30.6.25
Fim do dia à beira lago
29.6.25
Ciclos
A sete anos de vacas gordas sucedem outros tantos delas magras. Estes ciclos não datam de hoje. A questão não é essa. É: o que se segue a seis anos e meio de altos muito altos e baixos muito baixos? O que se segue a seis anos e meio de caminhar à borda do abismo?
Diário de Bordos - Aeroporto de Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 29-06-2925
(No seguimento de uma longa ladaínha de queixas que apaguei sem querer): saio da fila (da Paul), sento-me de novo à mesa e decido comer no avião. Não me reconheço neste aeroporto, que não cessa de crescer e de mudar-me os trajectos. O meu café favorito (StrEat, se por acaso) está fechado. São quase cinco da manhã, o aeroporto está cheio mas aparentemente não o suficiente para que todos os cafés estejam abertos. Bem feita: ninguém me mandou chegar tão cedo. Abomino este meu hábito recente tanto quanto abominava quando andava sempre a correr, afogueado, para apanhar os aviões. O mau gosto é aterrador. Esta gente é feia, gorda, tatuada e veste-se mal. O walk-through está do tamanho de um campo de futebol (parece-me) e não tem nenhm frasco de Fahrenheit aberto. Os gajos que estavam à minha frente na bicha acabam de passar, sandes na mão, vestidos como se fossem fazer jardinagem (ou lavar a loiça do jantar da véspera. Não têm cara de quem tdm hardim). Vou para a porta. Pode ser que não haja comida lá perto.
28.6.25
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 28-06-2025
À já longa lista de desaparecidos de Palma tenho agora de acrescentar um dos que me dói mais: o Antiquari fechou, chama-se Antigua Esquina, a decoração mudou, o pessoal mudou, a música mudou e a minha Palma ficou mais pobre. O Antigua Esquina é um lugar banal, com uma empregada cheia de poercings, decoração merdosa, taperia e mai-la pata que o pôs. Tudo muda, claro, eu sei. Só não percebo é por que raio de carga de água não muda para melhor. Enfim, percebo: a neguentropia exige mais energia do que a entropia.
Vou ter de me adaptar à cidade, mudar de poisos, mudar. Afinal a «minha» Palma sobreviveu a todas estas mortes. A mais sobreviverá.
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Janto de novo no Gustar, desta vez no exterior. Não tenho a certeza de preferir a praça ao interior. À minha esquerda dois casais nos sessentas (pelo menos eles. Elas parecem mais novas). O homem que está mais perto de mim veste umas bermudas azul celeste, camisa cor de rosa e um daqueles bonés com uma pala, mas com esta para trás. Presto um bocadinho de atenção e apercebo-me de que não são casais, não se conhecem. A senhora mais perto de mim está a explicar o que faz. Não ouvi. Pouco me interessa, ou nada. Além de que o esforço não valeria a pena. À minha direita uma mesa de franceses. Uma das senhoras tem um penteado um bocadinho esotérico, faz lembrar os anos cinquenta. A certa altura anuncia alto e bom tom "J'ai du caractère !" Como se não se visse, logo ao primeiro olhar.
Là dentro não há ninguém, é o espaço que o Tom e o Fidel reservam para quem não fez reservas. Além de que não preciso de ar livre. É coisa que não me falta.
Tento abstrair-me das mesas vizinhas. Penso no ceviche de gambas, em ter que me levantar daqui a seis horas... Eles são nórdicos, elas alemãs. Trouxe a máquina fotográfica para nada. Os franceses baixaram o volume e de qualquer forma estão à minha direita, o lado de que sou mais surdo. Este cozinheiro quando morrer vai para o céu dos cozinheiros. Só espero que não seja amanhã a véspera desse dia fatal. A conversa da mesa da esquerda irrita-me. Gostaria de ser surdo e ter um aparelho que me permitisse seleccionar o que oiço. O meu almoço foi uma arancina e um tiramisú no Hugo. As arancinas vêm da Sicília, explicou-me. Por isso são pequenas. São boas, Hugo, se bem não sejam excepcionais. Em Setembro estarei em Palermo. Com sorte passo lá o meu aniversário e se não for em Palermo será na ilha, a da da Goliarda e do Gattopardo. Sessenta e oito anos e dois netos, uma quantidade razoável de milhas náuticas percorridas, palavras escritas, corpos, cidades e outras coisas.
