dinheiro como sabes fazer amor: serias rico.
- Boa ideia. Vou abrir uma escola de amor para mulheres casadas: “Traga-me a sua mulher, eu mostrar-lhe-ei como a utilizar”.
- Ganharias de certeza mais dinheiro do que ganhas agora a lavar pratos. Mas não terias muito sucesso, porque ninguém acreditaria que um gordo careca como tu sabe fazer amor.
- É verdade. Mas então porque estas tu aqui ? Porque me tocaste com os pés, naquela noite?
- Porque sabia que não corria o risco de me apaixonar por ti.
-
Anneliese estava apaixonada por Gianni, eu estava apaixonado por ela, Gianni, um belo italiano de Florença estava apaixonado por si próprio e pelo trabalho, parecia-me. Enganava-me, claro, como sempre. Para me dar alento, dizia que por baixo das manifestações exageradas de Anneliese durante o sexo se escondia uma mulher frígida, emocionalmente frígida. Ela não me amava, e eu amava-a cada vez mais, e cada vez mais me era difícil suportar esta dissimetria. O meu amor por Anneliese era a única coisa fixa e sólida na minha vida : tudo desabava, excepto esta alemã que me beijava como se eu fosse o último homem na terra e, minutos depois do amor, me dizia “boa noite” como se tivesse vindo buscar um pouco de sal. “Ela veio só buscar um pouco de sal”, dizia-me. Mas não funcionava. Este amor podia ser sólido, mas transformara-se, ele também, numa fonte de dor.
Subia muitas vezes a casa deles, e Anneliese descia à minha. O colchão no chão – ou melhor, em cima de um tatami, porque Gianni tinha trabalhado, durante muito tempo, no Oriente, tornara-se-me familiar – se bem que nunca mais repeti a proeza daquela noite. Morávamos num prédio grande e velho, imponente, mas a precisar de obras, muitas obras. À tarde, Anneliese trabalhava num escritório de advogados. Falávamos muito, ele dos seus problemas de casal – tinham muitas divergências, Gianni e ela – e eu da minhas peças, dos meus projectos que nunca levavam a nada mas, apesar disso, me davam força para continuar. Mas essa força faltava-me, cada vez mais. Cada dia me parecia estar mais longe de um teatro, do teatro. Comecei a pensar que o falhanço é um hábito como outro qualquer, e quanto mais depressa me habituasse melhor seria.
Anneliese também não era feliz, mas eu nada podia fazer por ela. A dor, a infelicidade, a depressão têm isso de horrível : transformam-nos num poço de dentro do qual os outros são invisíveis. Ela continuava a recusar deixar o marido, que via muito menos agora porque ele tinha sido promovido e o novo posto exigia ainda mais viagens. Anneliese dizia-me que o amava : falava-me na sua gentileza, na sua generosidade, na sua magnanimidade. Qualidades que eu não via, não queria nem podia ver, encerrado no poço em que a minha vida parecia se ter alojado para sempre, no meu amor por ela, nos meus ciúmes, sentimento para mim novo e detestável.
- Tu és injusto. Além disso, ele admira-te muito.
- Nã sei porque gostas tanto dele. Nem capaz é de te dar prazer na cama. – A inveja tornava-me baixo, rasteiro.
- Tem muitos problemas no trabalho, e além disso não somos todos obrigados a interessarmo-nos pelas mesmas coisas. Imagina que sabias ganhar dinheiro como sabes fazer amor: serias rico.
- Boa ideia. Vou abrir uma escola de amor para mulheres casadas: “Traga-me a sua mulher, eu mostrar-lhe-ei como a utilizar”.
- Ganharias de certeza mais dinheiro do que ganhas agora a lavar pratos. Mas não terias muito sucesso, porque ninguém acreditaria que um gordo careca como tu sabe fazer amor.
- É verdade. Mas então porque estas tu aqui ? Porque me tocaste com os pés, naquela noite?
- Porque sabia que não corria o risco de me apaixonar por ti.
-
Anneliese estava apaixonada por Gianni, eu estava apaixonado por ela, Gianni, um belo italiano de Florença estava apaixonado por si próprio e pelo trabalho, parecia-me. Enganava-me, claro, como sempre. Para me dar alento, dizia que por baixo das manifestações exageradas de Anneliese durante o sexo se escondia uma mulher frígida, emocionalmente frígida. Ela não me amava, e eu amava-a cada vez mais, e cada vez mais me era difícil suportar esta dissimetria. O meu amor por Anneliese era a única coisa fixa e sólida na minha vida : tudo desabava, excepto esta alemã que me beijava como se eu fosse o último homem na terra e, minutos depois do amor, me dizia “boa noite” como se tivesse vindo buscar um pouco de sal. “Ela veio só buscar um pouco de sal”, dizia-me. Mas não funcionava. Este amor podia ser sólido, mas transformara-se, ele também, numa fonte de dor.
Anneliese - III e fim
III
Até que um dia tudo desabou : fui corrido do bar onde trabalhava porque até os cafés dos artistas têm limites quanto às bebedeiras no trabalho, fui corrido de casa porque não pagava rendes há meses e a senhoria contratou meia dúzia de selvagens para me bater e pôr no passeio tudo o que tinha. Perdi o emprego, perdi o apartamento e, inevitavelemente, perdi Anneliese.
Fui dormir para casa de amigos. Tinham um quarto na cave, com uma entrada independente, e podia entrar e sair sem os ver. Comia de noite, envergonhado : ia-lhes ao frigorífico, cheio de má-consciência, que afogava em vinho. Eles tinham uma adega daquelas a sério, com contrôle de temperatura e humidade, chão em pedras e poeira nas garrafas, inúmeras e cuidadosamente escolhidas, numeradas e arrumadas por regiões, por anos, por produtores. Por vezes embebedava-me de tal maneira que adormecia no chão, a garrafa meia aberta e entornada, coberto do cheiro a vinho, a vómito, a terra, como numa placenta primordial, a placenta da abjecção. Tornara-me insensível ao frio e à dor, como um esquizofrénico – e sentia-me como um esquizofrénico a quem faltasse o interlocutor imaginário, Os meus amigos eram generosos, deixavam-me comer e beber – mas acima de tudo queriam ajudar-me. Não conseguiam: eu só não me matava porque o meu cérebro era incapaz de produzir qualquer ideia que não fosse directamente relacionada com a comida, a bebida, a micção e a defecação – vomitar era um acto reflexo.
Assim passei muitos meses, não sei quantos. Pouco a pouco fui emergindo do meu calvário. Um velho colega dos tempos do teatro arranjou-me um emprego na bilheteira de um cinema. Ia trabalhar todos os dias, limpo, lavado, vestido com as roupas que recebia de amigos e de uma das organizações de caridade da cidade. Não tinha projectos: pela primeira vez na minha vida, o meu projecto não ia mais longe do que comer à noite e ter trabalho no dia seguinte.
Um dia, Gianni veio ver-me.
- Olá. Vejo que isso começa a ir melhor.
- Sim, vai, obrigado. Como estás?
- Bem, e Anneliese também. Ela manda-te beijos.
- Obrigado.
- ….
- …. – não sabia que dizer-lhe. Anneliese era parte de um período na minha vida da qual não me lembrava sem pânico.
- Venho fazer-te uma proposta – disse-me finalmente.
- Obrigado. Que proposta?
- Um amigo meu tem um teatro em Bâle e está à procura de um director artístico. Quer começar por montar a integral das peças de Beckett. Tu falavas tanto em Beckett que me lembrei de ti. Achas que podes ir vê-lo ?
Fui. Rudolphe queria começar a integral por « Solo ». Falei-lhe dos meus últimos meses e não tive dificuldade em convencê-lo. A peça teve bastante sucesso – como todas as que se seguiram, de resto. Iniciámos uma tournée; finalmente, começava a ser alguém no mundo do teatro. Os anos horríveis, os anos dos projectos, os anos da merda estavam longe. Deixei definitivamente de pensar em Anneliese – aliás, tê-la amado daquela maneira parecia-me, agora, incompreensível. Só podia ser consequência, pensava, do estado de desorientação e desestruturação em que me encontrava naquela altura, ou das suas qualidades na cama. Lembrava-me como era bom o amor com ela - “o amor não, o sexo”, corrijia imediatamente. “Parecia que o Criador se tinha divertido a multiplicar as minhas células nervosas por dois para me fazer descobrir prazeres de que Ele mesmo desconhecia a existência.”
Um dia fui despedir-me de Rudolphe. Tinham-me oferecido a direcção de um teatro em Berlim. Fomos beber um copo e acabámos por beber muitos. A Alemanha levou-nos a falar de Gianni.
– Nunca percebi porque é que ele se propôs financiar as peças, com a condição de eu te contratar. Exigiu que ficasses pelo menos um ano, com todos os custos pagos por ele – ele, não o banco onde trabalha, que não financia projectos destes. E exigiu segredo absoluto, vê lá agora não lhe vás dizer que te contei isto. Disse-me que tinha uma dívida muito grande para contigo, mas não sei que dívida pode ser: não te estou a ver emprestar-lhe dinheiro. Enfim, a mim salvou-me o teatro – foi assim que o conheci, fui ter com o banco dele porque estava com a corda na garganta – e a ti tirou-te do fundo do poço. Saúde, e boa sorte em Berlim.
FIM
Genève, 2001
Até que um dia tudo desabou : fui corrido do bar onde trabalhava porque até os cafés dos artistas têm limites quanto às bebedeiras no trabalho, fui corrido de casa porque não pagava rendes há meses e a senhoria contratou meia dúzia de selvagens para me bater e pôr no passeio tudo o que tinha. Perdi o emprego, perdi o apartamento e, inevitavelemente, perdi Anneliese.
Fui dormir para casa de amigos. Tinham um quarto na cave, com uma entrada independente, e podia entrar e sair sem os ver. Comia de noite, envergonhado : ia-lhes ao frigorífico, cheio de má-consciência, que afogava em vinho. Eles tinham uma adega daquelas a sério, com contrôle de temperatura e humidade, chão em pedras e poeira nas garrafas, inúmeras e cuidadosamente escolhidas, numeradas e arrumadas por regiões, por anos, por produtores. Por vezes embebedava-me de tal maneira que adormecia no chão, a garrafa meia aberta e entornada, coberto do cheiro a vinho, a vómito, a terra, como numa placenta primordial, a placenta da abjecção. Tornara-me insensível ao frio e à dor, como um esquizofrénico – e sentia-me como um esquizofrénico a quem faltasse o interlocutor imaginário, Os meus amigos eram generosos, deixavam-me comer e beber – mas acima de tudo queriam ajudar-me. Não conseguiam: eu só não me matava porque o meu cérebro era incapaz de produzir qualquer ideia que não fosse directamente relacionada com a comida, a bebida, a micção e a defecação – vomitar era um acto reflexo.