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Palma partilhada: o tiramisú com a L., o ceviche com o V. Palma é feita para se estar acompanhado, mesmo quando se está sozinho.
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Os senhores da mesa ao lado trabalham para uma empresa multinacional que fabrica cotonetes. Vou-me embora e venho ao Claudio. É quase obrigatório não fazer este trajecto. Seria como para uma formiga querer fugir da fila. Continuo com vergonha de ir ao balcão lateral e faço bicha. Tornou-se impossível vir aqui sem ter de esperar.
27.6.25
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 27-06-2025
Deixem-me começar pelo fim, não vá eu adormecer na burra e só acordar amanhã, no Volta Dos, meio estremunhado e não me lembrar de nada.
z) Melhor vermute de sempre, para sempre: Luis XIV, no Jaume. Abençoado sejas, Jaume, ad seculum seculorum;
y) Jantar no Gustar. Vitello tonnato. Há dias em que se é forçado a acreditar na existência de Deus. Quem não acredita, pode sempre pensar que Ele se fez substituir pelo cozinheiro do Gustar e que quando quer dar sinais de vida faz um vitello tonnato. Ou outra coisa qualquer. Tudo o que sai daquelas mãos é milagre;
x) Aluguer de bicicleta no Ivo, a que se seguiu uma passagem pelo passeig des Born. Porque é que mais cidade nenhuma do mundo tem um passeig des Born? Genebra tem uma coisa parecida, mas é coisa e é parecida. Chama-se Parc des Bastions. Não é a mesma coisa, reitero o aviso;
w) Lavandaria. A Erika já não trabalha lá. Foi para outra loja. Quem pensa que as coisas não devem mudar vê-as (as coisas) unilateralmente, por assim dizer.
a) (Salto para a a)): Palma é tão parte de mim como eu dela.
z1) Volto ao fim. Gelado no Claudio. Não só está aberto mas tem uma fila de dez pessoas à minha frente. Tenho vergonha de passar pelo balcão lateral e acrescento meia dúzia de linhas ao disparate de hoje.
Penso no que me pode levar a comparar o Parc des Bastions com o Passeig des Born. A única coisa que têm em comum são as árvores e eu.
As cidades não são o que são. São o que somos quando nelas estamos, as olhamos e nelas somos. Isto é: somos nós e elas, misturados em partes desiguais e variáveis. As cidades mudam connosco, louvadas sejam.
z2) O Claudio ofereceu-me o gelado. Diz que é o primeiro da época e que "tem projectos". "Desde que não percas a qualidade, Claudio", respondo.
É impossível comparar Lisboa ou Genebra com Palma. São as três pernas de um tripé cujo vértice sou eu. Isto é, eu hoje. Eu, todos os eus.
26.6.25
Diário de Bordos - Fundeado em Magaluf, Mallorca, Baleares, Espanha, 26-06-2025
Último dia deste charter. Amanhã estou livre e domingo em Genebra. O ideal seria ter o mar para viver e deixar a massa noutras sedes, mas não tenho nenhuma sede que me traga o que traz o mar. Massa e vida, impossível dissociar as duas. Amanhã e depois durmo na Volta Dos e janto no Gustar. Às vezes parece-me que tenho um prego espetado no mercado do Olivar, ao qual estou ligado por um cabo, como as vacas nos Açores e ando à volta desse prego, afastando-me mais ou menos consoante o tamanho do cabo. Só não sei quem o muda, o cabo, se eu se o acaso.
Gosto de pensar que sou eu e gosto de pensar no que gosto de me enganar.
25.6.25
Diário de Bordos - Puerto de Andratx, Mallorca, Baleares, Espanha, 25-06-2025
Por falar nisso: como é que se lida com alguém de quem se tem pena?
O Divino (Puerto de Andratx) tem Palos mas não tem sifón. Em contrapartida tem vermute. Rumbo, bastante aceitável e adequado. Vai um Rumbo, maestro.
24.6.25
Diário de Bordos - Sa Calobra, Mallorca, Baleares, Espanha, 24-06-2025
23.6.25
Diário de Bordos - Puerto de Soller, Mallorca, Baleares, Espanha, 23-06-2025
De novo na Soller do meu coração, da minha memória, do coração da memória e da memória deste. Hoje no bar Es Cantó, o bar dos reformados locais, um dos meus indícios favoritos para escolher waterholes. (No caso presente, beerhole.) O Es Cantó fica à frente do Bon Gust, aonde espero vir jantar hoje, se arranjar maneira de me desenfiar dos clientes.
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Dos quais, de resto, não me posso queixar. Se não fosse a merda da música seriam perfeitos.
Mas essa coisada da perfeição está sobrevalorizada, de maneira mais vale contentar-me com o que tenho, que é bom; e como toda a gente sabe o óptimo é inimigo do bom.
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Uma vez em Soller perdi a carteira com o salário da semana lá dentro. Acessoriamente, era o dinheiro todo que tinha.
A carteira foi encontrada por uma família americana, que ma devolveu intacta.
Até na cidade mais feia do mundo eu ficaria apaixonado por ela. Numa vila com a beleza de Soller (porto de Soller, mais precisamente) o amor pré-existente não podia senão expandir-se até ao infinito, de mãos dadas com a gratidão.
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É Junho e as hordas de hunos ainda não chegaram. O que eu gostaria de poder não trabalhar em Julho e Agosto e refugiar-me numa montanha com os meus netos e os meus livros...
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O Bon Gust não abriu. Comi umas beringelas recheadas e medíocres no Sa Paella, por sugestão do senhor do Es Cantó e agora venho turistar para uma esplanada na marginal enquanto a cidade (? - no sentido lato) desfila à minha frente. Turistas, imigrantes, alguns indígenas, que os há. Estou com uma dor de cabeça monstruosa, bebo hierbas secas, espero pelos clientes, que finalmente desembarcaram e pela hora de me ir deitar.
Dias, horas, números e por aí fora
O S/Y M. tem um grupo electrogéneo - ou seja: um gerador - uma dessalinizadora, ar condicionado, três frigoríficos e dois congeladores. Os seus actuais e simpáticos sete clientes gastam um pouco menos de setecentos litros de água doce por dia e precisam de ar condicionado as vinte e quatro horas desse mesmo dia. Compraram comida para muitos mais dias do que os sete que aqui vão passar (o que, de passagem seja dito, é habitual). Até agora (ou seja, um dia) navegámos zero horas à vela e aproximadamente cinco a motor. Faltam cinco dias para o meu trabalho acabar e seis para ir a Genebra - aonde ficarei seis dias - ver os meus dois netos, a minha filha e respectivo marido, a minha ex-mulher e presente amiga e provavelmente um ou dois outros amigos.
Mini-azulejos, vida.
(Para o Tago Taron.)
22.6.25
Diário de Bordos - Santelmo, Mallorca, Baleares, Espanha, 22-06-2025
Salto de uma travessia para um transporte e deste para um charter. Felizmente sou novinho. Se tivesse sessenta anos não sei se teria pedalada para este ritmo. Felizmente tive excelentes tripulações, tanto na travessia como no transporte para Maiorca e esta do charter... bem, é um charter e para os parâmetros desta magnífica actividade os clientes - que o ramo insiste em tratar por hóspedes - não estão nada mal. De maneira aqui estou, de novo na Maiorca, na Santelmo, no restaurante Flexas do meu coração. «Coração grande», dir-me-ão. «Ainda bem», responderei. «Tem lugar para este mundo e metade do outro.
É verdade que o primeiro caso é um bocadinho confrangedor quando a pessoa nos é próxima e expõe a face má a quem não a conhece mas esse é um desconforto que passa depressa. Afinal, gostar de alguém é gostar dos seus defeitos, não é? É. E aprender a viver com eles, por muito aborrecido que seja.
Antes amor do que ódio.
20.6.25
Diário de Bordos - No mar, trinta milhas a sudoeste de Formentera, 20-06-2026
18.6.25
Religiões, Razão
Eólicas em todo o lado, a dar cabo da paisagem. O catolicismo fez catedrais, os muçulmanos mesquitas. A religião moderna faz eólicas.
Deuses por deuses, prefiro os antigos. Conseguem o prodígio de ser mais racionais. E bonitos.
A experiência e os pequenos aborrecimentos
Penso poder dizer, sem risco de falsa imodéstia, que tenho bastante experiência nestas coisas do mar e da navegação.
Só me chateia é o tempo que levei a adquiri-la.
14.6.25
Estética, guito e entropia
Retratos possíveis. Ou: Cacofonias
Tinha tantas qualidades como defeitos e era grande em ambos.
(Zé Pinho, com saudade, enquanto bebo um copo de vinho na Ler Devagar e penso no que tenho de fazer e não me apetece fazer porque penso que o que não me apetece fazer me traz mais paz do que o que devo fazer, cuja paz é relativa porque a paz que esta livraria me traz me faz pensar em fazer as pazes com o que aqui pensei fazer e fiz, às vezes e outras não.)