Assim passei muitos meses, não sei quantos. Pouco a pouco fui emergindo do meu calvário. Um velho colega dos tempos do teatro arranjou-me um emprego na bilheteira de um cinema. Ia trabalhar todos os dias, limpo, lavado, vestido com as roupas que recebia de amigos e de uma das organizações de caridade da cidade. Não tinha projectos: pela primeira vez na minha vida, o meu projecto não ia mais longe do que comer à noite e ter trabalho no dia seguinte.
Um dia, Gianni veio ver-me.
- Olá. Vejo que isso começa a ir melhor.
- Sim, vai, obrigado. Como estás?
- Bem, e Anneliese também. Ela manda-te beijos.
- Obrigado.
- ….
- …. – não sabia que dizer-lhe. Anneliese era parte de um período na minha vida da qual não me lembrava sem pânico.
- Venho fazer-te uma proposta – disse-me finalmente.
- Obrigado. Que proposta?
- Um amigo meu tem um teatro em Bâle e está à procura de um director artístico. Quer começar por montar a integral das peças de Beckett. Tu falavas tanto em Beckett que me lembrei de ti. Achas que podes ir vê-lo ?
Fui. Rudolphe queria começar a integral por « Solo ». Falei-lhe dos meus últimos meses e não tive dificuldade em convencê-lo. A peça teve bastante sucesso – como todas as que se seguiram, de resto. Iniciámos uma tournée; finalmente, começava a ser alguém no mundo do teatro. Os anos horríveis, os anos dos projectos, os anos da merda estavam longe. Deixei definitivamente de pensar em Anneliese – aliás, tê-la amado daquela maneira parecia-me, agora, incompreensível. Só podia ser consequência, pensava, do estado de desorientação e desestruturação em que me encontrava naquela altura, ou das suas qualidades na cama. Lembrava-me como era bom o amor com ela - “o amor não, o sexo”, corrijia imediatamente. “Parecia que o Criador se tinha divertido a multiplicar as minhas células nervosas por dois para me fazer descobrir prazeres de que Ele mesmo desconhecia a existência.”
Um dia fui despedir-me de Rudolphe. Tinham-me oferecido a direcção de um teatro em Berlim. Fomos beber um copo e acabámos por beber muitos. A Alemanha levou-nos a falar de Gianni.
– Nunca percebi porque é que ele se propôs financiar as peças, com a condição de eu te contratar. Exigiu que ficasses pelo menos um ano, com todos os custos pagos por ele – ele, não o banco onde trabalha, que não financia projectos destes. E exigiu segredo absoluto, vê lá agora não lhe vás dizer que te contei isto. Disse-me que tinha uma dívida muito grande para contigo, mas não sei que dívida pode ser: não te estou a ver emprestar-lhe dinheiro. Enfim, a mim salvou-me o teatro – foi assim que o conheci, fui ter com o banco dele porque estava com a corda na garganta – e a ti tirou-te do fundo do poço. Saúde, e boa sorte em Berlim.
FIM
Genève, 2001
5.9.04
4.9.04
Reféns, Terrorismo e Imprensa Ocidental
Gostaria de chamar a atenção para este artigo de Helena Matos, como sempre muito bom, e com um tema que me é particularmente interessante.
Apesar de não poder deixar de estar contente com o facto dos dois jornalistas franceses virem a ser, muito provavelmente, salvos, não posso deixar de sentir uma ligeira náusea quando penso que se eles fossem americanos, ingleses, italianos ou outra coisa qualquer não teriam probailidade nenhuma de se salvarem.
É necessário, claro, resistir ao maníqueismo fácil de dizer que "sempre soubémos de que lado está a França" - necessário mas difícil: agora lá estão eles, a negociar a libertação dos reféns contra uma batelada de massa, a qual permitirá aos gentis combatentes pela... pela quê, liberdade? comprar mais bombas, mais armas, mais morte, mais violência.
E os reféns na Ossétia: se fossem os americanos a intervir daquela maneira, como reagiriam as pessoas? Cito uma passagem do
editorial do jornal genebrino "Le Temps" (de resto, um jornal esquerdista que sofre particularmente dessa dualidade de critérios): "Pas un mot non plus, même diplomatique, pour regretter le mépris total de la vie humaine manifesté par les troupes de choc venues «sauver les otages». En fonçant dans le tas."
"Não se avança para a verdade: muda-se de dogma, é tudo". Continuo sem saber quem disse esta grande verdade, tão difícil.
Apesar de não poder deixar de estar contente com o facto dos dois jornalistas franceses virem a ser, muito provavelmente, salvos, não posso deixar de sentir uma ligeira náusea quando penso que se eles fossem americanos, ingleses, italianos ou outra coisa qualquer não teriam probailidade nenhuma de se salvarem.
É necessário, claro, resistir ao maníqueismo fácil de dizer que "sempre soubémos de que lado está a França" - necessário mas difícil: agora lá estão eles, a negociar a libertação dos reféns contra uma batelada de massa, a qual permitirá aos gentis combatentes pela... pela quê, liberdade? comprar mais bombas, mais armas, mais morte, mais violência.
E os reféns na Ossétia: se fossem os americanos a intervir daquela maneira, como reagiriam as pessoas? Cito uma passagem do
editorial do jornal genebrino "Le Temps" (de resto, um jornal esquerdista que sofre particularmente dessa dualidade de critérios): "Pas un mot non plus, même diplomatique, pour regretter le mépris total de la vie humaine manifesté par les troupes de choc venues «sauver les otages». En fonçant dans le tas."
"Não se avança para a verdade: muda-se de dogma, é tudo". Continuo sem saber quem disse esta grande verdade, tão difícil.
Credibilidade
Em Portugal, querer fazer qualquer coisa que seja nova, ou diferente, é sinal de demência pura. Por isso, a primeira dúvida que aparece, ou é levantada pelos poderes instalados é, natural e legitimamente, a da credibilidade de quem traz mudança ou inovação.
Claire - I
I
- Querido, tenho sede, passa-me a torneira…
Claire era apresentadora de programas infantis na televisão. Era também uma infatigável adepta da felação, arte na qual tinha atingido um incomparável nível de excelência. Não que excluísse as outras fontes de prazer sexual, longe disso. Tinha, simplesmente, um pequeno fraco pelo fellatio. Frequentemente perguntava-me:
- Quem manda, o pescador que tem o anzol na mão ou o peixe que o tem na boca?
E sorria, gulosa. O pai dela era director de uma fábrica de gelados. Aos 17 anos tinha persuadido, adivinha-se como, um dos contramestres a fabricar-lhe um gelado em forma de falo, no qual treinava com aplicação – como tudo o que fazia, de resto. Dias depois tentou persuadir o contramestre a juntar ao molde os testículos, o que o outro recusou com medo de perder o lugar e a reputação. Claire assediou-o de tal forma que numa semana convenceu-o não só a juntar os testículos mas a fazer um molde completo e elaborado de um pélvis masculino.
Fazia ela mesma os gelados com que enchia esse forma, e imaginava artimanhas sem fim para esconder tudo aquilo dos pais. Pouco a pouco foi aperfeiçoando o método: finalmente, no interior dos gelados colocava uma pequena pera igual à que o irmão usava para soprar as lentes das máquinas fotográficas. Enchia-a de leite condensado e quando o gelado estava quase a acabar accionava a pera. Uma vez rapou chocolate preto para imitar os pelo púbicos. Para agradecer ao contramestre insistiu com o pai para que o promovesse, pretextando que ele lhe fazia gelados muito bons e que era uma excelente pessoa.
Um vez, já na faculdade, resolveu organizar um concurso de felação, com duas amigas e três colegas do curso. À última da hora as amigas desistiram. Aplicou-se sozinha nos três rapazes, um a seguir ao outro. No dia seguinte, os três envolveram-se numa cena de pancadaria, de tal maneira violenta que um deles teve que ir ao hospital. Claire acabava de confirmar que, contrariamente ao que dizem as feministas, a distinção entre mestre e escravo é, por assim dizer, fluida.
Quando a conheci ela tinha trinta anos, uns seios pequenos mas redondos e firmes, coroados por mamilos que inchavam e se tornvam grandes e duros como chapéus de coco. Gostava de sexo: era insaciável. Mas não gostava quando eu, de brincadeira, lhe chamava ninfómana. So mais tarde, tarde demais, percebi porquê.
- Querido, comi demasiado picante, dá-me a mangueira, por favor.
- Querido, tenho uma fuga de água, passas-me a rolha?
- Pedro, pára já, aqui, tenho que ir dar uma volta a cavalo.
- Amor, preciso de creme de beleza, dás-me o tubo?
Ela tinha uma quantidade de fórmulas, que, de resto, empregava nos programas.
- Vá meninos, quem quer bater o tambor?
- E no domingo que vem, quem vai pôr uma vela na catedral?
- Hoje vamos falar de vitaminas. Uma das mais importantes é a vitamina A – e ela fazia soar aquele “A” como “AAAAAHHH”
E depois olhava para mim, através da câmara.
Eu trabalhava em casa : era – sou, ainda – tradutor, e raramente saía. Dois anos de vida em comum com Claire tinham-me feito perder a vontade de sair até para um café. Ela era doentia, patologicamente ciumenta. O simples facto de ver uma empregada olhar para mim, ou eu a olhar para ela, enquanto encomendava um café fazia-a sofrer prodigiosamente.
- Aposto que não bate o tambor tão bem como eu.
- Claire, ninguém bate o tambor tão bem como tu. Mas eu tenho que olhar para ela quando lhe falo, não?
- Porque te olha ela com aqueles olhos concupiscentes?
- Concupiscente és tu, querida, e lasciva, sensual, libertina – graças a Deus. Mas eu tenho que olhar para ela, e ela para mim, enquanto encomendo uma porcaria de um café.
- Anda fazer amor comigo na casa de banho, se gostas de mim tanto quanto dizes.
- Claire, por favor, agora não. Espera pelo menos que cheguemos a casa.
- Não dizia eu que tu já não me amas?
Eu abandonava o debate, vencido, farto, cansado – mas ia atrás dela para a casa de banho e possuía-a de pé, frente ao espelho, as nossas caras uma ao lado da outra, ela com as mãos no lavatório e eu com as minhas nos seios, nas ancas, nos ombros, no ventre dela, que era liso e terminava numa floresta luxuriante porque ela se recusava a cortar os pelos púbicos. E era lá que eu punha as mãos, enchia-as daqueles pelos fortes que imaginava percorridos de movimentos semelhantes ao das algas submarinas nos programas do Comandante Cousteau. O clítoris dela crescia, os mamilos cresciam, ela arfava violentamente, esfregava as nádegas contra as minhas virilhas, por vezes tentava tirar as mãos do lavatórios e fazia-nos perder o equilíbrio, apoiava a cabeça contra o espelho da casa de banho do restaurante chic que ficava ao lado de nossa casa e não ouvia sequer as tentativas infrutuosas que faziam os outros clientes para abrir a porta; esfregava-se em mim como se quisesse fundir-se comigo, e eu ejaculava por todos os poros do corpo, perdia a cabeça, hurrava e tinha vergonha quando saía da casa de banho e devia afrontar o olhar de gozo, ou de inveja, dos outros. Digo que a possuía, mas hoje sei que não era verdade : era ela quem me possuía, era ela o mestre, era ela que comandava e dirigia o jogo, anzol na boca ou noutro sítio qualquer.
Voltávamos para o lugar, a empregada de trombas, e Claire respondia-lhe com o seu olhar de matador, o olhar com o qual o toureiro olha o touro morto na areia, altivo e humilde simultaneamente. Por vezes pensava, mas sei agora que estava errado, que ela via os outros clientes a aplaudi-la e a gritar “uma orelha ! uma cauda!” e a enviar-lhe flores para a mesa como se estivessem no Campo Pequeno. “Ela deve estar a ver-se a dar a volta ao café, de chapéu na mão a agradecer os aplausos”.
Por vezes tentava fazer-lhe uma observação.
- Claire, "bater o tambor" é uma expressão africana para ”fazer amor”. Um dia vai haver um pai de uma das regiões onde a expressão é utlizada a ver o filhote no programa e haverá queixas.
- Sei muito bem o que “bater o tambor” quer dizer. É muito mais bonito do que “foder”, não é?
Claire tinha uma prodigiosa capacidade para fugir às questões.
- Sem dúvida, mas não é isso que está em causa, e tu sabe-lo perfeitamente. Tens um emprego óptimo na televisão, um emprego de que gostas e que fazes bem, e pões tudo em risco por causa de uma infantilidade.
- Porque é que não gostas de mim?
- Claire…
- Pedro, cala-te e faz-me amor.
E eu fazia-lhe amor. Deus sabe se eu lhe fazia amor, de manhã antes de ir para o estúdio, à noite quando voltava para casa, nos elevadores, nas casas de banho dos restaurantes e das casas dos amigos onde éramos convidados para jantar, em qualquer lugar a qualquer hora eu fazia-lhe amor. E tinha alarmes que tocavam, gritavam, hurravam, esfalfavam-se em avisos, clamavam e invectivavam-me, mas eu deixa-me ir, porque cada vez parecia melhor que a anterior, e porque Claire conseguia de mim o que nenhum afrodisíaco conseguiria. Uma vez fomos a S. Petersburg ver uma exposição, era dezembro e mesmo assim conseguimos fazer amor num banco de jardim, vinte graus abaixo de zero, os nossos corpos separados por quatro espessas camadas de roupa vezes dois, como esses presentes preciosos que se oferecem pelo Natal, as mãos dentro de umas luvas de pele e o gorro enfiado até aos olhos; ainda hoje me pergunto como conseguiu ela provocar-me uma erecção, como é que fizémos e como foi bom, a ponta do meu sexo mal tocando no dela, uma penetração que o não era – parecia-se mais com uma carícia interminável, lenta, e quando ejaculei foram torrentes que se entornaram na roupa e a deixaram a cheirar a esperma até chegarmos a Lisboa e mandarmos tudo para a lavandaria.
Conhecera-a numa festa no meu anterior emprego. Ela estava rodeada de uma cohorte de machos, cada um deles fazendo um comentário mais patético que o do vizinho. O espectáculo era aflitivo, consternante. Os homens tinham todos cinquenta anos, os olhos babados e nódoas de urina na braguilha, que o ventre os impedia de ver. Era uma empresa de construção, eram todos engenheiros, bem pagos e competentes. Ela estava no meio, sentada, com a saia bem alta e sorria a cada declaração de imbecilidade.
- Eles pensam que os seus olhos são bonitos, mas eu já vi olhos muito mais bonitos que os seus – disse-lhe, tendo bebido muito mais do que de costume. - Tome, aqui está o meu número de telefone. – Estendi-lhe um bocado de papel com o nome e o número de telefone do escritório.
Ela telefonou-me dois dias mais tarde.
- Bom dia. O meu nome é Claire. Encontrámo-nos na festa da sua empresa, lembra-se? Gostaria de vir jantar a minha casa sexta-feira que vem?
- Sim, obrigado. - Como teria eu sabido de quem se tratava ? Nessa altura eu fazia avanços a tudo o que me passasse à frente com dois seios genuinamente femininos, mas como andava em período de seca estava constantemente a tentar afogar-me por dentro, e a memória falhava-me frequentemente.
Claire morava em Alfama, num velho prédio recentemente reconstruído – reabilitado, era o termo que então se empregava. O arquitecto era bom: da sala via-se o Tejo como se estivéssemos a sobrevoá-lo muito baixo. O barulho e os cheiros da rua chegavam até nós e cada vez que fazíamos amor parecia que o fazíamos com a cidade toda.
- Boa noite. Entre. Obrigado por ter vindo. – Claire veio abrir-me a porta com um sorriso e uma mão estendida para que eu lha apertasse, em vez do beijinho que me preparava para lhe dar. – Pûs água a correr para um banho. Espero que a temperatura esteja a seu gosto. Venha, a casa de banho é por aqui.
Eu estava siderado, claro, mas fiz o que pude para não o deixar transparecer. Ainda pensei que brincava, mas depressa me apercebi que era o único hóspede. Levou-me até à porta da casa de banho e disse-me que se precisasse de alguma a chamasse.
A água estava à boa temperatura. Da banheira via-se o Tejo, parcialmente reflectido num enorme espelho que cobria por inteiro uma das paredes. Posteriormente apercebi-me que as janelas da casa eram todas iguais, com vidro até ao chão, o que nos dava a impressão de viver no vazio, ou de estar do lado de fora de um aquário, que era a cidade e o rio e a outra margem. O soalho era em madeira e a decoração modernista, subtil, de bom gosto.
Aos poucos comecei a deixar-me ir, levado pela vista de Lisboa e pela temperatura morna da água. Apetecia-me um whisky, ou um Gin and Tonic, mas não precisei de lhe pedir nada porque ela entrou na casa de banho depois de ter batido levemente à porta. Esta mulher era talvez estranha, mas mal educada não era concerteza.
- Quer um whisky, ou outra coisa qualquer?
- Um whisky, por favor. Só com gelo.
Outro ligeiro toque na porta, e ela voltou com o whisky. Tinha mudado de roupa. Agora estava só com um robe, e nua por baixo. Estava com o tal sorriso do matador, que eu tantas vezes veria. Deu-me o copo e ajoelhou-se ao lado da banheira. Pegou no meu sexo, mole e caído, com a mão esquerda, e com a outra começou a acariciar-me os testículos e as nádegas e entre as nádegas e as coxas. A erecção apareceu logo, claro. Ela beijava-me o membro de lado, como fazem os fumadores de charuto que não sabem e o cheiram ao longo do comprimento, quando na verdade um charuto cheira-se na ponta, unicamente. Mas Claire sabia, ela, perfeitamente o que estava a fazer : com a língua percorria a veia que, por baixo, traz o sangue, a vida, a esperança. Quando chegava ao fim, ou ao princípio, ao lado da raiz, tomava gentilmente um dos testículos e depois recomeçava no sentido inverso. Eu não consegia mexer-me. Imperceptivelmente ela começou a chupar-me. Cada movimento dos lábios era acompanhado em contraponto pela língua. Em astronomia chama-se periélio ao ponto da órbita de um planeta em que ele está mais perto do sol, e afélio ao ponto em que está mais afastado. Tomemos a glande pelo sol : nos periélios ela tocava com a língua aquela pequena região triangular de onde partem, harmoniosamente, as duas calotes. E nos afélios ela envolvia o membro com a língua e fazia-lhe uma espécie de leito, não sei, não sei. A água estava quente, o whisky gelado, e eu não sentia os seus dentes excepto quando ela se apercebia que eu ia ejacular: nesses momentos ela mordiscava-me a base da glande, onde o meu sistema nervoso estava concentrado. A necessidade de ejacular desfeita, ela reentrava os dentes como um cachorro se deita na casota. Os seios mal tocavam na água. A minha mão direita esperavam-nos a cada órbita, se posso continuar com a analogia astronómica. E Claire continuava, com aplicação e humor. De vez em quando mudava os movimentos da boca, ou da língua. Vinte vezes pensei que me vinha, e dezanove ela usou os dentes. Penso que o que a decidiu a acabar foi a impressão que eu me estava a diluir no banho, e que assim que ela tirasse a tampa eu iria pelo cano abaixo, ou pela janela, quem sabe? Ela preparou-se para a ejaculação: a sua mão não largava os testículos, os lábios estavam muito mais vezes perto da glande, e a língua enrolava-se-lhe à volta, num movimento que ainda hoje sou incapaz de compreender. Parecia-me que ela fazia com a língua um corneto daqueles que fazem os vendedores de castanhas assadas em Lisboa, com papel de jornal muito bem enrolado. Assim que sentiu as primeiras gotas enfiou o membro bem para o fundo da boca; não foi uma ejaculação: foi um big bang, uma decomposição, uma desagregação. Eu esvaziava-me como uma alma que parte para o céu.
Ela não teria necessitado de fazer um jantar excelente para acabar de me convencer, mas excelente estava ele: Amêijoas à Bulhão Pato, Lombo de Porco com Tapenade, uma lusa colecção de sobremesas. Entre o banho e o jantar estava uma garrafa de champagne num balde de gelo. Ela serviu-me uma flûte e põs um disco, um slow, a tocar. Lembro-me que era o “On the Waterfront”, pelo John Lee Hooker, um dos meus slows favoritos – o outro, se querem saber, é “Beautiful Tonight”, do Eric Clapton. Ainda estávamos nus, e foi assim que dançámos.