13.6.25
Diário de Bordos - Aeroporto de Ibiza, Baleares, Espanha, 13-06-2025
Camisolas teóricas e novelos de caos
12.6.25
Diário de Bordos - No mar entre Gibraltar e Ibiza, 12-06-202512
Enfim no Mediterrâneo. Literalmente: hoje mal atraquei em La Linea fui lá baixo verificar as portas dos lemes. Estavam bem, obrigado. A ou as orcas estariam só a testar o material? A fazer-lhe festinhas para o amaciar? Não sei. Sei que nosso festivo método de auto-defesa funcionou e não as voltámos a ver.
Saí da água, tomei um duche rápido e fui fazer a chegada à recepção da marina. As empregadas são as mesmas desde que ali fui pela primeira vez. Sorridentes, hospitaleiras, simpáticas. Apercebo-me uma vez mais de quanto gosto do Mediterrâneo e de quão tonto era quando não gostava. Saí da recepção e tinha a Guardia Civil à minha espera a bordo. As mesmas simpatia e cordialidade mas desta vez um bocadinho à tangente. Os gajos não engoliram a minha história de que as orcas se tinham ido embora de moto proprio. Tive sorte: um deles tem um barco e consegui desviar um pouco a conversa. Quando me voltavam com a história da "sorte" que eu tive, eu respondia "Sorte? Primeiro vamos ver o que a minha mulher anda a fazer" e ríamo-nos todos muito. Vá lá, pelo menos não revistaram a embarcação. Teriam encontrado o material de festa ao fim de meia dúzia de segundos.
Desta vez a escala correu como planeado (em Lagos também, mas só havia uma coisa a fazer e bastou-me esperar vinte minutos para a ter feita. Aqui não: havia duas coisas a fazer, a que se juntou a inspecção dos lemes: Mercadona e gasóleo - este em Gib. No meio o M. desembarcou, o que é pena porque o rapaz é porreiro. Agora vamos só três. Pouco tempo, não faz mal.
Chamei um táxi, comprei chocolates, fruta, doces, voltei para bordo - o chauffeur estava no grupo das recepcionistas e dos polícias e foi uma simpatia - fomos a bancas do outro lado do aeroporto / fronteira e aqui estamos, grande toda e code zero, vinte nós pela alheta de estibordo, um bocado fora do rumo mas quero que o rumo se arrume a um canto e me deixe desfrutar tranquilamente do cansaço.
(Cont.)
10.6.25
Diário de Bordos - No mar, Horta, Açores - Sta. Eulalia, Ibiza, 04 a 07-06-2025
Quase a chegar a Lagos para bancas e saímos ligo a seguir para Gibraltar. Aqui ficam, brutes de coffrage, as notas da viagem.
040625
O N. F., amigo recente mas que muito estimo e admiro, diz que no mar sou um e em terra outro. Às segundas, quartas e sextas tendo a concordar com ele; às terças, quintas e sábados penso que não, que sou o mesmo e limito-me a ter uma grande capacidade de adaptação. Aos domingos penso como dizia aquele meu colega da banda desenhada: sou o que sou e é tudo o que sou.
Ao fim de cinco dias na Horta estava com falta de mar, uma espécie de asma que me dá às vezes e não depende, de todo, da quantidade de dias que estive em terra ou no mar nem das respectivas gaudas ou dores.
Agora, no fim do segundo dia, confirmo a asma e o remédio, apesar da porcaria do tempo, frio e encoberto. Fizemos um monte de horas a motor mas há pouco enviei o code zero, desliguei as máquinas e venho deitar-me ao som da costumeira conversa do MADRIGAL VI com o elemento em que navega. O hélice diz-me a velocidade com uma aproximação aceitável, as vagas estão mais alinhadas, o almoço foi umas febras esplêndidas marinadas meia hora em massa de pimentão dos Açores (intercala-se aqui um hallelujah pelo desembarque do W. mas isso são contas de outro rosário), o bote faz seis nós - pouco para o vento que está e muito se se incluir o estado da grande, que tem basicamente a forma e a eficácia de um saco de batatas. (Melhorou um bocadinho, de passagem se diga, como o aconchego que lhe dei na escala.) De que é que estava a falar? Ah, sim, de paz, harmonia, alegria, bem-estar... Essas coisas quando estão juntas formam una espécie de maionese a que se dá um nome que ando para aqui às voltas para evitar dizer, não vá ao diabo dar vontade de me fazer uma partida.