Pela janela víamos as luzes de Lisboa e de Cacilhas, e as luzes dos cacilheiros que os ligavam, hífens luminosos e longínquos como a minha vida antes de entrar naquela banheira. Perguntei-lhe pelos vizinhos, e ela disse-me que todo o prédio era dela, não havia vizinhos. As erecções iam e vinham, sem esforço e sem violência. Aproveitei uma delas para a levar para o sofá, suficientemente grande para receber uma equipe de rugby. Tinha a garrafa de champagne ao alcance da mão: deitei-lhe um pouco na vagina e bebi lentamente, indo buscar cada gota, onde quer que ela estivesse, com a língua; não melhorava significativamente o gosto do champagne, mas tinha efeitos muito positivos noutros planos. Bebíamos alternadamente pela garrafa: ela, eu, a vagina, eu, ela. Por vezes tocava-lhe levemente no clítoris com o gargalo e juntava-lhe imediatamente a língua, ou experimentava a bebida noutros sítios: no umbigo, no ventre, nos seios, entre os dedos dos pés, mas não era tão bom como aquela mistura doce e salgada, quente e fria, que vinha do seu sexo. Fizémos amor e fômos para a mesa e voltámos para o sofá e bebemos mais champagne e quando estávamos esgotados fomos para a cama, mas não adormecemos logo. Quando o sono chegou foi uma bóia de salvação. E ainda hoje não tenho a certeza se a ouvi de facto perguntar-me:
- Então, os meus olhos ? – Mas acho que foi um sonho.
Cont.
- Querido, tenho sede, passa-me a torneira…
Claire era apresentadora de programas infantis na televisão. Era também uma infatigável adepta da felação, arte na qual tinha atingido um incomparável nível de excelência. Não que excluísse as outras fontes de prazer sexual, longe disso. Tinha, simplesmente, um pequeno fraco pelo fellatio. Frequentemente perguntava-me:
- Quem manda, o pescador que tem o anzol na mão ou o peixe que o tem na boca?
E sorria, gulosa. O pai dela era director de uma fábrica de gelados. Aos 17 anos tinha persuadido, adivinha-se como, um dos contramestres a fabricar-lhe um gelado em forma de falo, no qual treinava com aplicação – como tudo o que fazia, de resto. Dias depois tentou persuadir o contramestre a juntar ao molde os testículos, o que o outro recusou com medo de perder o lugar e a reputação. Claire assediou-o de tal forma que numa semana convenceu-o não só a juntar os testículos mas a fazer um molde completo e elaborado de um pélvis masculino.
Fazia ela mesma os gelados com que enchia esse forma, e imaginava artimanhas sem fim para esconder tudo aquilo dos pais. Pouco a pouco foi aperfeiçoando o método: finalmente, no interior dos gelados colocava uma pequena pera igual à que o irmão usava para soprar as lentes das máquinas fotográficas. Enchia-a de leite condensado e quando o gelado estava quase a acabar accionava a pera. Uma vez rapou chocolate preto para imitar os pelo púbicos. Para agradecer ao contramestre insistiu com o pai para que o promovesse, pretextando que ele lhe fazia gelados muito bons e que era uma excelente pessoa.
Um vez, já na faculdade, resolveu organizar um concurso de felação, com duas amigas e três colegas do curso. À última da hora as amigas desistiram. Aplicou-se sozinha nos três rapazes, um a seguir ao outro. No dia seguinte, os três envolveram-se numa cena de pancadaria, de tal maneira violenta que um deles teve que ir ao hospital. Claire acabava de confirmar que, contrariamente ao que dizem as feministas, a distinção entre mestre e escravo é, por assim dizer, fluida.
Quando a conheci ela tinha trinta anos, uns seios pequenos mas redondos e firmes, coroados por mamilos que inchavam e se tornvam grandes e duros como chapéus de coco. Gostava de sexo: era insaciável. Mas não gostava quando eu, de brincadeira, lhe chamava ninfómana. So mais tarde, tarde demais, percebi porquê.
- Querido, comi demasiado picante, dá-me a mangueira, por favor.
- Querido, tenho uma fuga de água, passas-me a rolha?
- Pedro, pára já, aqui, tenho que ir dar uma volta a cavalo.
- Amor, preciso de creme de beleza, dás-me o tubo?
Ela tinha uma quantidade de fórmulas, que, de resto, empregava nos programas.
- Vá meninos, quem quer bater o tambor?
- E no domingo que vem, quem vai pôr uma vela na catedral?
- Hoje vamos falar de vitaminas. Uma das mais importantes é a vitamina A – e ela fazia soar aquele “A” como “AAAAAHHH”
E depois olhava para mim, através da câmara.
Eu trabalhava em casa : era – sou, ainda – tradutor, e raramente saía. Dois anos de vida em comum com Claire tinham-me feito perder a vontade de sair até para um café. Ela era doentia, patologicamente ciumenta. O simples facto de ver uma empregada olhar para mim, ou eu a olhar para ela, enquanto encomendava um café fazia-a sofrer prodigiosamente.
- Aposto que não bate o tambor tão bem como eu.
- Claire, ninguém bate o tambor tão bem como tu. Mas eu tenho que olhar para ela quando lhe falo, não?
- Porque te olha ela com aqueles olhos concupiscentes?
- Concupiscente és tu, querida, e lasciva, sensual, libertina – graças a Deus. Mas eu tenho que olhar para ela, e ela para mim, enquanto encomendo uma porcaria de um café.
- Anda fazer amor comigo na casa de banho, se gostas de mim tanto quanto dizes.
- Claire, por favor, agora não. Espera pelo menos que cheguemos a casa.
- Não dizia eu que tu já não me amas?
Eu abandonava o debate, vencido, farto, cansado – mas ia atrás dela para a casa de banho e possuía-a de pé, frente ao espelho, as nossas caras uma ao lado da outra, ela com as mãos no lavatório e eu com as minhas nos seios, nas ancas, nos ombros, no ventre dela, que era liso e terminava numa floresta luxuriante porque ela se recusava a cortar os pelos púbicos. E era lá que eu punha as mãos, enchia-as daqueles pelos fortes que imaginava percorridos de movimentos semelhantes ao das algas submarinas nos programas do Comandante Cousteau. O clítoris dela crescia, os mamilos cresciam, ela arfava violentamente, esfregava as nádegas contra as minhas virilhas, por vezes tentava tirar as mãos do lavatórios e fazia-nos perder o equilíbrio, apoiava a cabeça contra o espelho da casa de banho do restaurante chic que ficava ao lado de nossa casa e não ouvia sequer as tentativas infrutuosas que faziam os outros clientes para abrir a porta; esfregava-se em mim como se quisesse fundir-se comigo, e eu ejaculava por todos os poros do corpo, perdia a cabeça, hurrava e tinha vergonha quando saía da casa de banho e devia afrontar o olhar de gozo, ou de inveja, dos outros. Digo que a possuía, mas hoje sei que não era verdade : era ela quem me possuía, era ela o mestre, era ela que comandava e dirigia o jogo, anzol na boca ou noutro sítio qualquer.
Voltávamos para o lugar, a empregada de trombas, e Claire respondia-lhe com o seu olhar de matador, o olhar com o qual o toureiro olha o touro morto na areia, altivo e humilde simultaneamente. Por vezes pensava, mas sei agora que estava errado, que ela via os outros clientes a aplaudi-la e a gritar “uma orelha ! uma cauda!” e a enviar-lhe flores para a mesa como se estivessem no Campo Pequeno. “Ela deve estar a ver-se a dar a volta ao café, de chapéu na mão a agradecer os aplausos”.
Por vezes tentava fazer-lhe uma observação.
- Claire, "bater o tambor" é uma expressão africana para ”fazer amor”. Um dia vai haver um pai de uma das regiões onde a expressão é utlizada a ver o filhote no programa e haverá queixas.
- Sei muito bem o que “bater o tambor” quer dizer. É muito mais bonito do que “foder”, não é?
Claire tinha uma prodigiosa capacidade para fugir às questões.
- Sem dúvida, mas não é isso que está em causa, e tu sabe-lo perfeitamente. Tens um emprego óptimo na televisão, um emprego de que gostas e que fazes bem, e pões tudo em risco por causa de uma infantilidade.
- Porque é que não gostas de mim?
- Claire…
- Pedro, cala-te e faz-me amor.
E eu fazia-lhe amor. Deus sabe se eu lhe fazia amor, de manhã antes de ir para o estúdio, à noite quando voltava para casa, nos elevadores, nas casas de banho dos restaurantes e das casas dos amigos onde éramos convidados para jantar, em qualquer lugar a qualquer hora eu fazia-lhe amor. E tinha alarmes que tocavam, gritavam, hurravam, esfalfavam-se em avisos, clamavam e invectivavam-me, mas eu deixa-me ir, porque cada vez parecia melhor que a anterior, e porque Claire conseguia de mim o que nenhum afrodisíaco conseguiria. Uma vez fomos a S. Petersburg ver uma exposição, era dezembro e mesmo assim conseguimos fazer amor num banco de jardim, vinte graus abaixo de zero, os nossos corpos separados por quatro espessas camadas de roupa vezes dois, como esses presentes preciosos que se oferecem pelo Natal, as mãos dentro de umas luvas de pele e o gorro enfiado até aos olhos; ainda hoje me pergunto como conseguiu ela provocar-me uma erecção, como é que fizémos e como foi bom, a ponta do meu sexo mal tocando no dela, uma penetração que o não era – parecia-se mais com uma carícia interminável, lenta, e quando ejaculei foram torrentes que se entornaram na roupa e a deixaram a cheirar a esperma até chegarmos a Lisboa e mandarmos tudo para a lavandaria.
Conhecera-a numa festa no meu anterior emprego. Ela estava rodeada de uma cohorte de machos, cada um deles fazendo um comentário mais patético que o do vizinho. O espectáculo era aflitivo, consternante. Os homens tinham todos cinquenta anos, os olhos babados e nódoas de urina na braguilha, que o ventre os impedia de ver. Era uma empresa de construção, eram todos engenheiros, bem pagos e competentes. Ela estava no meio, sentada, com a saia bem alta e sorria a cada declaração de imbecilidade.
- Eles pensam que os seus olhos são bonitos, mas eu já vi olhos muito mais bonitos que os seus – disse-lhe, tendo bebido muito mais do que de costume. - Tome, aqui está o meu número de telefone. – Estendi-lhe um bocado de papel com o nome e o número de telefone do escritório.
Ela telefonou-me dois dias mais tarde.
- Bom dia. O meu nome é Claire. Encontrámo-nos na festa da sua empresa, lembra-se? Gostaria de vir jantar a minha casa sexta-feira que vem?
- Sim, obrigado. - Como teria eu sabido de quem se tratava ? Nessa altura eu fazia avanços a tudo o que me passasse à frente com dois seios genuinamente femininos, mas como andava em período de seca estava constantemente a tentar afogar-me por dentro, e a memória falhava-me frequentemente.
Claire morava em Alfama, num velho prédio recentemente reconstruído – reabilitado, era o termo que então se empregava. O arquitecto era bom: da sala via-se o Tejo como se estivéssemos a sobrevoá-lo muito baixo. O barulho e os cheiros da rua chegavam até nós e cada vez que fazíamos amor parecia que o fazíamos com a cidade toda.
- Boa noite. Entre. Obrigado por ter vindo. – Claire veio abrir-me a porta com um sorriso e uma mão estendida para que eu lha apertasse, em vez do beijinho que me preparava para lhe dar. – Pûs água a correr para um banho. Espero que a temperatura esteja a seu gosto. Venha, a casa de banho é por aqui.
Eu estava siderado, claro, mas fiz o que pude para não o deixar transparecer. Ainda pensei que brincava, mas depressa me apercebi que era o único hóspede. Levou-me até à porta da casa de banho e disse-me que se precisasse de alguma a chamasse.
A água estava à boa temperatura. Da banheira via-se o Tejo, parcialmente reflectido num enorme espelho que cobria por inteiro uma das paredes. Posteriormente apercebi-me que as janelas da casa eram todas iguais, com vidro até ao chão, o que nos dava a impressão de viver no vazio, ou de estar do lado de fora de um aquário, que era a cidade e o rio e a outra margem. O soalho era em madeira e a decoração modernista, subtil, de bom gosto.
Aos poucos comecei a deixar-me ir, levado pela vista de Lisboa e pela temperatura morna da água. Apetecia-me um whisky, ou um Gin and Tonic, mas não precisei de lhe pedir nada porque ela entrou na casa de banho depois de ter batido levemente à porta. Esta mulher era talvez estranha, mas mal educada não era concerteza.
- Quer um whisky, ou outra coisa qualquer?
- Um whisky, por favor. Só com gelo.
Outro ligeiro toque na porta, e ela voltou com o whisky. Tinha mudado de roupa. Agora estava só com um robe, e nua por baixo. Estava com o tal sorriso do matador, que eu tantas vezes veria. Deu-me o copo e ajoelhou-se ao lado da banheira. Pegou no meu sexo, mole e caído, com a mão esquerda, e com a outra começou a acariciar-me os testículos e as nádegas e entre as nádegas e as coxas. A erecção apareceu logo, claro. Ela beijava-me o membro de lado, como fazem os fumadores de charuto que não sabem e o cheiram ao longo do comprimento, quando na verdade um charuto cheira-se na ponta, unicamente. Mas Claire sabia, ela, perfeitamente o que estava a fazer : com a língua percorria a veia que, por baixo, traz o sangue, a vida, a esperança. Quando chegava ao fim, ou ao princípio, ao lado da raiz, tomava gentilmente um dos testículos e depois recomeçava no sentido inverso. Eu não consegia mexer-me. Imperceptivelmente ela começou a chupar-me. Cada movimento dos lábios era acompanhado em contraponto pela língua. Em astronomia chama-se periélio ao ponto da órbita de um planeta em que ele está mais perto do sol, e afélio ao ponto em que está mais afastado. Tomemos a glande pelo sol : nos periélios ela tocava com a língua aquela pequena região triangular de onde partem, harmoniosamente, as duas calotes. E nos afélios ela envolvia o membro com a língua e fazia-lhe uma espécie de leito, não sei, não sei. A água estava quente, o whisky gelado, e eu não sentia os seus dentes excepto quando ela se apercebia que eu ia ejacular: nesses momentos ela mordiscava-me a base da glande, onde o meu sistema nervoso estava concentrado. A necessidade de ejacular desfeita, ela reentrava os dentes como um cachorro se deita na casota. Os seios mal tocavam na água. A minha mão direita esperavam-nos a cada órbita, se posso continuar com a analogia astronómica. E Claire continuava, com aplicação e humor. De vez em quando mudava os movimentos da boca, ou da língua. Vinte vezes pensei que me vinha, e dezanove ela usou os dentes. Penso que o que a decidiu a acabar foi a impressão que eu me estava a diluir no banho, e que assim que ela tirasse a tampa eu iria pelo cano abaixo, ou pela janela, quem sabe? Ela preparou-se para a ejaculação: a sua mão não largava os testículos, os lábios estavam muito mais vezes perto da glande, e a língua enrolava-se-lhe à volta, num movimento que ainda hoje sou incapaz de compreender. Parecia-me que ela fazia com a língua um corneto daqueles que fazem os vendedores de castanhas assadas em Lisboa, com papel de jornal muito bem enrolado. Assim que sentiu as primeiras gotas enfiou o membro bem para o fundo da boca; não foi uma ejaculação: foi um big bang, uma decomposição, uma desagregação. Eu esvaziava-me como uma alma que parte para o céu.
Ela não teria necessitado de fazer um jantar excelente para acabar de me convencer, mas excelente estava ele: Amêijoas à Bulhão Pato, Lombo de Porco com Tapenade, uma lusa colecção de sobremesas. Entre o banho e o jantar estava uma garrafa de champagne num balde de gelo. Ela serviu-me uma flûte e põs um disco, um slow, a tocar. Lembro-me que era o “On the Waterfront”, pelo John Lee Hooker, um dos meus slows favoritos – o outro, se querem saber, é “Beautiful Tonight”, do Eric Clapton. Ainda estávamos nus, e foi assim que dançámos.
Pela janela víamos as luzes de Lisboa e de Cacilhas, e as luzes dos cacilheiros que os ligavam, hífens luminosos e longínquos como a minha vida antes de entrar naquela banheira. Perguntei-lhe pelos vizinhos, e ela disse-me que todo o prédio era dela, não havia vizinhos. As erecções iam e vinham, sem esforço e sem violência. Aproveitei uma delas para a levar para o sofá, suficientemente grande para receber uma equipe de rugby. Tinha a garrafa de champagne ao alcance da mão: deitei-lhe um pouco na vagina e bebi lentamente, indo buscar cada gota, onde quer que ela estivesse, com a língua; não melhorava significativamente o gosto do champagne, mas tinha efeitos muito positivos noutros planos. Bebíamos alternadamente pela garrafa: ela, eu, a vagina, eu, ela. Por vezes tocava-lhe levemente no clítoris com o gargalo e juntava-lhe imediatamente a língua, ou experimentava a bebida noutros sítios: no umbigo, no ventre, nos seios, entre os dedos dos pés, mas não era tão bom como aquela mistura doce e salgada, quente e fria, que vinha do seu sexo. Fizémos amor e fômos para a mesa e voltámos para o sofá e bebemos mais champagne e quando estávamos esgotados fomos para a cama, mas não adormecemos logo. Quando o sono chegou foi uma bóia de salvação. E ainda hoje não tenho a certeza se a ouvi de facto perguntar-me:
- Então, os meus olhos ? – Mas acho que foi um sonho.
Cont.
Claire - II
II
Mudei para casa dela alguns meses mais tarde, após ter arrendado o meu apartamento a um ex-coronel do exército em busca, pareceu-me, de uma garçonnière ou de um abrigo contra as guerras atómicas da sua vida. Há muito que pensava vendê-lo, mas por uma vez dei atenção às sirenes de alarme que tocavam em mim desde o princípio da minha relação com Claire. A casa dela era grande, e no rés-do-chão eu tinha lugar para instalar o meu escritório; e era bonita, bem localizada e bem decorada – não fora a maldita televisão que Claire insistiu para que eu pusesse ao lado da secretária, afim de me vigiar. Disse-lhe que não via televisão, e ainda menos programas infantis, mas nada a fazer: Claire era a ilustração viva do aforismo “o que mulher quer Deus quer”. Instalei portanto a televisão e depressa compreendi que ela não brincava, como eu pensara, quando dizia que me queria vigiar: em breve começou a exigir que eu descobrisse a expressão “codificada” que utilizava no programa e me era destinada. “Assim sei que estás em casa e não tens o espírito ocupado noutras coisas, pelo menos durante a minha emissão”, explicou-me. E todos os dias excepto aos sábados e aos domingos, dias consagrados às nossas famílias, a minha no sábado a dela no domingo, eu tinha de sofrer aquela tortura.
E de felação em sodomia em penetração e mútuas masturbações, de carícias permanentes em juras de amor eterno a nossa vida comum tomava forma. Eu amava-a, ainda a amo apesar do que ela me fez, e gostava do seu sentido de humor, da sua imaginação, da sua cultura. Os abismos de insegurança e de ciúmes nos quais ela mergulhava fascinavam-me mais do que me aborreciam, pelo menos ao princípio.
Mas um dia, inevitavelmente, cansei-me. Estava farto, não podia mais, não do sexo em si, mas da permanente insegurança dela, de me sentir prisioneiro numa casa magnífica, da qual já não conseguia sequer apreciar as qualidades, de não poder dar um passo sozinho sem me sentir culpado. Há dois anos que vivíamos juntos, e cada dia me parecia mais longo que o anterior. Queria voltar para minha casa, dizer ao ex-coronel que fosse procurar outro abrigo ou outras guerras, estar sozinho, ir à casa de banho de um bar sem temer que Claire me irrompesse pela porta dentro com exigências idiotas, queria poder fazer um sorriso à miraculosa empregada do bar onde à noite iamos beber um copo sem sentir as suas recriminações e beliscões. Queria voltar para casa.
- Claire, preciso de te falar.
- Falar? Falar de quê? Cala-te e fode. - O medo tornava-a ordinária.
- Claire, vou voltar para casa. Amo-te muito e sempre te amarei, mas preciso de um pouco de calma e paz, pelo menos durante uns meses.
- Casa comigo.
- Claire, estou a dizer-te que me quero ir embora.
- Porque não me amas ?
- Eu amo-te. Amo-te. Mas preciso de pensar e preciso de espaço.
Estas conversas não levavam a lado nenhum. Claire chorava, tentava os métodos tradicionais, insultava-me; eu cedia, incapaz de me mexer e de a ver sofrer. E uma vez mais ela ganhava, o desejo tomava conta de mim e eu era incapaz de manifestar a menor força de vontade.
Não era mestre de mim. Mas aos poucos Claire foi mudadndo, e mudou consideravelmente : deixou de me pedir sexo incessantemente, deixou de me exigir a “palavra passe” do seu programa. Durante uns meses a nossa vida tornou-se banal, normal, sexo na cama e férias em agosto. Claire deixou de me falar em casamento, em crianças, que ela tanto queria, e tornou-se a adorável, bonita, engraçada miúda que eu tinha visto naquela festa, há tanto tempo.