Acresce que tudo parece indicar que amanhã teremos sol.
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Escrevi à Henri Lloyd a queixar-me das calças que nem "dez anos" têm. Na verdade nem oito. Comecei o e-mail com a fórmula habitual na casa: "Dear Sirs, I am appalled and distressed..." A resposta veio rápida, gentil e em linguagem normal, não em língua de madeira. Tal como teria sido em Portugal, de resto, toda a gente sabe. Dizem-me que as calças chegaram ao fim da sua vida útil, que os materiais modernos não duram como os de antigamente e oferecem-me um voucher de dez por cento na compra do próximo equipamento.
Não tenho a certeza de querer gastar noventa por cento de uma pipa de massa numa roupa que nem dez anos vai durar.
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A merda da dor nas costas não me larga.
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Nunca falei com o dr. Segismundo ou com o Dr. Carlos sobre os dos outros mas os meus sonhos tem uma qualidade gráfca invejável.
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050625
Arrastamo-nos a cinco nós, cinco e meio mas pelo menos estamos mesmo em cima do rumo. É portanto possível que chegue de dia ao waypoint Trafalgar, ao largo do cabo homónimo,que situei no meio das pedras do baixio que por ali está. Prefiro pedras a orcas, apesar do monte de petardos que tenho a bordo. Ainda não os experimentei e não sei o que valem. Já as pedras não se mexem e não chateiam se eu não me mandar para cima delas.
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Em dois mil e doze todos os domingos fazia uma ligação à crónica do A. G. no Diário de Notícias. Vi tantas tantas que lhe pedi para escrever o prefácio. Disse que sim. Não é só o mar que me enche de alegrias.
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Isto porque continua a revisão dos textos para o próximo livro. O título provisório é Não Sei. Ligeira diacronia: apesar de a expressão aparecer várias vezes, só comecei a usá-la regular e frequentemente alguns anos depois. Pouco importa. Não é a primeira e não será a última.
Pelis meus cálculos, este vai vender um milhão de exemplares, mas coisa menos coisa.
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060625
Não sei se é impressão minha, mas nunca mais vi referências às nossas "raízes judeo-cristãs". Desapareceram da lista de tudo o que está errado na civilização ocidental. Foram substituídas pelas "alterações climáticas", pelas LGBTQ-fobias, pela exclusão e por mais meia dúzia de coisas.
Assistir ao vivo e a cores a estas alterações do zeitgeist é fascinante
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À tarde voltou o Sol e trouxe o vento com ele. Já não tínhamos um dia assim há mais de duas semanas. Agora só falta entrar calor.
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Dilema: paro em Lagos para bancas ou tento ir directamente para Gibraltar? Decidi não decidir até domingo. Se tiver o norte que o GFS prevê, não paro. Se a previsão que estiver certa for a do ECMWF, paro. Até agora os americanos têm estado mais perto da verdade, pelo menos desde a Horta (até lá não tinha EC etc., raio de acrónimo que a comissão europeia foi arranjar. Não têm mais nada que fazer...)
A verdade é que não me apetece nada parar em Lagos. Quero apanhar-me no Mediterrâneo e depois entregar o bote, receber a massa e chegar a Genebra enquanto o T. lá está, história de ter a família toda junta nem que seja um dia.
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Treze nós de vento real, seis e meio no fundo, code zero e grande, vento pela alheta. Não posso pedir muito mais.
Enfim, poder podia, mas não peço. Ser pago para ter uma tarde como esta - e como provavelmente amanhã será - chega.
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070625
PS - O gajo que escreveu isto já se esqueceu das semanas merdosas que acabou de passar. Decididamente o mar só tem presente, não tem passado nem futuro. [E não, amanhã não foi assim. Está outra vez encoberto e frio e agora vamos à bolina folgada com a genoa porque estamos no limite do code zero e não quero ir para sul do rumo, não vá ter de ir a Lagos.]
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A verdade é que não queria ira Lagos. Queria ir directamente para Gibraltar e dali para Ibiza com uma breve paragem em Cartagena para desembarcar o M., que tem uma reunião de família importante. Eu também tenho - ou tinha - mas não posso desembarcar...
Ou seja: acabei de mudar o rumo e vou mesmo parar lá. A bordo tenho tudo para ir directo: provisões, combustível e água. Só não há é tempo. Nem o proprietário nem eu e andar a arrastar-me a quatro nós numa bolina cada vez mais cerrada com esta vaca à espera da nortada não me parece boa ideia. "Quem sabe faz a hora / não espera acontecer".
Paragem relâmpago em Lagos e depois aquela execrável volta pelo golfo de Cadiz (ou de Huelva?). De momento o plano é parar em Gibraltar para bancas e aprovisionamento, mas isso será discutido com o proprietário.
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Fiz pão. Ficou porreiro. W. dizia que o forno não era bom e por isso só podia fazer naans. O forno funciona muito bem, W. Pelo menos para nós, marinheiros. Para um cozinheiro profissional - perdão: um chef - talvez não. Mas nisto, meu caro, é como no resto: que faz o pão é o cozinheiro - perdão, chef. O forno só ajuda.
3.6.25
Paz, alegria, mar
O mar é uma força capaz de fazer da alegria uma coisa igual à paz. Ou ao contrário: a paz fica igualzinha à alegria. Ou então fundem-se e ficam a mesma emoção.
Não sei. Isto é, não sei que nome dar a esta mistura.
Que força é essa?
Sérgio Godinho é um músico português razoavelmente mau. Às vezes tem canções um bocadinho piores do que más e raramente algumas menos. Aonde acerta mais é nos refrões. Tem um de que me lembro muitas vezes. Diz "que força é essa, amigo?". Como já não me lembrava do resto fui ouvir. A canção é pavorosa, mas "que força é essa?" fica facilmente no ouvido. Sobretudo quando se substitui força por outra coisa qualquer. Calma, por exemplo. Alegria. Que calma é essa, de onde vem, que te aparece mal tens os dois pés no mar? Que alegria é essa, que resiste a este tempo merdoso e não precisa de se manifestar ruidosamente, porque o silêncio a exprime muito melhor?
Só porque estás no mar há oito horas e tens oito dias dele pela proa?
Ditirambos, vergonha e orcas
Depois de todos os ditirambos à Horta até tenho vergonha de dizer quão feliz estou por estar no mar de novo.
Aproveito a ponta de S. Jorge para descarregar a última previsão. Agora, só daqui a uma semana terei net - e aí darei graças por causa das putas das orcas. (Enfim, não é inteiramente verdade, mas não faz mal. Se elas lá estiverem, chegar-lhes-ei antes de chegar à net. Espero que não estejam.)
2.6.25
Sandes divinas, frango frito divino. Já a simpatia vem dos Açores
Se alguém um dia quiser comer a melhor sanduíche da sua vida ou o melhor frango frito do Universo: venha ao Ah! Boca Santa no mercado da Horta. Parece que o hambúrguer e a sandes de frango são igualmente superiores. Não provei mas acredito em tudo o que o senhor me diz.
Quem me proporciona momentos destes não vai para o céu. Já lá está.
Um tipo sonha que vai para os Açores
Cada vez que venho ao Açores pergunto-me por que raio não venho viver para aqui. Depois lembro-me da anedota do tipo que sonha que vai para o céu.
Mas nem assim fico convencido.
Esperamos o que nos espera
"No mesmo lago
Caçador e pato bravo
Diário de Bordos - Horta, Faial, Açores, 01-06-2025
Jantar no Peter. Estava óptimo. Pelo menos a tripulação gostou. Eu comi uma sopa de peixe, bastante boa. Fui injusto desde que comi as lapas, mas temos de admitir: tal como uma andorinha não faz a Primavera, umas lapas não fazem o restaurante.
Amanhã vou lá pôr uma bandeira. Será a segunda. A primeira veio do AQUARELLE, (creio) há quarenta anos, mais semana menos semana. Penso muitas vezes na anedota da hiena, que ninguém compreende bem de que se ri. A cada dia compreendo e aceito que tenho razões para me rir.
Ou pelo menos para sorrir.
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Para juntar à série "O marinheiro é o ser mais ambivalente de toda a criação": quando está no mar sonha com a terra, quando está na terra sonha com o mar.
1.6.25
De como a ausência de coluna vertebral se manifesta das mais variadas formas
Começo a fazer as primeiras festas nos livros que comprei no Pico e lá me calha o acordês na rifa. É quase impossível comprar livros novos sem cair vítima desse nojo.
A "intelligentsia" portuguesa (aspas porque é irónico) tem a coluna vertebral de um caracol que vendeu a casca.