Um dia disse-me:
- Estou farta de programas infantis. Na rentrée vou mudar. Vou propôr-lhes um programa científico.
- Tens razão. – Na verdade, não sendo obrigado a ver televisão todos os dias, e a descobrir os "afiar a faca" e os "soprar no trombone" ou fosse o que fosse que ela espalhava pelas emissões eu achava que ela devia continuar com o programa infantil, que tinha um êxito considerável.
- Que achas que devo fazer ? Tenho vontade de fazer uma emissão científica.
- Porque não um programa erótico?
- Oh, não sejas estúpido, por favor.
- Não é estúpido. Devias ser obrigada a dar cursos de sexo nos internatos femininos.
- Pára.
- Quem parou foste tu. Vem cá querida, vem cá… - Em três anos de vida comum, foi a primeira vez que lhe pedi sexo.
Claire mudara, radicalmente. Até os ciúmes tinham acabado. Encorajava-me a sair, e perguntava a minha opinião sobre as outras mulheres, suas colegas na televisão ou amigas nossas.
- E a Inês, gostarias de a conhecer? - Claire sabia que eu tinha um fraco por Inês, a apresentadora do telejornal, uma loira vaporosa que parecia viver pessoalmente todas as notícias, boas ou más, que lia. Tinha lábios grossos, grandes, e eu imaginava muitas vezes a técnica de Claire com aqueles... e parava aqui, porque aos poucos convencera-me que ela lia os meus pensamentos, os absorvia pelo esperma ou pelas minhas orelhas, quando nelas enterrava a língua até eu não saber em que planeta estava, de que planeta vinha.
Mas não foi Inês que ela convidou para jantar. Foi uma rapariga que eu conhecia mal, Paula, uma fotógrafa morena, muito pequenina, com uns olhos e uns seios enormes, simpática e empreendedora.
- Olá, Pedro, Claire falou-me muito de si… - e os olhos brilhavam.
- Nada disso, – interrompeu Claire – quem não pára de falar em ti e te acha muito bonito é ela.
- Viva. Entre e sente-se. Quer beber alguma coisa?
- Champagne, por favor. Parece que é a bebida da casa, não ?
As velhas sirenes de alarme puseram-se de novo a tocar.
Fui à cozinha preparar as bebidas e os aperitivos e quando voltei à sala estavam as duas nuas, a fazerem-se mutuamente um cunnilingus. Paula por cima, as nádegas altas, firmes, redondas. Os seios eram grandes e com eles roçava o ventre de Claire, que com um olho via o que a outra fazia e com outro olhava para mim, trocista. A coisa estava combinada, pensei. Tinha a garrafa e os copos de champagne nas mãos. Pousei-os e abri a garrafa, sacudindo-a tanto quanto possível. A rolha saltou para muito longe, e a espuma jorrou abundantemente. As nádegas de Paula estavam bem afastadas, e eu via o seu ânus, rosado, parecia que olhava para mim como os cegos que no metro pedem esmola. Tentei sentar-me e beber calmamente uma taça enquanto olhava para elas, mas não consegui. Aquele botãozinho rosado interpelava-me, como diziam antigamente – e se calhar ainda hoje dizem – os intelectuais parisienses. Nem me despi: abri a braguilha, tirei o membro já pronto para fora, reguei copiosamente o rabo da Paula e a glande, e eis-me lá dentro, com um pequeno « ouf » dela, não sei se de dor se de alívio. Paula tentava agora coordenar os movimentos comigo e com Claire. De vez em quando sentia a língua de Claire através da fina membrana que separa a vagina do ânus. Tinha as mãos em redor da cintura de Paula, e não a queria largar, só queria ejacular muito depressa e muito fundo. Regularmente regava-nos de champagne, que caía na boca de Claire. Paula apercebeu-se que os meus movimentos aceleravam e pediu-me para esperar um pouco. Claire ouviu e deu-me uma pancada nos testículos. A dor quase me fez perder a erecção, mas pelo menos permitiu-me retardar a ejaculação e continuar. Entretanto elas mudaram de posição: Claire pôs no mesmo sentido que Paula e eu e beijava-a furiosamente. Os seios delas tocavam-se, esmagavam-se, roçavam-se e Claire explorava com a língua a cara de Paula: fazia-lhe aquilo que tão bem fazia comigo, a língua entre os lábios e os dentes, na base do nariz, nas orelhas; com uma mão ela acariciava o alto das minhas coxas e com a outra masturbava a amiga, enfiava-lhe dois dedos pela vagina dentro e eu sentia-os no membro também. Paula veio-se: parecia uma barragem cujas comportas se abriram de repente; Claire estava inundada daquele líquido claro, tão parecido com água. Ejaculei também, fundo fundo no rabo de Paula, uma verdadeira bomba de sucção, os meus testiculos aspirados pelo frenesim das duas, e eu ejaculava, ejaculava, ejaculava.
Fui tomar um duche rápido e voltei para a sala com uma nova garrafa de champagne, a primeira estava vazia. Inês e Claire continuavam. Perguntei-me se elas teriam ensaiado antes de vir para casa, e se seria realmente a primeira vez que faziam aquilo. Parecia uma coreografia de Merce Cunnigham, os corpos muito próximos um do outro mas os gestos amplos e livres. Sentei-me, mas Claire chamou-me imediatamente:
- Querido, põe um pouco de champagne no vaso da Paula, por favor. - O que eu fiz. Claire, de joelhos, bebia gulosamente. Eu tinha a cabeça de Paula entre as minhas pernas, e estava fresco, lavado, a cheirar bem. Não há melhor afrodisíaco que um bom duche. Paula chupava-me o sexo, eu regava as duas de champagne mal vendo onde o punha, Claire excitava-se e voltava a ser a Claire que eu conhecia:
- Garçon, un peu de champagne, s'il vous plaît. – Por vezes gostava de falar francês, a língua da mãe. - E uma palha, uma palha bonita e grossa e grande, oh Deus misericordioso e generoso.
Claire deleitava-se com a mistura de champagne e de Paula; esta deleitava-se comigo e com Claire. E eu perguntava-me o que se teria passado, porque é que Claire, tão calma há tanto tempo, fizera isto, como pudera esuqecer os ciúmes a este ponto. Mas as perguntas em breve me saíram do espírito, e passámos a noite a fornicar, toda a noite; Paula e Claire faziam tudo o que podiam e sabiam para me provocar mais uma erecção, e outra e outra – e quando não conseguiam prosseguiam elas, sem mim. Gastámos todas as garrafas de champagne que tínhamos em casa, e depois passámos aos licores, Tia Maria, Khalua, Grand Marnier, Cointreau, experimentámos tudo.
- Podíamos abrir um bar - dizia Paula – e fazer cocktails que os pusessem doidos.
- Não, isto é bom demais para vender ou dar, isto é para nós e só para nós – respondeu Claire. Afinal não tinha mudado radicalmente.
Cont.
Mudei para casa dela alguns meses mais tarde, após ter arrendado o meu apartamento a um ex-coronel do exército em busca, pareceu-me, de uma garçonnière ou de um abrigo contra as guerras atómicas da sua vida. Há muito que pensava vendê-lo, mas por uma vez dei atenção às sirenes de alarme que tocavam em mim desde o princípio da minha relação com Claire. A casa dela era grande, e no rés-do-chão eu tinha lugar para instalar o meu escritório; e era bonita, bem localizada e bem decorada – não fora a maldita televisão que Claire insistiu para que eu pusesse ao lado da secretária, afim de me vigiar. Disse-lhe que não via televisão, e ainda menos programas infantis, mas nada a fazer: Claire era a ilustração viva do aforismo “o que mulher quer Deus quer”. Instalei portanto a televisão e depressa compreendi que ela não brincava, como eu pensara, quando dizia que me queria vigiar: em breve começou a exigir que eu descobrisse a expressão “codificada” que utilizava no programa e me era destinada. “Assim sei que estás em casa e não tens o espírito ocupado noutras coisas, pelo menos durante a minha emissão”, explicou-me. E todos os dias excepto aos sábados e aos domingos, dias consagrados às nossas famílias, a minha no sábado a dela no domingo, eu tinha de sofrer aquela tortura.
E de felação em sodomia em penetração e mútuas masturbações, de carícias permanentes em juras de amor eterno a nossa vida comum tomava forma. Eu amava-a, ainda a amo apesar do que ela me fez, e gostava do seu sentido de humor, da sua imaginação, da sua cultura. Os abismos de insegurança e de ciúmes nos quais ela mergulhava fascinavam-me mais do que me aborreciam, pelo menos ao princípio.
Mas um dia, inevitavelmente, cansei-me. Estava farto, não podia mais, não do sexo em si, mas da permanente insegurança dela, de me sentir prisioneiro numa casa magnífica, da qual já não conseguia sequer apreciar as qualidades, de não poder dar um passo sozinho sem me sentir culpado. Há dois anos que vivíamos juntos, e cada dia me parecia mais longo que o anterior. Queria voltar para minha casa, dizer ao ex-coronel que fosse procurar outro abrigo ou outras guerras, estar sozinho, ir à casa de banho de um bar sem temer que Claire me irrompesse pela porta dentro com exigências idiotas, queria poder fazer um sorriso à miraculosa empregada do bar onde à noite iamos beber um copo sem sentir as suas recriminações e beliscões. Queria voltar para casa.
- Claire, preciso de te falar.
- Falar? Falar de quê? Cala-te e fode. - O medo tornava-a ordinária.
- Claire, vou voltar para casa. Amo-te muito e sempre te amarei, mas preciso de um pouco de calma e paz, pelo menos durante uns meses.
- Casa comigo.
- Claire, estou a dizer-te que me quero ir embora.
- Porque não me amas ?
- Eu amo-te. Amo-te. Mas preciso de pensar e preciso de espaço.
Estas conversas não levavam a lado nenhum. Claire chorava, tentava os métodos tradicionais, insultava-me; eu cedia, incapaz de me mexer e de a ver sofrer. E uma vez mais ela ganhava, o desejo tomava conta de mim e eu era incapaz de manifestar a menor força de vontade.
Não era mestre de mim. Mas aos poucos Claire foi mudadndo, e mudou consideravelmente : deixou de me pedir sexo incessantemente, deixou de me exigir a “palavra passe” do seu programa. Durante uns meses a nossa vida tornou-se banal, normal, sexo na cama e férias em agosto. Claire deixou de me falar em casamento, em crianças, que ela tanto queria, e tornou-se a adorável, bonita, engraçada miúda que eu tinha visto naquela festa, há tanto tempo.
Um dia disse-me:
- Estou farta de programas infantis. Na rentrée vou mudar. Vou propôr-lhes um programa científico.
- Tens razão. – Na verdade, não sendo obrigado a ver televisão todos os dias, e a descobrir os "afiar a faca" e os "soprar no trombone" ou fosse o que fosse que ela espalhava pelas emissões eu achava que ela devia continuar com o programa infantil, que tinha um êxito considerável.
- Que achas que devo fazer ? Tenho vontade de fazer uma emissão científica.
- Porque não um programa erótico?
- Oh, não sejas estúpido, por favor.
- Não é estúpido. Devias ser obrigada a dar cursos de sexo nos internatos femininos.
- Pára.
- Quem parou foste tu. Vem cá querida, vem cá… - Em três anos de vida comum, foi a primeira vez que lhe pedi sexo.
Claire mudara, radicalmente. Até os ciúmes tinham acabado. Encorajava-me a sair, e perguntava a minha opinião sobre as outras mulheres, suas colegas na televisão ou amigas nossas.
- E a Inês, gostarias de a conhecer? - Claire sabia que eu tinha um fraco por Inês, a apresentadora do telejornal, uma loira vaporosa que parecia viver pessoalmente todas as notícias, boas ou más, que lia. Tinha lábios grossos, grandes, e eu imaginava muitas vezes a técnica de Claire com aqueles... e parava aqui, porque aos poucos convencera-me que ela lia os meus pensamentos, os absorvia pelo esperma ou pelas minhas orelhas, quando nelas enterrava a língua até eu não saber em que planeta estava, de que planeta vinha.
Mas não foi Inês que ela convidou para jantar. Foi uma rapariga que eu conhecia mal, Paula, uma fotógrafa morena, muito pequenina, com uns olhos e uns seios enormes, simpática e empreendedora.
- Olá, Pedro, Claire falou-me muito de si… - e os olhos brilhavam.
- Nada disso, – interrompeu Claire – quem não pára de falar em ti e te acha muito bonito é ela.
- Viva. Entre e sente-se. Quer beber alguma coisa?
- Champagne, por favor. Parece que é a bebida da casa, não ?
As velhas sirenes de alarme puseram-se de novo a tocar.
Fui à cozinha preparar as bebidas e os aperitivos e quando voltei à sala estavam as duas nuas, a fazerem-se mutuamente um cunnilingus. Paula por cima, as nádegas altas, firmes, redondas. Os seios eram grandes e com eles roçava o ventre de Claire, que com um olho via o que a outra fazia e com outro olhava para mim, trocista. A coisa estava combinada, pensei. Tinha a garrafa e os copos de champagne nas mãos. Pousei-os e abri a garrafa, sacudindo-a tanto quanto possível. A rolha saltou para muito longe, e a espuma jorrou abundantemente. As nádegas de Paula estavam bem afastadas, e eu via o seu ânus, rosado, parecia que olhava para mim como os cegos que no metro pedem esmola. Tentei sentar-me e beber calmamente uma taça enquanto olhava para elas, mas não consegui. Aquele botãozinho rosado interpelava-me, como diziam antigamente – e se calhar ainda hoje dizem – os intelectuais parisienses. Nem me despi: abri a braguilha, tirei o membro já pronto para fora, reguei copiosamente o rabo da Paula e a glande, e eis-me lá dentro, com um pequeno « ouf » dela, não sei se de dor se de alívio. Paula tentava agora coordenar os movimentos comigo e com Claire. De vez em quando sentia a língua de Claire através da fina membrana que separa a vagina do ânus. Tinha as mãos em redor da cintura de Paula, e não a queria largar, só queria ejacular muito depressa e muito fundo. Regularmente regava-nos de champagne, que caía na boca de Claire. Paula apercebeu-se que os meus movimentos aceleravam e pediu-me para esperar um pouco. Claire ouviu e deu-me uma pancada nos testículos. A dor quase me fez perder a erecção, mas pelo menos permitiu-me retardar a ejaculação e continuar. Entretanto elas mudaram de posição: Claire pôs no mesmo sentido que Paula e eu e beijava-a furiosamente. Os seios delas tocavam-se, esmagavam-se, roçavam-se e Claire explorava com a língua a cara de Paula: fazia-lhe aquilo que tão bem fazia comigo, a língua entre os lábios e os dentes, na base do nariz, nas orelhas; com uma mão ela acariciava o alto das minhas coxas e com a outra masturbava a amiga, enfiava-lhe dois dedos pela vagina dentro e eu sentia-os no membro também. Paula veio-se: parecia uma barragem cujas comportas se abriram de repente; Claire estava inundada daquele líquido claro, tão parecido com água. Ejaculei também, fundo fundo no rabo de Paula, uma verdadeira bomba de sucção, os meus testiculos aspirados pelo frenesim das duas, e eu ejaculava, ejaculava, ejaculava.
Fui tomar um duche rápido e voltei para a sala com uma nova garrafa de champagne, a primeira estava vazia. Inês e Claire continuavam. Perguntei-me se elas teriam ensaiado antes de vir para casa, e se seria realmente a primeira vez que faziam aquilo. Parecia uma coreografia de Merce Cunnigham, os corpos muito próximos um do outro mas os gestos amplos e livres. Sentei-me, mas Claire chamou-me imediatamente:
- Querido, põe um pouco de champagne no vaso da Paula, por favor. - O que eu fiz. Claire, de joelhos, bebia gulosamente. Eu tinha a cabeça de Paula entre as minhas pernas, e estava fresco, lavado, a cheirar bem. Não há melhor afrodisíaco que um bom duche. Paula chupava-me o sexo, eu regava as duas de champagne mal vendo onde o punha, Claire excitava-se e voltava a ser a Claire que eu conhecia:
- Garçon, un peu de champagne, s'il vous plaît. – Por vezes gostava de falar francês, a língua da mãe. - E uma palha, uma palha bonita e grossa e grande, oh Deus misericordioso e generoso.
Claire deleitava-se com a mistura de champagne e de Paula; esta deleitava-se comigo e com Claire. E eu perguntava-me o que se teria passado, porque é que Claire, tão calma há tanto tempo, fizera isto, como pudera esuqecer os ciúmes a este ponto. Mas as perguntas em breve me saíram do espírito, e passámos a noite a fornicar, toda a noite; Paula e Claire faziam tudo o que podiam e sabiam para me provocar mais uma erecção, e outra e outra – e quando não conseguiam prosseguiam elas, sem mim. Gastámos todas as garrafas de champagne que tínhamos em casa, e depois passámos aos licores, Tia Maria, Khalua, Grand Marnier, Cointreau, experimentámos tudo.
- Podíamos abrir um bar - dizia Paula – e fazer cocktails que os pusessem doidos.
- Não, isto é bom demais para vender ou dar, isto é para nós e só para nós – respondeu Claire. Afinal não tinha mudado radicalmente.
Cont.
3.9.04
Claire - III e fim
III
Amo-o, o meu Pedro, e sei que o faço sofrer com os meus ciúmes, com os meus medos e com a minha insegurança. Mas como explicar-lhe, como dizer-lhe, que não quero nunca mais encontrar-me só, nunca mais voltar para esta casa enorme e encontrá-la vazia, não quero nunca mais ter que comer sozinha, não quero nunca mais voltar para casa e ter que me deitar no sofá a ver televisão e não ter ninguém com quem falar, ninguém com quem partilhar o dia que passou e o que aí vem, não quero acordar e não ter ninguém ao meu lado, não ouvir um corpo que respira, não ter um ombro uma anca para tocar, não ter com quem comentar um livro, ouvir uma música, não ter a quem oferecer um presente ou quem me dê flores, não quero. Não gosto da solidão, nuna a suportei, e no fundo sempre estive só, o meu pai na sua fábrica, a minha mãe nas obras de caridade ou nos braços dos amantes, os meus irmãos a bater-me como se eu fosse um tapete, e eu não tinha senão os empregados do meu pai para falar e me dar um pouco de ternura. Não quero estar só, nunca mais, como fiquei depois do Ricardo me te deixado, ele queixava-se que eu lhe fazia as melhores felações do mundo mas que isso não chegava, era preciso variar a vida de casal, percebes Claire? Não, Ricardo, não percebo, por ti fiz tudo e se isso não chega eu prometo-te que farei mais ainda, Ricardo, não me deixes. E comecei a comprar todas as revistas pornograficas que encontrava, para aprender, para saber de que gostam os homens, mas apesar disso tu foste-te embora, Ricardo, e agora é o Pedro que se quer ir embora, deixar-me só outra vez. Tudo, tudo menos a solidão, não fui feita para estar sozinha, Pedro, ouve-me, não me deixes, suplico-te, imploro-te, não me deixes. Ele diz que se sente numa prisão, uma prisão com a melhor vista de Lisboa e um escritório em casa onde pode trabalhar à vontade e todo o amor do mundo, o que lhe falta? Diz-me, Pedro, porque passas a vida a olhar para as empregadas dos cafés e dos bares, que têm elas que eu não tenho, porque não gostam elas de mim, já o Ricardo passava o tempo a olhar para elas e acabou por me trocar por essa puta infame do Café Aguarela, alta, morena, imperial, tão segura, tão bonita, uma verdadeira princesa.
Espero que me perdoes Pedro, mas não te posso deixar ir embora, não te posso deixar-me ficar sozinha outra vez, a solidão é a pior das misérias, iremos todos juntos Pedro, tu, eu, olha o que fizeste quando te trouxe a Paula, saltaste-lhe para cima como se eu não existisse, e todo aquele champagne, Pedro, o champagne é para nós, só para nós, não para as outras, eu falei nisso à Paula um dia por acaso, Pedro, e vi que ela também queria e depois quis ver o que farias tu, Pedro e tu saltaste-lhe para cima e aposto que a continuaste a ver, não negues, Pedro, aposto que continuaste a vê-la, e a regalar-te com aqueles seios tão grandes, tão bonitos, e aqueles olhos, Pedro, aqueles olhos, até eu os acho lindos. Oh, eu sei que tu dizes que me amas, mas tenho a certeza que se te fores embora nunca mais voltas, não acredito que te vás por um mês ou dois como dizes, Pedro, queres deixar-me de uma vez por todas e eu sozinha outra vez.
Quando fazia a pesquisa para a emissão sobre o Sida encontrei aqule tipo no hospital, quase morto e deixado ao abandono num canto, ninguém lhe ligava nenhuma, Pedro, que miséria. E todos os dias vinha chupá-lo, que termo horrível, e um dia lembrei-me de fazer um golpe na mão e de cada vez cuspia um pouco do esperma dela para a mão e esfregava-a bem, queria fazer uma autoestrada real para o vírus, e todos os dias o chupava com amor, como se fosses tu, Pedro, pensava em ti e no amor todo que tenho por ti, e e...
Desculpa-me Pedro, mas partiremos todos juntos, tu, a Paula, eu, e todas as empregadas de mesa com quem me tenhas enganado, não há nada mais triste do que voltar para casa e acender as luzes e não ter com quem partilhar esse momento tão bom, partilhar Pedro, partilhar é a palavra mais importante do mundo e quando se esta só, que há, para partilhar? Nada, Pedro, nada.
Fim
Genève, 2001
Amo-o, o meu Pedro, e sei que o faço sofrer com os meus ciúmes, com os meus medos e com a minha insegurança. Mas como explicar-lhe, como dizer-lhe, que não quero nunca mais encontrar-me só, nunca mais voltar para esta casa enorme e encontrá-la vazia, não quero nunca mais ter que comer sozinha, não quero nunca mais voltar para casa e ter que me deitar no sofá a ver televisão e não ter ninguém com quem falar, ninguém com quem partilhar o dia que passou e o que aí vem, não quero acordar e não ter ninguém ao meu lado, não ouvir um corpo que respira, não ter um ombro uma anca para tocar, não ter com quem comentar um livro, ouvir uma música, não ter a quem oferecer um presente ou quem me dê flores, não quero. Não gosto da solidão, nuna a suportei, e no fundo sempre estive só, o meu pai na sua fábrica, a minha mãe nas obras de caridade ou nos braços dos amantes, os meus irmãos a bater-me como se eu fosse um tapete, e eu não tinha senão os empregados do meu pai para falar e me dar um pouco de ternura. Não quero estar só, nunca mais, como fiquei depois do Ricardo me te deixado, ele queixava-se que eu lhe fazia as melhores felações do mundo mas que isso não chegava, era preciso variar a vida de casal, percebes Claire? Não, Ricardo, não percebo, por ti fiz tudo e se isso não chega eu prometo-te que farei mais ainda, Ricardo, não me deixes. E comecei a comprar todas as revistas pornograficas que encontrava, para aprender, para saber de que gostam os homens, mas apesar disso tu foste-te embora, Ricardo, e agora é o Pedro que se quer ir embora, deixar-me só outra vez. Tudo, tudo menos a solidão, não fui feita para estar sozinha, Pedro, ouve-me, não me deixes, suplico-te, imploro-te, não me deixes. Ele diz que se sente numa prisão, uma prisão com a melhor vista de Lisboa e um escritório em casa onde pode trabalhar à vontade e todo o amor do mundo, o que lhe falta? Diz-me, Pedro, porque passas a vida a olhar para as empregadas dos cafés e dos bares, que têm elas que eu não tenho, porque não gostam elas de mim, já o Ricardo passava o tempo a olhar para elas e acabou por me trocar por essa puta infame do Café Aguarela, alta, morena, imperial, tão segura, tão bonita, uma verdadeira princesa.
Espero que me perdoes Pedro, mas não te posso deixar ir embora, não te posso deixar-me ficar sozinha outra vez, a solidão é a pior das misérias, iremos todos juntos Pedro, tu, eu, olha o que fizeste quando te trouxe a Paula, saltaste-lhe para cima como se eu não existisse, e todo aquele champagne, Pedro, o champagne é para nós, só para nós, não para as outras, eu falei nisso à Paula um dia por acaso, Pedro, e vi que ela também queria e depois quis ver o que farias tu, Pedro e tu saltaste-lhe para cima e aposto que a continuaste a ver, não negues, Pedro, aposto que continuaste a vê-la, e a regalar-te com aqueles seios tão grandes, tão bonitos, e aqueles olhos, Pedro, aqueles olhos, até eu os acho lindos. Oh, eu sei que tu dizes que me amas, mas tenho a certeza que se te fores embora nunca mais voltas, não acredito que te vás por um mês ou dois como dizes, Pedro, queres deixar-me de uma vez por todas e eu sozinha outra vez.
Quando fazia a pesquisa para a emissão sobre o Sida encontrei aqule tipo no hospital, quase morto e deixado ao abandono num canto, ninguém lhe ligava nenhuma, Pedro, que miséria. E todos os dias vinha chupá-lo, que termo horrível, e um dia lembrei-me de fazer um golpe na mão e de cada vez cuspia um pouco do esperma dela para a mão e esfregava-a bem, queria fazer uma autoestrada real para o vírus, e todos os dias o chupava com amor, como se fosses tu, Pedro, pensava em ti e no amor todo que tenho por ti, e e...
Desculpa-me Pedro, mas partiremos todos juntos, tu, a Paula, eu, e todas as empregadas de mesa com quem me tenhas enganado, não há nada mais triste do que voltar para casa e acender as luzes e não ter com quem partilhar esse momento tão bom, partilhar Pedro, partilhar é a palavra mais importante do mundo e quando se esta só, que há, para partilhar? Nada, Pedro, nada.
Fim
Genève, 2001
Ideias feitas
Uma das ideias pré-concebidas mais em voga é de que Bush dilapidou o capital de simpatia que os Estados Unidos acumularam depois do 11 de Setembro.
A esse repeito, transcrevo aqui um texto de Finkielkraut publicado a 2 de Outuro de 2001. O extracto é longo:
"Je me trompais: la métaphysique du crime originel est inébranlable.
Trois semaines ont passé depuis le 11 septembre et déjà la stupeur se dissipe. Les mots reviennent, et, avec eux, les vieux schémas. L'examen de conscience prend la relève de l'épouvante. À peine entrons-nous dans la période du deuil que la pensée progressiste s'affaire à instruire le proccès de la puissance américaine. Il n'y a pas de fumeée sans feu, dit le Tribunal, pas de révolte sans bons motifs, pas de terrorisme pour rien. L?Amérique n'a été si spectaculairement frappée que parce qu'elle est coupable. Coupable de vouloir gérer à elle seule toute la planète. Coupable d'étrangler la population irakienne par un embargo qui a déjà fait des centaines de milliers de morts. Coupable de ne pas avoir signé le protocole de Kyoto visant à réduire l'émission de gaz à effet de serre. Coupable d'avoir fabriqué des talibans, et Oussama Ben Laden. Coupable d'avoir llaissé ses créatures réduire à l'état de poussière les deux bouddhas géants de la vallée de Bamyan sans réagir autrement que par des protestations formelles. Coupable de faire payer aux Arabes un crime commis par les Européens en imposant la présence au Proche-Orient de l'État d'Israel. Coupable, quand elle ne l'instrumentalise pas, d'humilier l'Islam. Coupable de ne pleurer que ses propres victimes et de se laver les mains de catastrophes bien plus graves, comme le génocide du Rwanda, en les baptisant "crises humanitaires". Coupable donc de surenchérir par le racisme lacrymal sur son impérialisme sans pitié.
On se prend á penser, devant ce réquisitoire monumental, qu'il n'existe sur la terre aucune injustice dont le pays de la bannière étoilée puisse se dire innocent. L'intégralité du mal lui revient..."
A esse repeito, transcrevo aqui um texto de Finkielkraut publicado a 2 de Outuro de 2001. O extracto é longo:
"Je me trompais: la métaphysique du crime originel est inébranlable.
Trois semaines ont passé depuis le 11 septembre et déjà la stupeur se dissipe. Les mots reviennent, et, avec eux, les vieux schémas. L'examen de conscience prend la relève de l'épouvante. À peine entrons-nous dans la période du deuil que la pensée progressiste s'affaire à instruire le proccès de la puissance américaine. Il n'y a pas de fumeée sans feu, dit le Tribunal, pas de révolte sans bons motifs, pas de terrorisme pour rien. L?Amérique n'a été si spectaculairement frappée que parce qu'elle est coupable. Coupable de vouloir gérer à elle seule toute la planète. Coupable d'étrangler la population irakienne par un embargo qui a déjà fait des centaines de milliers de morts. Coupable de ne pas avoir signé le protocole de Kyoto visant à réduire l'émission de gaz à effet de serre. Coupable d'avoir fabriqué des talibans, et Oussama Ben Laden. Coupable d'avoir llaissé ses créatures réduire à l'état de poussière les deux bouddhas géants de la vallée de Bamyan sans réagir autrement que par des protestations formelles. Coupable de faire payer aux Arabes un crime commis par les Européens en imposant la présence au Proche-Orient de l'État d'Israel. Coupable, quand elle ne l'instrumentalise pas, d'humilier l'Islam. Coupable de ne pleurer que ses propres victimes et de se laver les mains de catastrophes bien plus graves, comme le génocide du Rwanda, en les baptisant "crises humanitaires". Coupable donc de surenchérir par le racisme lacrymal sur son impérialisme sans pitié.
On se prend á penser, devant ce réquisitoire monumental, qu'il n'existe sur la terre aucune injustice dont le pays de la bannière étoilée puisse se dire innocent. L'intégralité du mal lui revient..."
Bêtise
"La bêtise moderne signifie non pas l'ignorance, mais la non-pensée des idées reçues."
Milan Kundera, Discours de Jérusalem: le Roman et l'Europe, in L'Art du Roman, ed. Gallimard, Col. Folio Essais, 1986.
Milan Kundera, Discours de Jérusalem: le Roman et l'Europe, in L'Art du Roman, ed. Gallimard, Col. Folio Essais, 1986.
2.9.04
País feliz
Num país que tem a educação no estado em que Portugal a tem;
A justiça no estado em que está;
A pobreza, a economia, a saúde;
Num país em que os organismos públicos são os piores caloteiros e não pagam a tempo e horas o que deviam pagar;
Num país em que só paga impostos quem quer ou quem trabalha por conta de outrém;
Num país que tem o caos urbanístico que Portugal tem;
Num país em que morrem dezenas de pessoas por dia em acidentes de viação;
Num país em que os prédios caem de podre;
Num país que tem uma taxa de analfabetismo como a que Portugal tem,
o tema do dia é o aborto.
País feliz.
A justiça no estado em que está;
A pobreza, a economia, a saúde;
Num país em que os organismos públicos são os piores caloteiros e não pagam a tempo e horas o que deviam pagar;
Num país em que só paga impostos quem quer ou quem trabalha por conta de outrém;
Num país que tem o caos urbanístico que Portugal tem;
Num país em que morrem dezenas de pessoas por dia em acidentes de viação;
Num país em que os prédios caem de podre;
Num país que tem uma taxa de analfabetismo como a que Portugal tem,
o tema do dia é o aborto.
País feliz.
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